Jesús de León se lembra claramente quando seu espírito finalmente se despedaçou. Ele tinha 13 anos. Não era uma ferida óbvia como uma perna quebrada, mas sim um ferimento profundo em sua alma depois de anos de doutrinação e violência que lenta mas gradualmente distorceram seu pensamento e roubaram sua inocência.
De León nasceu em Cuba em 1966, quase uma década depois que Fidel Castro tomou o poder e purgou a dissidência.
“Eu estava no coração da revolução”, disse De León de sua casa em Brooklyn, Nova York, em 16 de março de 2017. “Eu fui criado com a doutrinação do sistema comunista.”
Desde os primeiros dias da escola primária, de De León disse que tinha de jurar lealdade a Castro e saudá-lo todos os dias.
“Tínhamos de repetir, ‘Somos pioneiros do Partido Comunista como Che [Guevara]'”, disse ele. “Agora que sou um adulto, eu percebo que, enquanto eu repetia isso todos os dias quando criança, isso se tornava parte de mim, do meu corpo, da minha mente e do meu sangue.”
De León frequentou a Escola Lenin em Havana. Ela foi a pioneira das escolas técnicas de internato e da elite da nação. Ela foi oficialmente inaugurada pelo secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, Leonid Brezhnev. Durante a orientação, foi dito a De León que o objetivo de Castro para a escola era formar “estudantes puramente comunistas”.
Meus seus seis anos lá foram “traumáticos” e “horrendos”, disse ele. O pior momento para De León foi em 1980 durante os seis meses de emigração de 125 mil cubanos que partiram do Porto de Mariel para os Estados Unidos, conhecido como “êxodo de Mariel”.
Destruindo amizades
Qualquer um que quisesse sair de Cuba tinha de obter permissão por meio de seu local de trabalho e, porque todos os trabalhos eram estatais, isso significava que todo o aparato do governo era alertado imediatamente. Era impossível sair sem que o governo soubesse.
Famílias que queriam sair eram rotuladas como traidores ou vermes e a punição vinha rapidamente, antes que as famílias pudessem realmente partir.
De León e seus colegas de classe foram obrigados a fazer parte da força punitiva. Ele tinha 13 anos quando foi transportado num ônibus escolar e levado para a casa de uma família que estava prestes a emigrar.
“Nós jogamos pedras na casa e quebramos tudo. O objetivo era invadir e vandalizar a casa”, disse De León. “Algumas vezes, eu participei disso várias vezes num mesmo dia.”
“Uma vez, nós fomos para o telhado e começamos a atirar pedras nas pessoas da casa, enquanto eles comiam uma refeição”, disse ele, observando que inclusive os vizinhos participariam.
Não havia escolha para não participar. Ele disse: “Eles envenenavam seu espírito desde o primeiro dia, então você faria o que todos os outros fariam. Você sentiria tanto medo. Você nem sequer questionaria.”
Os colegas e amigos de De León não foram exceção e ele foi forçado a se voltar contra eles também.
“O que ocorreu lá mudou a minha vida completamente. A partir desse momento, eu deixei de acreditar em amizade. Isso desumaniza você”, disse ele. “Tudo se torna normal; espancar as pessoas e destruir suas casas é autorizado e incentivado.”
Quando os pais iam à escola para avisar às autoridades que seus filhos estavam saindo, os alunos espancariam os pais, disse De León.
“Uma vez, um grupo de nós jogou pedras no pai de um colega e outro golpeou sua cabeça”, disse ele, enquanto seus olhos comovidos olhavam para baixo.
“Eu me lembro de uma vez na escola quando eles colocaram uma menina num palco e todos gritavam com ela. Eles a atacaram, rasgando suas roupas e ela correu com os pais para o carro deles para escapar.”
“Os professores nos incentivavam a fazer isso e participavam também, inclusive o diretor e o decano.”
De León disse que foi nesse período que ele abandonou os conceitos de confiança e amizade.
“Mesmo que Ruben pudesse ser meu melhor amigo hoje, ele poderia ser meu inimigo amanhã”, disse ele. “Depois disso, eu não me importei mais, mas eu me senti muito solitário.”
Em cada bairro havia um Comitê para a Defesa da Revolução (CDR). O CDR era o aparato de espionagem doméstico do regime cubano.
“O CDR sabe tudo sobre cada família, seus horários, que escola frequentam, seu local de trabalho, como pensam, simplesmente tudo”, disse De León.
Cada família recebia um livreto de rações para comprar comida e roupas, o governo determinava exatamente o que as famílias poderiam adquirir, como feijões, ovos, roupas e assim por diante.
“Era muito difícil conseguir comida em Cuba”, disse De León. “Sempre tínhamos que escolher entre comprar alimentos ou roupas; de fato nunca pudemos nos vestir adequadamente.” Seu pai frequentemente fazia bicos para conseguir algum dinheiro e comprar coisas no mercado negro.
Partindo sem despedidas
De León se graduou como advogado em 1995 e trabalhou no Departamento Cubano de Propriedade Intelectual. Ele diz que na época ele era um mulherengo e um beberrão e que seu trabalho parecia desonesto.
“Eu percebi que estava me tornando uma pessoa degenerada”, disse ele. “Eu ainda podia distinguir entre o certo e o errado, mas eu não conseguia agir de maneira diferente. Eu queria mudar minha vida. Eu não queria viver num país comunista.”
Seu trabalho requeria que ele ocasionalmente viajasse ao exterior a trabalho, assim ele era um dos poucos cubanos que tinha um passaporte, o que se tornou seu bilhete de saída de uma vida que ele detestava.
Em 2004, pouco antes de viajar para o Brasil numa viagem de trabalho, De León tomou sua decisão final. Ele estava recebendo muita pressão para se juntar ao Partido Comunista; era muito raro alguém de sua carreira não ter aderido às fileiras do Partido.
Ele não podia dizer adeus a sua família porque ele sabia que poderia ser descoberto.
“Lembro-me do momento exato em que parti. Foi muito doloroso”, disse ele. “Não foi normal, não foi humano.”
Tentando reconstruir
No Brasil, De León abandonou seu luxuoso hotel no Rio de Janeiro e foi viver nas ruas. Eventualmente, ele conheceu uma argentina e viajou com ela para seu país natal. Posteriormente, eles se casaram. Ele ficou feliz em deixar o Brasil; o governo tinha um acordo de extradição com Cuba e ele temia que o rastreassem. Ele também poderia se comunicar facilmente em espanhol na Argentina.
“Quando saí de Cuba, eu nunca mais bebi álcool, nunca mais fui promíscuo. Eu passei por muitas mudanças”, disse De León.
Mas ele não iniciou magicamente uma vida livre e fabulosa pós-Cuba e deixou tudo para trás, algumas coisas fundamentais ainda estavam muito enraizadas em sua psique.
“Eu não conseguia ir adiante. Eu não tinha esperança”, disse ele. Suas lembranças de seus nove anos na Argentina são vagas e durante anos ele esteve doente e deprimido. “Eu perdi tudo: meu país, minha família, meus amigos, minha carreira.”
Sua incapacidade de ter relacionamentos adequados e sua apatia em relação à vida continuaram a assombrá-lo e prejudicá-lo.
“Mesmo agora, tenho dificuldade em confiar nos outros”, disse ele. “Eu acredito que essa é a parte mais prejudicial do comunismo, a falta de confiança. Porque você sempre se sente sozinho.”
De León ganhou um green card dos Estados Unidos na loteria do país e mudou-se para lá em dezembro de 2012.
Ele fica chateado quando os não cubanos romantizam a vida em Cuba.
“Essas pessoas nunca viveram em Cuba. Eles vivem em sociedades livres onde eles têm a liberdade e a oportunidade de fantasiar. Isso é parte da liberdade: eles podem escolher. Mas eles não estão dispostos a perder tudo e ir viver em Cuba.”
“Eu nasci em Cuba e o regime me impôs o sistema. E quando eu tentei escolher, eu perdi tudo.”
De León colocou uma questão séria para os ideólogos românticos: “Por que os cubanos se jogam no mar para deixar Cuba?”
E apesar de tudo o que perdeu e sofreu na vida, De León é ligeiro em afirmar que nunca mais voltará a Cuba, “mesmo que me ofereçam novamente o que eu tinha antes”.