Matéria traduzida e adaptada do inglês, publicada pela matriz americana do Epoch Times.
“The Poet Dreams of Cupid by the Fire” (O poeta sonha com Cupido perto do fogo) das quatro obras sobre a ‘Story of Anacreon’ (História de Anacreonte), por volta de 1899, de Jean-Léon Gérôme. Óleo sobre tela. Coleção particular. Domínio público
Um grande dano foi causado por uma falsa percepção da poesia como algo elitista, inacessível, acadêmico e esotérico. A poesia é para todos, para o chamado “homem comum”, não para o acadêmico. A poesia é uma lente de aumento por meio da qual vemos a grama sob nossos pés e um telescópio por meio do qual vemos as estrelas acima de nossas cabeças. A poesia aguça a visão para que possamos penetrar na maravilha do real, para a qual muitas vezes estamos cegos.
Como o professor de literatura John Senior é citado em “John Senior and the Restoration of Realism” (John Senior e a Restauração do Realismo) pelo Pe. Bethel, “O poeta é o homem que diz ‘Olhe! Veja! Você nunca viu isso antes”. E se você o seguir, verá muito mais do que teria visto sozinho. Ao fazer isso, você terá ampliado sua capacidade de experimentar o mundo, o que é outra maneira de dizer viver”.
Essa é a vocação do poeta: ver o que realmente existe, em sua beleza e mistério, e ajudar os outros a verem também, para que possam viver mais plenamente.
Por que precisamos da ajuda do poeta para enxergar? Há muitas respostas para essa pergunta, mas uma das mais importantes é o velho ditado: “Familiaridade gera desprezo”. Encontros frequentes com realidades cotidianas—por mais impressionantes que sejam—tendem a amortecer nossa percepção delas. Caímos em uma rotina. Olhamos, mas não vemos mais.
Milagres poéticos
O poeta e clérigo renascentista John Donne explicou a ideia de nossos sentidos amortecidos em conexão com as maravilhas do mundo natural. “Não há nada que Deus tenha estabelecido em um curso constante da natureza e que, portanto, seja feito todos os dias, mas que pareceria um milagre e exerceria nossa admiração se fosse feito apenas uma vez”, observou ele em um sermão de Páscoa em 1627. Imagine se a chuva nunca tivesse caído e, um dia, os céus se abrissem. Grandes multidões se reuniriam nas ruas, atônitas, voltando seus rostos brilhantes para o céu em êxtase. Como a água poderia cair do alto?
O mesmo acontece com os relacionamentos humanos. Considere o milagre de ter um filho. Quando você segura o recém-nascido nos braços pela primeira vez, sente um conjunto totalmente novo de nervos ganhar vida dentro de você, novos canais em seu coração. Você vê a criança como o milagre que ela é. Mas os anos passam, a criança cresce e essa impressão inicial se desvanece—até um daqueles raros momentos em que o olhar do seu filho capta o seu, o cabelo dele brilha daquele jeito à luz do sol da tarde, os membros dourados brilham, e você vê, novamente, o que
você viu antes; você sabe, novamente, o que sabia antes. O milagre não desapareceu—na verdade, ele cresceu. Você simplesmente havia se esquecido até aquele momento.
Um estudo de caso de poesia
A poesia torna esses momentos mais frequentes. Em seu poema, “Those Winter Sundays” (Aqueles domingos de inverno), o poeta Robert Hayden dissipa a névoa entre nós e a dádiva dos pais e da paternidade.
Também aos domingos, meu pai se levantava cedo
e vestia suas roupas no frio azulado,
depois, com as mãos rachadas e doloridas
do trabalho durante a semana, ele fazia
os fogos empilhados arderem. Ninguém nunca lhe agradeceu.
Eu acordava e ouvia o frio se estilhaçando, quebrando.
Quando os cômodos estavam quentes, ele me chamava,
e lentamente eu me levantava e me vestia,
temendo as irritações crônicas daquela casa,
Falando indiferentemente com ele,
que havia afastado o frio
e também polia meus bons sapatos.
O que eu sabia, o que eu sabia
Dos austeros e solitários ofícios do amor?
Não se pode ler esse poema sem pensar em seu próprio pai e em tudo o que ele fez (e talvez em sua ingratidão por isso). Além disso, pequenas coisas comuns, como mãos rachadas, fogos e sapatos velhos, adquirem um significado mais profundo após a leitura do poema.
Podemos comparar um poema a uma câmera ou a um espelho posicionado em um lugar incomum. Ele oferece um novo ângulo sobre o mesmo objeto familiar, de modo que ele se torna novo e estranho novamente. “A poesia levanta o véu da beleza oculta do mundo e faz com que objetos familiares sejam como se não fossem familiares”, escreve o poeta romântico Percy Shelley em ‘A Defence of Poetry’. Ao mudar o ângulo do assunto, o poeta revela sua essência. Depois de se deparar com uma grande obra de arte, não é que as coisas do mundo tenham mudado, mas nossa profundidade de compreensão delas mudou.
O artista usa seu poder de visão para nos mostrar o que já vimos milhares de vezes antes como se fosse a primeira vez—com toda a emoção e maravilha que o acompanham. É por isso que precisamos de poesia. A pessoa que nunca se refresca com a arte corre o risco de perder muito, talvez perder tudo. O que é a vida se não enxergamos de fato, se estamos cegos pelos negócios e pela rotina?
Como escreveu o poeta vitoriano Gerard Manley Hopkins: “Gerações têm caminhado, quanto elas têm caminhado/ E tudo está marcado pelo comércio; sangrado, manchado pelo trabalho/ E usa a mancha do homem
e compartilha o cheiro do homem: o solo/ Está nu agora, nem o pé pode sentir, sendo calçado”. A rotina diária às vezes torna a humanidade alheia ao brilho do cotidiano.
Mas Hopkins continua: “E, apesar de tudo isso, a natureza nunca se esgota/ Existe o mais querido frescor no fundo das coisas/ E embora as últimas luzes do negro oeste tenham se apagado/ Oh, a manhã, na beira marrom do leste, brota—”
Há nós e há o mundo. O mundo é luminoso. São nossos olhos que, às vezes, ficam escurecidos, cansados, meio fechados durante o sono. Até que alguém—um poeta—nos desperte.