Por que precisamos de poesia: Vendo o mundo de outra forma

Por Walker Larson
12/10/2024 21:10 Atualizado: 12/10/2024 21:10
Matéria traduzida e adaptada do inglês, publicada pela matriz americana do Epoch Times.

“The Poet Dreams of Cupid by the Fire” (O poeta sonha com Cupido perto do fogo) das quatro obras sobre a ‘Story of Anacreon’ (História de Anacreonte), por volta de 1899, de Jean-Léon Gérôme. Óleo sobre tela. Coleção particular. Domínio público      

Um grande dano foi causado por uma falsa percepção da poesia como algo elitista, inacessível, acadêmico e esotérico. A poesia é para todos, para o chamado “homem comum”, não para o acadêmico. A poesia é uma lente de aumento por meio da qual vemos a grama sob nossos pés e um telescópio por meio do qual vemos as estrelas acima de nossas cabeças. A poesia aguça a visão para que possamos penetrar na maravilha do real, para a qual muitas vezes estamos cegos.

Como o professor de literatura John Senior é citado em “John Senior and the Restoration of Realism” (John Senior e a Restauração do Realismo) pelo Pe. Bethel, “O poeta é o homem que diz ‘Olhe! Veja! Você nunca viu isso antes”. E se você o seguir, verá muito mais do que teria visto sozinho. Ao fazer isso, você terá ampliado sua capacidade de experimentar o mundo, o que é outra maneira de dizer viver”.

Essa é a vocação do poeta: ver o que realmente existe, em sua beleza e mistério, e ajudar os outros a verem também, para que possam viver mais plenamente.

Por que precisamos da ajuda do poeta para enxergar? Há muitas respostas para essa pergunta, mas uma das mais importantes é o velho ditado: “Familiaridade gera desprezo”. Encontros frequentes com realidades cotidianaspor mais impressionantes que sejamtendem a amortecer nossa percepção delas. Caímos em uma rotina. Olhamos, mas não vemos mais.

Milagres poéticos

O poeta e clérigo renascentista John Donne explicou a ideia de nossos sentidos amortecidos em conexão com as maravilhas do mundo natural. “Não há nada que Deus tenha estabelecido em um curso constante da natureza e que, portanto, seja feito todos os dias, mas que pareceria um milagre e exerceria nossa admiração se fosse feito apenas uma vez”, observou ele em um sermão de Páscoa em 1627. Imagine se a chuva nunca tivesse caído e, um dia, os céus se abrissem. Grandes multidões se reuniriam nas ruas, atônitas, voltando seus rostos brilhantes para o céu em êxtase. Como a água poderia cair do alto?

O mesmo acontece com os relacionamentos humanos. Considere o milagre de ter um filho. Quando você segura o recém-nascido nos braços pela primeira vez, sente um conjunto totalmente novo de nervos ganhar vida dentro de você, novos canais em seu coração. Você vê a criança como o milagre que ela é. Mas os anos passam, a criança cresce e essa impressão inicial se desvaneceaté um daqueles raros momentos em que o olhar do seu filho capta o seu, o cabelo dele brilha daquele jeito à luz do sol da tarde, os membros dourados brilham, e você vê, novamente, o que 

você viu antes; você sabe, novamente, o que sabia antes. O milagre não desapareceuna verdade, ele cresceu. Você simplesmente havia se esquecido até aquele momento.

"The First Caress," 1866, by William-Adolphe Bouguereau. Oil on canvas. Lyndhurst, New York. (Public Domain)
“The First Caress” (A primeira carícia), 1866, de William-Adolphe Bouguereau. Óleo sobre tela. Lyndhurst, Nova Iorque. Domínio público

Um estudo de caso de poesia

A poesia torna esses momentos mais frequentes. Em seu poema, “Those Winter Sundays” (Aqueles domingos de inverno), o poeta Robert Hayden dissipa a névoa entre nós e a dádiva dos pais e da paternidade.

 

Também aos domingos, meu pai se levantava cedo

e vestia suas roupas no frio azulado,

depois, com as mãos rachadas e doloridas

do trabalho durante a semana, ele fazia

os fogos empilhados arderem. Ninguém nunca lhe agradeceu.

 

Eu acordava e ouvia o frio se estilhaçando, quebrando.

Quando os cômodos estavam quentes, ele me chamava,

e lentamente eu me levantava e me vestia,

temendo as irritações crônicas daquela casa,

 

Falando indiferentemente com ele,

que havia afastado o frio

e também polia meus bons sapatos.

O que eu sabia, o que eu sabia

Dos austeros e solitários ofícios do amor?

Não se pode ler esse poema sem pensar em seu próprio pai e em tudo o que ele fez (e talvez em sua ingratidão por isso). Além disso, pequenas coisas comuns, como mãos rachadas, fogos e sapatos velhos, adquirem um significado mais profundo após a leitura do poema.

"Young Love's Shivering Limbs the Embers Warm," from the four works on the "Story of Anacreon," circa 1899, by Jean-Léon Gérôme. Oil on canvas. Private collection. (Public Domain)
“Young Love’s Shivering Limbs the Embers Warm”, das quatro obras sobre a ‘História de Anacreonte’, por volta de 1899, de Jean-Léon Gérôme. Óleo sobre tela. Coleção particular. Domínio público

Podemos comparar um poema a uma câmera ou a um espelho posicionado em um lugar incomum. Ele oferece um novo ângulo sobre o mesmo objeto familiar, de modo que ele se torna novo e estranho novamente. “A poesia levanta o véu da beleza oculta do mundo e faz com que objetos familiares sejam como se não fossem familiares”, escreve o poeta romântico Percy Shelley em ‘A Defence of Poetry’. Ao mudar o ângulo do assunto, o poeta revela sua essência. Depois de se deparar com uma grande obra de arte, não é que as coisas do mundo tenham mudado, mas nossa profundidade de compreensão delas mudou.

O artista usa seu poder de visão para nos mostrar o que já vimos milhares de vezes antes como se fosse a primeira vezcom toda a emoção e maravilha que o acompanham. É por isso que precisamos de poesia. A pessoa que nunca se refresca com a arte corre o risco de perder muito, talvez perder tudo. O que é a vida se não enxergamos de fato, se estamos cegos pelos negócios e pela rotina?

Como escreveu o poeta vitoriano Gerard Manley Hopkins: “Gerações têm caminhado, quanto elas têm caminhado/ E tudo está marcado pelo comércio; sangrado, manchado pelo trabalho/ E usa a mancha do homem 

e compartilha o cheiro do homem: o solo/ Está nu agora, nem o pé pode sentir, sendo calçado”. A rotina diária às vezes torna a humanidade alheia ao brilho do cotidiano.

Mas Hopkins continua: “E, apesar de tudo isso, a natureza nunca se esgota/ Existe o mais querido frescor no fundo das coisas/ E embora as últimas luzes do negro oeste tenham se apagado/ Oh, a manhã, na beira marrom do leste, brota

Há nós e há o mundo. O mundo é luminoso. São nossos olhos que, às vezes, ficam escurecidos, cansados, meio fechados durante o sono. Até que alguémum poetanos desperte.       

Calliope, Muse of Epic Poetry, 1798. Charles Meynier. Oil on canvas. The Cleveland Museum of Art, Severance and Greta Millikin Purchase Fund. (Public Domain)
Calliope, Musa da Poesia Épica, 1798. Charles Meynier. Óleo sobre tela. Museu de Arte de Cleveland, Severance and Greta Millikin Purchase Fund. Domínio público