Se você se importa com a beleza na arte, música e arquitetura; se você está procurando consolação no mundo; se você quer aprender sobre a natureza humana, sexualidade e desejo; se você quer entender por que a tradição importa; ou se você simplesmente quer saber como nutrir melhor suas amizades, talvez você gostará das obras de Sir Roger Scruton.
Há muito para escolher. Além de inúmeros ensaios e palestras, Scruton escreveu cerca de 40 livros de não-ficção, quatro romances e duas óperas. O filósofo e escritor inglês também compõe música e escreve poesia.
“Roger escreveu praticamente sobre tudo o que importa; portanto, seu trabalho poderia ser chamado justamente de uma exploração abrangente de nossa natureza e condição humanas”, disse Alicja Gescinska, filósofa polonês-belga, romancista e apresentadora de TV. Ela foi palestrante em um recente evento em homenagem a Scruton, pelo qual eu ansiosamente esperava.
Quando o “Programa James Madison sobre Ideas e Instituições Americanas” da Universidade de Princeton soube que o Príncipe de Gales concedeu a Scruton o título de cavaleiro por sua contribuição a filosofia, ensino e educação pública em novembro de 2016, o programa decidiu homenageá-lo realizando um painel de discussão na própria universidade em 3 de abril de 2017. Scruton compareceu ao evento, realizando uma palestra pública intitulada “As realizações de Sir Roger Scruton”.
Scruton é “talentoso em tantos gêneros que é quase impossível para uma pessoa comum avaliar suas realizações”, disse Daniel Cullen, professor de ciência política na faculdade Rhodes.
Embora o escopo de Scruton seja incontestavelmente amplo, ele expressa sua posição filosófica coerente e consistentemente ao longo de suas obras. John Haldane, professor de filosofia da Universidade Baylor e da Universidade de St. Andrews, disse que o trabalho de Scruton é impressionante devido à sua “sistematicidade”.
Como o estilo da prosa de Scruton é robusto, inicialmente ele pode parecer seco. Ele expõe seu raciocínio tão claramente que não há nada de obscuro ou oculto nele. Contudo, ele faz perguntas, distinções sutis e provê explicações de forma tão elegante que seu filosofar inesperadamente se torna poético, consolador e às vezes divertido.
“Eu vim para homenagear o Roger, e esta é uma tarefa simplesmente agradável”, disse Mark Johnston, professor de filosofia em Princeton. Johnston destacou o dom de Scruton para a comédia, citando o ensaio “How I Discovered My Name” (Como descobri meu nome). Isso dissipou qualquer associação de rispidez que se poderia associar aos filósofos em geral ou às características faciais sérias e marcadas de Scruton:
“[Muitos nomes ingleses] são igualmente históricos, mas inevitavelmente distorcidos por suas raízes pagãs. Um desses nomes é Scruton – Scrofa de Tun -, oriundo de um líder Viking cuja característica distintiva não era o cabelo vermelho mas suas caspas. A pronúncia pode ser reparada sem muito esforço de elocução. Mas, em qualquer tom de voz, Scruton soa malvado e censurável. Muitas palavras negativas no inglês possuem tons similares e soam como manchas negras malignas da boca de quem as profere. Estou convencido de que a recepção hostil dada até mesmo às minhas obras mais liberais foi devido não à voz conservadora que fala por meio delas…, mas sim ao aço ríspido deste sobrenome perfurocortante… E tenho certeza de que seu efeito subliminar é uma das causas da enorme surpresa que as pessoas sentem quando me encontram e descobrem que sou mais ou menos humano.”
Por que a beleza importa
Foi um grande prazer e uma honra ver Sir Roger Scruton em pessoa – um humano muito humano – e vê-lo passar sem problemas de um assunto para o outro.
Descobri Scruton pela primeira vez em um documentário da “BBC Two” intitulado “Why Beauty Matters” (Por que a beleza importa), no qual ele “defende o indefensável”, isto é, as tradições. Ele argumenta que a beleza não é apenas uma questão de gosto subjetivo, mas algo que dá sentido à vida.
“Através da busca da beleza, damos forma ao mundo como um lar. Também chegamos a entender nossa própria natureza como seres espirituais”, diz Scruton no documentário.
Eu me senti muito aliviada e ainda bastante surpresa ao perceber que estava totalmente de acordo com as opiniões de um cavalheiro britânico conservador que fuma charutos e gosta de caçar raposas. Apesar da minha antiga educação esquerdista, a chamada educação “progressista” na teoria crítica e pós-moderna – que geralmente enfatiza o repúdio e a profanação da arte, em vez da inspiração e do sagrado que Scruton defende -, no fundo eu sabia que Scruton estava revelando verdades positivas que foram negadas por muito tempo.
Pelo menos outras 500 pessoas concordaram, a julgar pelo número de e-mails que Scruton disse ter recebido de pessoas dizendo: “Graças a Deus alguém está dizendo o que precisa ser dito”.
Oito anos se passaram desde que a BBC transmitiu “Why Beauty Matters“, trabalho pelo qual Scruton é popularmente reconhecido. Antes e depois desse documentário, ao defender o indefensável, Scruton venceu processos judiciais, interrogatórios, o terrível assassinato de reputação, a perda de uma carreira universitária na Grã-Bretanha e uma série de críticas odiosas. No entanto, isso não o impede de dizer o que precisa ser dito.
Cada empreendimento baseado em princípios geralmente encontra um desafio igualmente intenso a ser superado.
Além de sua recente condecoração como cavaleiro, Scruton também recebeu inúmeras honras, incluindo o Prêmio Sappho da Sociedade do Livre Discurso da Dinamarca em 2016 e em 1998 a Medalha do Mérito da República Checa, em reconhecimento por seu papel na “Universidade Subterrânea” que ele ajudou a estabelecer na antiga Tchecoslováquia durante a última década de regime comunista.
Filosofia na Cultura Pública
Scruton começou sua palestra pública em Princeton falando sobre arquitetura, retornando às origens, porque foi em Princeton que ele deu cursos sobre a estética da arquitetura em 1979. Foi também em Princeton, disse ele, onde identificara sua vocação, ou seja: “Tentar unir as duas formas de reflexão, a artística e a filosófica, em algum tipo de unidade que permitisse às duas lançar luz sobre a outra”. Essa reflexão continua a influenciar suas obras. O livro que ele escreveu baseado nessa filosofia, “The Aesthetics of Architecture” (A Estética da Arquitetura), publicado pela Editora da Universidade de Princeton em 1980, continua a ser impresso até hoje.
Ele qualificou a arquitetura como “um domínio muito importante da prática artística” e criticou o arquiteto moderno Le Corbusier por destruir a arte da arquitetura. A arquitetura funcional de concreto e vidro que inundou as cidades ao redor do mundo é um estilo familiar a todos. “São camadas horizontais de bandejas de cozinha empilhadas até chegar ao limite do seu orçamento”, disse ele, enquanto o público ria.
Os arquitetos hoje são treinados a projetar edifícios que exploram a flexibilidade de novos materiais para sua utilidade. “O resultado dessa prática, que agora é universal, também é universalmente lastimável”, disse Scruton.
Foi apenas um exemplo de como o “mundo-da-vida” foi despedaçado. Por “mundo-da-vida” (“Lebenswelt“, conceito introduzido pelo filósofo alemão Edmund Husserl), Scruton significa “o mundo como ele realmente aparece, como compreendido através da nossa interação reflexiva com ele”. É a nossa compreensão intencional das coisas, que compartilhamos com os outros; é intersubjetiva.
“Nossos estados de consciência têm uma propriedade de ‘questionamento'”. Se eu amo, há alguém que eu amo; se temo, há algo que eu temo, e assim por diante. Essa coisa: amor, medo, pensamento, etc… é uma representação, uma projeção mental do meu estado mental”, disse Scruton. “[Mas] É real no sentido de que contém uma percepção sobre o mundo, que pode ser compartilhada.”
Scruton mencionou mais tarde o totalitarismo como outro exemplo de “dilaceramento do ‘Lebenswelt‘”, ou seja, o desejo de assegurar o controle total sobre as relações humanas e de perceber todas as relações reais entre as pessoas como suspeitas e ameaçadoras”.
Não é de estranhar então que Scruton considere que um dos papéis mais importante da filosofia é ser “uma costureira do ‘mundo-da-vida'”.
Do campo da arquitetura, Scruton pôs-se a falar sobre a natureza humana, mencionando seu recente livro “Da Natureza Humana” (On Human Nature). Ele explicou a importância de compreender a distinção entre a essência das coisas e a aparência das coisas. Essas ideias complexas são melhor compreendidas lendo os livros de Scruton, mas eu entendi de forma aproximada como uma poderia levar ao totalitarismo, enquanto a outra poderia levar a uma sociedade saudável.
Ele mencionou que fala em seu livro sobre o desejo sexual e enfatizou a importância da “compreensão de como o vínculo sexual toca as profundezas metafísicas da pessoa humana e não apenas as regiões periféricas, por assim dizer”. Ele disse estar convencido de que “os cientistas rasgaram o Lebenswelt. Eles deturparam o fenômeno”, disse ele.
“Eu explorei por completo a ideia do objeto individual de desejo diante da cultura prevalecente de permissividade e cientificismo. Como resultado surgiram algumas opiniões heréticas, por exemplo, em favor do casamento monogâmico.” O público riu.
Ele continuou a fazer um esboço de suas obras, depois passou para a estética da música, para o politicamente correto e para a liberdade de expressão.
“Nós vivemos em um Lebenswelt ligeiramente lacerado. A meu ver, estamos divididos pelo ‘politicamente correto’, pois há muitas coisas que tememos dizer por medo de ofender a cultura predominante. Muitas vezes somos obrigados a viver dentro da mentira. Vê-se isso acontecendo com o grande problema da liberdade de expressão que se manifesta em todo o mundo ocidental e, em particular, nas universidades”, disse ele.
“Novas ortodoxias estão surgindo, ortodoxias frágeis, que se sentem ameaçadas por qualquer questionamento. E a grande questão é: um filósofo deve permanecer em silêncio diante disso? Deveria um filósofo aceitar que a verdade deva ser sacrificada ao conformismo? E o que é o novo conformismo afinal? Como saberemos se não tivermos permissão para discuti-lo?”
Scruton concluiu destacando a necessidade de encontrar consolo, que ele também considera uma das tarefas principais da filosofia: “tentar explicar por que é que encontramos consolo na beleza, no sagrado e no lar. O que acontece quando os perdemos? Podemos recuperá-los? E se assim o for, podemos recuperá-los por nossos próprios esforços?”, inquiriu Scruton.
A principal atividade de Scruton consistiu em levantar questões importantes e encontrar uma bela e clara maneira de explicar as respostas que ele descobre.
Gescinska provavelmente fez a melhor descrição do impacto de Scruton sobre os leitores que o amam. Suas obras “magistralmente nos abrem para ideias sobre a natureza humana que são quase impossíveis de descrever… Ele atinge nossos corações com suas sentenças belamente elaboradas e revela o mistério da vida a partir da visão das coisas comuns”, disse ela.