Os 3 tipos de amizade segundo Aristóteles

Por Leo Salvatore
22/10/2024 15:38 Atualizado: 22/10/2024 15:38
Matéria traduzida e adaptada do inglês, publicada pela matriz americana do Epoch Times.

Em 2011, a Assembleia Geral das Nações Unidas designou o dia 30 de julho como o “Dia Internacional da Amizade”, afirmando que, através da amizade, “podemos contribuir para as mudanças fundamentais que são urgentemente necessárias para alcançar uma estabilidade duradoura, tecer uma rede de segurança que nos proteja a todos e gerar paixão por um mundo melhor, onde todos estejam unidos para o bem maior.” Mas por que a amizade nos une? Por que ela é essencial para o bem maior?

Essas questões moveram muitos pensadores ao longo da história. Entre os principais está o filósofo grego Aristóteles, cuja obra “Ética a Nicômaco” oferece uma discussão lúcida sobre a natureza complexa da amizade e seu poder transformador.

A “Ética a Nicômaco”

Os gregos antigos acreditavam que a maior felicidade era impossível sem a amizade. O professor e predecessor de Aristóteles, Platão, escreveu dezenas de diálogos onde seu mentor loquaz, Sócrates, guiava uma ampla gama de interlocutores em conversas difíceis. Às vezes, Sócrates os irritava, e em outras ocasiões os lisonjeava com elogios indevidos. Mas ele sempre os envolvia de forma honesta, para descobrir a verdade juntos. Tratava a todos como amigos.

The cover page of Aristotle's "Nichomachean Ethics." (PD-US)
A capa da “Ética a Nicômaco” de Aristóteles. PD-US

Escrevendo no século III a.C. como Aristóteles, o filósofo Epicuro afirmou que “a amizade dança ao redor do mundo, anunciando a todos nós que acordemos para a felicidade.” A filosofia de Epicuro é frequentemente mal interpretada como promovendo a busca egoísta por prazeres materiais. No entanto, o grego valorizava a prudência, a simplicidade e, acima de tudo, a amizade, tanto que pensava que uma pessoa sábia sentiria as aflições de um amigo como suas próprias e morreria por um amigo em vez de traí-lo.

Os filósofos antigos viam a amizade como mais do que um mero conceito a ser discutido em livros ou encontros acadêmicos. Platão, Epicuro e muitos outros filósofos gregos e romanos frequentemente trocavam cartas com amigos que ofereciam ou pediam conselhos pessoais. Seus esforços educacionais também envolviam uma mentoria incansável entre professores e alunos. Um entendimento conceitual da amizade tinha como objetivo ajudá-los a praticá-la na vida cotidiana.

É nesse contexto que Aristóteles escreveu “Ética a Nicômaco.” Editado por seu filho, Nicômaco, após a morte de Aristóteles, o livro permanece como um dos textos mais influentes da história. Ele começa com uma discussão sobre “eudaimonia“, que significa “felicidade” em grego. O que se segue é uma análise meticulosa da natureza da virtude e dos traços de caráter que precisamos para viver a melhor vida. A análise de Aristóteles sobre a amizade preenche dois livros dos 10, atestando sua importância na mente do grego.

"Aristotle tutoring Alexander," 1895, by Jean Leon Gerome Ferris. (Public Domain)
“Aristóteles ensinando Alexandre”, 1895, por Jean Leon Gerome Ferris. Domínio público

Utilidade

Aristóteles começa seu estudo com uma distinção entre três tipos de amizade: virtude, prazer e utilidade. Uma amizade de utilidade gira em torno da obtenção de benefícios materiais. Digamos que alguém saiba que você tem um carro. Você conhece essa pessoa relativamente bem, mas só a vê ocasionalmente. Um dia, ela lhe pede uma carona até o aeroporto. Você concorda por generosidade. Depois, ela desaparece por duas semanas. De repente, sem perguntar como você tem estado, ela pede outra carona, desta vez para o shopping.

Aristóteles classificaria esse exemplo como um caso clássico de amizade utilitária. Amigos que buscam a companhia um do outro para obter algo não se amam de verdade. Eles amam o que acham que o outro pode fornecer. A comida, o dinheiro ou o status que acumulam com essas amizades têm precedência sobre o bem-estar do amigo.

Mas por que chamar essa dinâmica instrumental de “amizade”? O termo grego “philia” não significa amizade no sentido moderno. Ele também pode significar tendência, desejo ou atração. Para Aristóteles, sentir-se atraído por alguém porque essa pessoa tem algo que queremos é suficiente para categorizar essa atração como “amizade”.

Prazer

O mesmo se aplica às amizades de prazer, embora o prazer seja menos obviamente materialista que a utilidade. Gostamos da companhia de pessoas espirituosas não por quem elas são, mas porque gostamos do humor delas. Como nos diz Aristóteles, “em uma amizade baseada na utilidade ou no prazer, os homens amam seus amigos por seu próprio bem ou por seu próprio prazer, e não como sendo a pessoa amada, mas como útil ou agradável.”

Os laços de utilidade e prazer são fundamentalmente instrumentais. Eles são “baseados em um acaso” e “facilmente rompidos.” Quando os amigos deixam de ser espirituosos, ou quando vendem seus carros, deixamos de nos beneficiar de seu humor ou bens materiais e paramos de procurar sua companhia.

"Alcibiades Receiving the Lessons of Socrates," 1776, by François-André Vincent. Oil on canvas; 38 4/5 inches by 51 1/2 inches. Fabre Museum, Montpellier, France. (Public Domain)
“Alcibíades Recebendo as Lições de Sócrates”, 1776, por François-André Vincent. Óleo sobre tela; 38 4/5 polegadas por 51 1/2 polegadas. Museu Fabre, Montpellier, França. Domínio público

Virtude

Aristóteles não condena completamente a utilidade e o prazer. Cada um tem seus benefícios. No entanto, ele é inflexível ao afirmar que apenas uma amizade baseada na virtude pode promover a verdadeira felicidade nesta vida.

Uma amizade de virtude é o melhor tipo, mas também o mais raro. Ela produz prazer, porque a virtude é gratificante. Mas seu prazer vem de uma disposição mais pura de desejar o bem do outro pelo bem do outro. É mais profunda e duradoura porque não depende de circunstâncias externas. Somente aqueles que desejam o bem do outro sem segundas intenções são “amigos no sentido mais pleno, pois se amam por si mesmos e não por acaso.” Esse pré-requisito — o amor incondicional — é necessário para que a virtude floresça entre amigos.

Além do amor incondicional, essa forma de amizade requer um conhecimento profundo do outro. Aristóteles supostamente afirmou que um amigo é “uma alma habitando em dois corpos.” O orador romano Cícero ecoou o mesmo sentimento em sua obra “De Amicitia” (“Sobre a Amizade”), que descreve um amigo como alguém “que tanto ama a si mesmo quanto deseja outro cuja alma possa se fundir com a sua, a ponto de quase fazer um só a partir de dois!” Apenas o tempo, o cuidado e a confiança genuína podem facilitar esse vínculo profundo.

Aristóteles assumiu que as pessoas envolvidas nessa amizade já são virtuosas antes de formarem o laço. Ele acreditava que uma amizade baseada na virtude só poderia florescer entre pessoas virtuosas o suficiente para valorizar esse tipo de amizade em primeiro lugar. Talvez Aristóteles tenha sido um pouco fechado nesse ponto. Parece possível que um modelo virtuoso possa fazer amizade com uma pessoa menos virtuosa e ajudá-la a cultivar melhores hábitos. A virtude é o objetivo, mas não precisa ser sempre o pré-requisito. Essa suposição básica sustenta programas de mentoria e educação bem-sucedidos em todo o mundo, que contam com a capacidade universal da amizade como um canal para ensinar virtude, independentemente das circunstâncias.

A amizade é essencial. É um bem social primário. Ela nos une porque exige amor e confiança, que nos aproximam em coração e mente. Contribui para o bem maior porque nos ajuda a cultivar nossa humanidade compartilhada e reconhecer a nós mesmos no outro.

Em 2023, uma pesquisa da Pew relatou que, enquanto 61% dos americanos dizem que as amizades são importantes para eles, 8% dizem que não têm amigos próximos. Isso pode parecer um pequeno percentual, mas representa cerca de 27 milhões de pessoas. Se a amizade é um bem social primário, devemos garantir que ela seja distribuída de forma adequada. Que incentivos temos estabelecido para incentivar o desenvolvimento moral das pessoas? Como podemos promover a amizade como um valor indispensável, na teoria e na prática? As respostas são difíceis, mas podemos começar com Aristóteles.