Karl Marx e a diferença entre comunismo e socialismo | Opinião

Por Instituto Ludwig von Mises Brasil
13/01/2023 13:30 Atualizado: 20/01/2023 12:37

No dia 10 de setembro de 1990, o multimilionário escritor, economista e socialista Robert Heilbroner publicou um artigo na revista The New Yorker intitulado “Após o Comunismo”. A URSS já estava em avançado processo de colapso.

Neste artigo, Heilbroner recontou a história de como Ludwig von Mises, ainda em 1920, havia provado que o socialismo não poderia funcionar como sistema econômico. Neste artigo, Heilbroner disse essas três palavras: “Mises estava certo”.

Mas aí vem a dúvida: qual a diferença entre comunismo e socialismo? Mises havia concluído que o socialismo não poderia funcionar, mas o que realmente entrou em colapso foi um sistema rotulado comunismo. Há alguma diferença?

História

Quando Karl Marx e Friedrich Engels começaram a escrever conjuntamente, no ano de 1843, Marx era a figura dominante. Engels era um melhor escritor, e era ele quem sustentava Marx financeiramente.

Marx passou toda a sua carreira se opondo àquilo que ele chamou de “socialismo utópico”. Ele nunca interagiu com nenhum grande economista ou teórico social. Você pode procurar, mas jamais encontrará qualquer refutação sistemática feita por Marx a Adam Smith, por exemplo. Marx gastou suas energias criticando verbalmente vários autores de esquerda, cujos escritos praticamente não tiveram nenhuma influência sobre a Europa em geral.

Dado que ele estava constantemente atacando autores socialistas, Marx criou uma teoria própria sobre o comunismo. Ele chamou essa sua teoria sobre o comunismo de “socialismo científico”. Marx argumentou que, inerente ao desenvolvimento da história, há uma inevitável série de etapas. Isso significa que ele era um determinista econômico. Ele acreditava que o modo de produção é fundamental em uma sociedade e que o socialismo seria historicamente inevitável porque haveria uma inevitável transformação do modo de produção da sociedade.

Todos os aspectos culturais da sociedade, sua filosofia e sua literatura formariam, segundo Marx, a superestrutura da sociedade. Já a subestrutura — ou seja, seus fundamentos — seria o modo de produção.

Segundo Marx, sua análise econômica revelava uma inevitável linearidade dos vários modos de produção. O comunismo primitivo levou ao feudalismo. O feudalismo levou ao capitalismo. O capitalismo levará a uma bem-sucedida revolução do proletariado. O proletariado irá impor o socialismo. E, do socialismo, surgirá o comunismo.

Esse processo linear fecha o círculo. Tudo começou com o comunismo primitivo, e tudo levará ao comunismo supremo. Com o comunismo supremo, toda a evolução histórica estará completa.

Só que Marx nunca explicou por que a evolução das etapas seria dessa maneira. Ele nunca explicou por que não haveria outra revolução após a chegada do comunismo supremo, a qual levaria a um modo de produção maior que o comunismo. Era mais conveniente apenas finalizar esse processo linear no comunismo.

A União Soviética jamais alegou ter chegado ao estágio comunista do modo de produção. Ela sempre se disse socialista. O nome do país era União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Os líderes supremos da União Soviética jamais alegaram que a URSS havia alcançado a etapa final do modo de produção. Stalin promoveu o conceito de socialismo em apenas um país. Ele diferia de Trotsky nesse quesito. Trotsky queria uma revolução do proletariado em nível global. Stalin era mais esperto. Ele queria o poder e, sendo assim, ele sabia que, antes de tudo, teria de consolidar o poder em um país.

Logo, Trotsky teve de fugir do país, e Stalin enviou o agente Ramón Mercader, do Comissariado do Povo para Assuntos Internos, para matá-lo na Cidade do México. O agente matou Trotsky com um golpe de picareta em seu crânio. Foi um ato cheio de simbolismo. A picareta havia sido um dos ícones da história da Rússia.

O socialismo é a propriedade estatal dos meios de produção. Mas Marx profetizou que o estado desapareceria sob o comunismo. Ele nunca explicou como ou por que isso iria acontecer. Sua teoria era bizarra. Ele dizia que, para abolir o estado, era necessário antes maximizá-lo. A ideia era que, quando tudo fosse do estado, não haveria mais um estado como entidade distinta da sociedade; se tudo se tornasse propriedade do estado, então não haveria mais um estado propriamente dito, pois sociedade e estado teriam virado a mesma coisa, uma só entidade — e, assim, todos estariam livres do estado.

O raciocínio é totalmente sem sentido. Por essa lógica, se o estado dominar completamente tudo o que pertence aos indivíduos, dominando inclusive seu corpo e seus pensamentos, então os indivíduos estarão completamente livres, pois não mais terão qualquer noção de liberdade — afinal, é exatamente a ausência de qualquer noção de liberdade que o fará se sentir livre.

Igualmente, Marx nunca mostrou como o sistema de produção poderia ser organizado nessa etapa suprema do comunismo, na qual não haveria nem um livre mercado e nem um planejamento centralizado pelo estado. Ele nunca forneceu qualquer detalhe sobre como seria uma sociedade comunista, exceto em uma breve passagem que foi publicada em um livro escrito conjuntamente com Engels e com o homem que os havia apresentado em 1843, Moses Hess. O livro foi intitulado A Ideologia Alemã (1845). Só foi publicado em 1932. Hess jamais ganhou créditos por sua co-autoria, mas parte do manuscrito aparece em sua coletânea de escritos.

Eis a descrição do comunismo:

“Assim que a distribuição do trabalho passa a existir, cada homem tem um círculo de atividade determinado e exclusivo que lhe é imposto e do qual não pode sair; será caçador, pescador, pastor ou um crítico, e terá de continuar a sê-lo se não quiser perder os meios de subsistência

Na sociedade comunista, porém, onde cada indivíduo pode aperfeiçoar-se no campo que lhe aprouver, não tendo por isso uma esfera de atividade exclusiva, é a sociedade que regula a produção geral e me possibilita fazer hoje uma coisa, amanhã outra, caçar da manhã, pescar à tarde, pastorear à noite, fazer crítica depois da refeição, e tudo isto a meu bel-prazer, sem por isso me tornar exclusivamente caçador, pescador ou crítico.

Esta fixação da atividade social, esta petrificação do nosso próprio trabalho num poder objetivo que nos domina e escapa ao nosso controlo contrariando a nossa expectativa e destruindo os nossos cálculos, é um dos fatores principais no desenvolvimento histórico até aos nossos dias.”

Não obstante o fato de que há aproximadamente 70 volumes das obras de Marx e Engels, essa é a passagem mais longa que descreve o funcionamento de uma sociedade comunista e de como seria a vida sob esse arranjo.

Conclusão

Socialismo foi o sistema que realmente foi colocado em prática. Comunismo pleno nunca existiu e não passa de uma utopia cujo funcionamento jamais foi explicitado em trechos maiores do que um parágrafo.

Sem uma economia monetária — ou seja, sem uma economia em que os cálculos de lucros e prejuízos são possibilitados pelo dinheiro — é impossível haver uma ampla divisão do trabalho.

E sem um livre mercado para todos os bens, mais especificamente para bens de capital, é impossível haver um planejamento econômico racional.

A propriedade comunal dos meios de produção (por exemplo, das fábricas) impede a existência de mercados para bens de capital (por exemplo, máquinas). Se não há propriedade privada sobre os meios de produção, não há um genuíno mercado entre eles. Se não há um mercado entre eles, é impossível haver a formação de preços legítimos. Se não há preços, é impossível fazer qualquer cálculo de preços. E sem esse cálculo de preços, é impossível haver qualquer racionalidade econômica — o que significa que uma economia planejada é, paradoxalmente, impossível de ser planejada.

Sem preços, não há cálculo de lucros e prejuízos, e consequentemente não há como direcionar o uso de bens da capital para atender às mais urgentes demandas dos consumidores da maneira menos dispendiosa possível.

Em contraste, a propriedade privada sobre o capital em conjunto com a liberdade de trocas resulta na formação de preços (bem como salários e juros), os quais permitem que o capital seja direcionado para as aplicações mais urgentes. Ao mesmo tempo, o julgamento empreendedorial tem de lidar constantemente com as contínuas mudanças nos desejos dos consumidores.

O arranjo socialista simplesmente impede que esse mecanismo ocorra. Foi por isso que Mises argumentou, ainda em 1920, que qualquer passo rumo ao socialismo é um passo rumo à irracionalidade econômica.

E foi a isso que Heilbroner se referiu quando ele disse que “Mises estava certo”.

Autores:

Hans F. Sennholz, 1922-2007, foi o primeiro aluno Ph.D de Mises nos Estados Unidos. Ele lecionou economia no Grove City College, de 1956 a 1992, tendo sido contratado assim que chegou. Após ter se aposentado, tornou-se presidente da Foundation for Economic Education, 1992-1997. Foi um scholar adjunto do Mises Institute e, em outubro de 2004, ganhou prêmio Gary G. Schlarbaum por sua defesa vitalícia da liberdade.

David Gordon, membro sênior do Mises Institute, analisa livros recém-lançados sobre economia, política, filosofia e direito. É também o autor de The Essential Rothbard.

Gary North, ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história.

Leandro Roque, editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

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