Sobre “-ismos”, instituições e radicais

21/03/2017 06:00 Atualizado: 21/03/2017 07:42

Durante muitos séculos, a arte ocidental clássica foi transmitida de geração em geração. Os mestres transmitiram suas habilidades aos discípulos, que eventualmente se tornaram mestres, e assim por diante. Ao longo de muitas gerações, suas técnicas foram refinadas a níveis cada vez mais elevados.

Essa tradição durou até o século XX, quando cessou de uma só vez e a herança artística foi substituída rapidamente por uma sucessão de “-ismo” – impressionismo, pós-impressionismo e cubismo, para citar apenas alguns. O que causou essa transformação radical, e por que a arte está mudando a um ritmo tão rápido hoje?

Enquanto as tendências na arte moderna mudavam como os ventos, distanciando-se progressivamente do que a maioria consideraria como arte “normal”, tornou-se cada vez mais difícil definir o que é arte.

A pintura nem sempre envolve pintura. A escultura nem sempre envolve escultura. Alguns artistas consideram o ligar e desligar da luz como “arte”, enquanto outros colocam animais mortos em exibição e chamam isso de “arte”. Alguns dizem que derrubar limites morais é “progressista”, enquanto alguns dizem que atos como a de uma pessoa vomitando expandem nossa ideia do que é “beleza”, etc. Embora esses artistas possam bolar explicações complexas e elaboradas para justificar o seu trabalho, acho que isto deixa muitas pessoas ainda mais perplexas.

Olhando para trás na história, para quando todos esses novos movimentos de arte ou “-ismos” começaram, descobrimos que eles foram concebidos em meio aos movimentos políticos radicais de meados do século XIX.

Em 1848, houve uma onda de mudança em toda a Europa e revoltas varreram o continente. As rebeliões foram lideradas por vários grupos, trabalhando em conjunto para se oporem à ordem conservadora, variando ideologicamente desde revolucionários moderados (liberais e nacionalistas) até radicais extremos (comunistas).

Por outro lado, os conservadores acreditavam que a monarquia, herdada dos tempos antigos, foi nomeada por Deus, e eles queriam preservar essa ordem hereditária. Os moderados queriam abolir a monarquia e estabelecer governos constitucionais, enquanto os radicais queriam eliminar todas as formas de governo, permitir que os trabalhadores controlassem a indústria e redistribuir a riqueza entre si.

Karl Marx e Friedrich Engels escreveram o “Manifesto Comunista” naquele mesmo ano. Neste livro, eles declararam que o objetivo do comunismo era “a derrubada forçada de todas as condições sociais existentes”, ou seja, uma revolução sangrenta e a destruição da cultura tradicional. Eles acreditavam que a classe trabalhadora, o proletariado, deveria então governar o mundo como uma ditadura igualitária. Todos os homens seriam “iguais” e livres da opressão do Estado, afirmaram eles. Foi uma ideia que aqueles com sede de mudança foram rápidos em adotar.

As revoltas de 1848 foram logo controladas por forças conservadoras, mas a revolução permaneceu na mente de grupos em todo o continente. Duas décadas depois, após os franceses serem derrotados na guerra franco-prussiana, grupos radicais aproveitaram o caos para sitiar Paris e recusaram-se a aceitar a autoridade do governo francês. Conhecida como a Comuna de Paris, esta ocupação radical foi declarada mais tarde por Marx como a primeira revolução comunista.

Movimentos

Um participante dessa revolução foi o pintor realista Gustave Courbet. Ele organizou um grupo de artistas radicais, a Federação de Artistas, que incluía um número de pintores famosos, como Manet, Daumier e Corot. Sob o mandato de Courbet, a Federação derrubou um monumento neoclássico chamado Coluna Vendôme (que mais tarde foi reconstruída) e também procurou abolir a principal academia de arte francesa, a École des Beaux-Arts – o centro mundial da arte na época.

Courbet foi um pintor realista que procurou por meio de seu trabalho debilitar os métodos clássicos de pintura. A pintura clássica visava expressar a beleza por meio da forma humana, idealizando-a. Proporções estabelecidas e convenções para representar o corpo humano foram empregadas para preencher a lacuna entre o mundo transcendental das ideias – a bondade, a beleza, etc. – e o mundo real.

Como muitos pintores realistas de seu dia, Courbet retratou o mundo como realmente era, às vezes feio ou mundano. “É a sociedade no seu melhor, no seu pior, na sua mediania”, escreveu ele sobre o seu realismo numa carta.

E fez isso com a revolução em mente, com o objetivo de minar a tradição clássica e liberar as artes. Ele escreveu em mais de uma ocasião que estudou arte sem considerar qualquer sistema, e que não queria copiar os antigos, mas descobrir sua própria individualidade, ser original e contemporâneo. Afinal, Courbet tinha uma propensão para o marketing e era bem conhecido por seu apetite pela fama. “Meu sucesso em Paris no momento é incrível. Logo serei o único artista restante”, escreveu ele numa carta.

Seu trabalho foi igualmente elogiado por radicais contemporâneos e posteriores, inclusive aqueles que passaram a emular seu trabalho. Sua ruptura com as academias e instituições e com a filosofia realista fez dele “uma figura pioneira na história do modernismo”, segundo um ensaio de Kathryn Calley Galitz, historiadora de arte do Met Museum em Nova York.

Depois que o governo francês recuperou o controle de Paris, a situação política eventualmente se estabilizou. Mas durante as últimas décadas do século XIX, grupos de artistas começaram a sentir a febre da revolução. Em pouco tempo, novos e desafiadores movimentos de arte surgiram um após o outro. Primeiro vieram os impressionistas, depois os pós-impressionistas, fauvistas, cubistas, etc.

O primeiro destes começou quando alunos da École des Beaux-Arts decidiram um dia romper com a tradição e pintar ao ar livre (a pintura era tradicionalmente feita em ambientes fechados). Eles também tiveram novas ideias sobre pitar objetos de forma subjetiva, conforme o olho vê – baseado numa impressão – em oposição à maneira tradicional de pintar objetos objetivamente, baseado em convenções e ideias estabelecidas; daí eles serem chamados de impressionistas. Mas suas técnicas também diferiam. Enquanto o método clássico exigia contornos lineares limpos e a mistura suave de tons, os impressionistas pintavam objetos sem contornos e com pinceladas picadas e não misturadas.

Inicialmente, os impressionistas foram recebidos com grande hostilidade do estabelecimento artístico, e suas obras foram banidas das exposições oficiais chamadas “salões”. Eles foram, no entanto, concedidos o direito de mostrar o seu trabalho num local alternativo nomeado “Salon des Refusés” ou “exibição dos rejeitados” – um título nada favorável. No entanto, é afirmado que sua exposição atraiu mais visitantes do que a exibição oficial por causa da novidade de sua pintura. Na verdade, com o passar dos anos, as pessoas se tornaram mais fascinadas pelas obras dos impressionistas, e à medida que suas pinturas se tornaram cada vez mais aceitadas, tornou-se comum encontrá-las em salões oficiais ao lado de obras tradicionais.

Embora esta ruptura com a tradição possa parecer como uma rebelião menor pelos padrões de hoje, foi a partir daí que um abismo começou a se abrir. O impressionismo foi apenas o primeiro de uma infinidade de “-ismos” que se seguiriam ao longo do próximo século. E assim como as obras dos impressionistas se tornaram aceitas, assim também as de outros movimentos. Os pós-impressionistas apareceram, e criticaram as pinturas impressionistas como sendo meramente “pinturas bonitas”. Eles pretendiam romper mais fronteiras. Os fauvistas, ou “as feras”, vieram em seguida, espalhando cores ferozes sobre a tela.

Então vieram os cubistas, liderados por Picasso. Um cubista chamado Marcel Duchamp virou o mundo da arte de ponta-cabeça ao apresentar um objeto pronto – neste caso, um mictório real – como seu trabalho para uma exposição em Nova York. Embora este trabalho tenha sido rejeitado na época, os artistas e escolas de arte que vieram mais tarde consideraram isso como inovador, assim prenunciando a ideia de que qualquer coisa pode ser chamada de “arte”.

E as coisas continuaram nessa direção desde então, levando ao abstracionismo, minimalismo, arte pop, pós-modernismo e assim por diante. Esses “-ismos” acabaram ganhando tanta tração que foram capazes de essencialmente expulsar as artes clássicas das academias onde elas outrora viviam. As artes tradicionais foram então denunciadas e rejeitadas como irrelevantes para o mundo moderno.

Questionamentos

Agora, para extrair algo disto, precisamos começar a questionar. Cada um desses movimentos mais ou menos viu o precedente como de alguma forma inadequado e visava superá-lo, ou romper mais fronteiras. À medida que esse processo continuava, os novos movimentos de arte se afastavam dos antigos.

Consideremos: Que valor teve essa nova arte radical? Eles estavam certos em derrubar o estabelecimento? E as obras de arte tradicionais, há algum mérito nelas? Eu tenho alguns pensamentos sobre o assunto e também extrai algumas ideias de pensadores do passado e do presente.

Eu sempre senti que a boa arte deve ser capaz de vencer o teste do tempo. As artes clássicas têm durado mais de um milênio, enquanto as obras modernas, mesmo aquelas dos anos 80, já são consideradas ultrapassadas. As artes clássicas visavam retratar o que é atemporal e ainda são admiradas hoje. Existe talvez algo mais nelas do que percebemos superficialmente?

Um escritor do século XVIII, Edmund Burke, conhecido como o antepassado do conservadorismo moderno, discutiu essas questões em detalhes. Em relação ao teste do tempo, ele disse: “Nós [os britânicos] apreciamos [tradições, costumes e convenções] em um grau muito considerável … e quanto mais duraram e quanto mais prevaleceram em geral, mais os valorizamos.” Isso parece sugerir que as tradições têm valor em virtude do fato de que elas têm prevalecido mais amplamente entre as pessoas por mais tempo; isto é, as pessoas em geral evidenciam que essas tradições são boas.

Em relação aos ataques contra as artes estabelecidas, Burke também argumentou que as coisas podem não ser como aparecem primeiramente, quando vistas num contexto mais amplo. As falhas percebidas nas tradições podem, de fato, ter razões válidas que são visíveis num contexto social mais amplo – abrangendo, por exemplo, gerações e uma diversidade de disposições sociais, hierarquias, profissões e idades – ao invés de serem visões confinadas ao indivíduo.

O fórum romano em Roma, durante o nascer do sol. (Rudy Balasko/Shutterstock)

Como diz Burke: “Os efeitos reais das causas morais nem sempre são imediatos; mas o que em primeira instância é prejudicial pode ser excelente em sua operação mais remota, e sua excelência pode surgir mesmo dos maus efeitos que produzam inicialmente.”

“O inverso também acontece”, acrescentou ele, “e planos muito plausíveis, com começos muito agradáveis, têm muitas vezes conclusões vergonhosas e lamentáveis.”

Com base nessa declaração, eu diria que os assassinatos em nome da revolução política, bem como a destruição dos valores morais nas artes, qualificam-se como “conclusões vergonhosas e lamentáveis”.

Enquanto isso, as “falhas” percebidas nas artes tradicionais podem não ser o que foi primeiramente percebido: As tradições clássicas nem sempre foram a última moda das artes e podem até ter parecido rígidas, sem importância e voltadas para as pessoas de mentalidade liberal do dia. No entanto, elas ainda perseveram e conseguem cativar as pessoas em nossa sociedade atual. De fato, sua aparente inadequação foi “excelente em sua operação mais remota”.

Uma visão geral de Roma. (Vit Kovalcik/Shutterstock)

Para desenvolver ainda mais essa ideia, eu diria que nenhum indivíduo ou grupo pode produzir o tipo de conhecimento socialmente engendrado que empresta à tradição sua longevidade. Tentar criar algo totalmente novo é profundamente arriscado (isto é, impossível), e isso já foi corroborado pelo fato de que todos esses “-ismos” estão cheios de inadequações. Eles acabaram por ser simples fumaça ao vento; ou, no caso do comunismo, algo muito pior: uma máquina de matar como nada visto no mundo antes, uma falsa utopia e uma profunda lição para a humanidade.

O filósofo Roger Scruton, cujas opiniões são bastante semelhantes às de Burke, resume isso muito bem:

“Essas coisas são importantes, essas tradições e instituições, porque elas contêm em si o conhecimento que as pessoas precisam para viverem com êxito e pacificamente juntas. Mas não é um conhecimento que pode ser traduzido em princípios abstratos. Ele vive nas instituições.”

Parece-me que a arte moderna foi radical em seu início, e ainda hoje é radical. Pelo que descobrimos, as artes modernas têm suas raízes no comunismo, uma ideologia que visa erradicar todas as formas de cultura. Todos os “-ismos” subsequentes aderiram a esse mandato até hoje, e seus proponentes teriam que aceitar seu testemunho sem mais questionamentos.

A Rua Lungarno degli Acciaiuoli em Florença, Roma. (Roxana Bashyrova/Shutterstock)

Eu gostaria de saber como a nossa sociedade teria sido se esse radicalismo tão tivesse se manifestado. Basta dar uma olhada em todas as coisas magníficas que vieram do mundo antigo. Por que gostamos de visitar lugares como Paris, Roma e Florença, lugares cheios de arte clássica e arquitetura? Imagine nosso mundo de hoje se tivéssemos estabelecido mais dessas coisas maravilhosas em nossas vidas.

Desde o tempo dos gregos antigos e anteriores, os artistas têm procurado elevar a humanidade por meio de seu trabalho. Embora o mundo em que vivemos hoje possa parecer horrível e desagradável às vezes, basta observar as notícias globais para ver quantos horrores ocorrem no mundo, isso apenas torna as coisas decentes na vida ainda mais preciosas. As artes tradicionais pretendem nos livrar desta feiura, expressando valores como a bondade e a beleza. Nossos ancestrais antigos nos deram um veículo bastante sofisticado para realizar essas ideias: as artes tradicionais.