Grande mídia: a mentira como norma

18/03/2014 07:00 Atualizado: 27/02/2018 15:42

A mentira confunde as pessoas, desorganiza a sociedade e corrói até mesmo a estrutura material produzida pelo ser humano. O mundo atual é permeado pela mentira de tal modo que muitas vezes observamos os conflitos sociais, os desequilíbrios ambientais e os demais problemas humanos sem compreendermos realmente as causas. Nós os interpretamos como “fenômenos naturais” ou inevitáveis.

Mentir tornou-se hábito amplamente difundido no mundo contemporâneo. Os meios de comunicação de massa, principalmente o jornalismo, deveriam ser fontes isentas com informações verídicas, porém estão comprometidos com ideologias políticas e interesses econômicos, e isso já é bem conhecido. A “grande mídia” corrompeu-se de tal forma que mentir se tornou a norma.

Para manter favorecimentos, interesses e poder, a mídia dominante distorce a realidade, manipula informações e induz as pessoas a formarem consensos de acordo com os interesses de grandes corporações, partidos políticos e governantes. Na verdade, com raras exceções, os veículos de comunicação de massa foram e ainda são basicamente propaganda ideológica de governos, corporações e sistemas políticos.

A linha editorial de jornais, emissoras de rádio e de televisão, além de ser uma forma inteligente, funcional e organizada de retransmissão da notícia, também representa os anseios, pontos de vista e preferências dos donos, diretores e/ou financiadores. A linha editorial é “a lógica pela qual a empresa jornalística enxerga o mundo; ela indica seus valores, aponta seus paradigmas e influencia decisivamente na construção de sua mensagem” (PENA, Felipe. 1000 Perguntas sobre Jornalismo. Rio de Janeiro: Editora Rio, 2005). Ou seja, a mídia na verdade é tendenciosa, ela dirige e transforma as informações sobre a realidade com base em suas preferências e objetivos particulares.

Ainda assim existem alguns jornalistas, editores e até mesmo diretores que são idealistas em relação aos objetivos da informação e das notícias. Eles esperam que fatos e denúncias sejam meios de beneficiar a sociedade e de instrumentalizar as pessoas a partir de fontes de informação fidedignas. Eles acreditam na pureza da mensagem e na integridade da notícia como forma de construção social e humana.

O perigo da notícia ideológica

Existe diferença entre a notícia real e a notícia dada a partir de um viés ideológico ou propagandístico. Por exemplo, podemos informar o público sobre a descoberta de uma substância capaz de destruir células tumorais de duas formas: “Descoberta substância capaz de destruir células tumorais que afetam as mamas”, ou “Multinacional farmacêutica apoiou equipe científica que descobriu substância capaz de evitar o câncer de mama”.

Na primeira notícia se dá atenção à descoberta e se instiga o interesse pela substância útil para o tratamento de tumores mamários. Na segunda, se dá atenção e se evidencia o papel importante de tal multinacional farmacêutica no combate ao câncer de mama. Ela induz a leitora afetada pela doença a buscar amparo medicamentoso na mesma.

A primeira forma de notícia é de utilidade pública, um serviço de informação à sociedade e a possibilidade de instrumentalização dos indivíduos interessados. A segunda é uma indução sutil à apreciação da imagem de uma empresa e, consequentemente, ao consumo dos produtos por ela fabricados, feita através da propaganda dissimulada, veiculada como se fosse uma notícia de utilidade pública.

Da mesma forma que uma propaganda se esconde numa notícia, uma ideologia ou uma intenção política também o faz. Vejamos: “Prefeitura conclui obras para auxílio às famílias desabrigadas na zona norte”, ou “Famílias desabrigadas pelo temporal voltam para casa após a conclusão das obras”. Levemente implícita está a figura da prefeitura como benfeitora das famílias afetadas, na primeira notícia. Na segunda notícia o foco está totalmente sobre a situação das famílias afetadas.

As manipulações nas manchetes e na forma como são escritas as notícias induzem frequentemente o leitor a construir conceitos e imagens de pessoas, empresas e instituições públicas. Embora sutil, essas manipulações condicionam o pensamento e procuram formar consensos e direcionar opiniões e escolhas futuras.

Hoje a mídia mundial – e especialmente a mídia brasileira – está saturada de informações fabricadas, meias-verdades, omissões de eventos, de induções através de propagandas corporativas e ideologias políticas sutis e outros estratagemas. A realidade comum é a mentira, branda ou não, que procura alienar as pessoas das informações verdadeiras e dos conteúdos essenciais do que acontece à sua volta. A notícia é utilizada como meio de confundir e induzir. A opinião pública se torna caótica e dirigida, sem bases informativas reais e confiáveis.

A mídia cria propositalmente consensos fabricados sobre bases ideológicas políticas e econômicas. Ela faz parecer que os mesmos são resultado de reflexões individuais ou coletivas sobre a realidade. A verdade concreta atual é a fabricação constante de “verdades” que servem aos sistemas políticos, às instituições econômicas, aos interesses poderosos e às ideologias de massa.

Ser bom jornalista, analista ou crítico requer o compromisso com a verdade. Também é preciso aprender a “ler” as informações recebidas, entender a tendência, o peso e as intenções que as podem estar dirigindo.

Da mesma forma é preciso ser uma pessoa calma, lúcida, com compreensão real da história e, sobretudo, apartidária (no sentido de não ter preferências que já foram construídas sobre você por outros, durante anos), para filtrar as informações e notícias e ficar somente com os fatos, sem sucumbir às propagandas ideológicas ou corporativas ou ser oprimido pelo peso do consenso social.

Existem jornalistas, editores, analistas e críticos imparciais, mas é algo raro. Os que têm este perfil se mostram imparciais quanto ao tipo de notícia veiculada. Os jornalistas imparciais transmitem informações de utilidade pública real, mesmo de pessoas e instituições com um viés ideológico diferente. Estes verdadeiros profissionais de mídia estão comprometidos com a verdade e com o bem social, acima dos pontos de vista pessoais. Embora critiquem aberta e francamente algumas iniciativas ou projetos com os quais discordam, eles deixam claras suas opiniões sem omitirem dados ou manipularem a informação.

Hoje, ao recebermos informações e notícias das mídias, precisamos estar atentos ao núcleo da informação, à sua essência e valorização dos princípios morais humanos, do interesse social e do bem geral. É preciso nos mantermos estabilizados e livres de influências de “consensos” fabricados ou distorcidos e admitidos como verdades inquestionáveis e absolutas, tanto pela força da propaganda política quanto da corporativa. Devemos lembrar que uma notícia nem sempre é a informação pura sobre um fato, mas muitas vezes é a interpretação dele de acordo com a ideologia, as tendências e os interesses de quem a difunde.

Da mesma forma, o receptor da informação a passa adiante, criando novas perspectivas sobre informações ou ideias diariamente. A verdade sempre promove o bem para as pessoas e para a coletividade, especialmente quando é transmitida com consideração pelo outro, com o intento de auxiliá-lo e beneficiá-lo. Ao contrário, a mentira sempre cria divisões entre, provoca confusões e enevoa as mentes das pessoas. A mentira serve para manipular, induzir e dirigir indivíduos de acordo com objetivos particulares.

O bom jornalista é um ser humano íntegro, de coração amoroso e comprometido com a verdade. A boa mídia está sempre a serviço da comunidade e da moral humana, responsável pela estabilidade de uma nação. É disso que o Brasil ardentemente precisa… precisamos da verdade!

Alberto Fiaschitello é cientista social, formado pela USP, e terapeuta naturalista