Cancelar todas as coisas russas é ‘um sinal de alerta’, segundo professor

“Deve ser um sinal de alerta quando você começa a pensar que, porque o presidente Putin faz coisas horríveis na Ucrânia, temos que parar de ouvir Tchaikovsky”

04/04/2022 15:46 Atualizado: 04/04/2022 15:46

Por Harry Lee & Cindy Drukier 

Uma tendência atual de cancelar todas as coisas russas, até mesmo shows de Tchaikovsky, é um sinal de alerta porque é o mesmo tipo de pensamento usado durante a União Soviética totalitária e pode levar a ainda mais danos, segundo Gary Saul Morson, professor da Northwestern University que estudou literatura e pensamento russo por décadas.

“Isso deve ser um sinal de alerta quando você começa a pensar que, porque o presidente Putin faz coisas horríveis na Ucrânia, temos que parar de ouvir Tchaikovsky”, disse Morson ao programa “The Nation Speaks” da NTD no dia 26 de março. “O que está acontecendo aqui? Até onde esse pensamento pode ir?”

“Para mim, lembra exatamente como os soviéticos pensavam. Eles certamente dividiram o mundo em totalmente bom e totalmente mal. E então, literalmente, qualquer coisa que você fez que machucou seu inimigo foi bom. E essa foi a base de sua moralidade”, disse Morson. “É o que levou aos horrores do comportamento soviético para matar milhões de pessoas”.

Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia em 24 de fevereiro, os Estados Unidos e muitos outros países ocidentais declararam sanções econômicas ou diplomáticas abrangentes e severas contra a Rússia e alguns de seus oligarcas. Muitas empresas multinacionais também anunciaram a suspensão dos serviços na Rússia.

Mas algumas medidas contra a Rússia parecem ter ido a extremos. No início deste mês, o Canadá cancelou shows do pianista russo Alexander Malofeev, de 20 anos. Na Holanda, Bélgica, Itália e País de Gales, as apresentações de Tchaikovsky e Stravinsky teriam sido canceladas. A Metropolitan Opera de Nova Iorque anunciou que não trabalharia com artistas ou organizações russas que apoiam Putin ou são apoiadas por Putin até que a invasão da Ucrânia pelo país termine. As apresentações de algumas companhias russas de balé também foram afetadas, por exemplo, uma apresentação de “O Lago dos Cisnes” pelo Royal Moscow Ballet foi cancelada em Dublin, na Irlanda. A lista pode continuar.

A dançarina Wendy Whelan se apresentando em “Russian Seasons” no New York State Theatre, nesta foto de arquivo de 2006 (New York City Ballet, Paul Kolnik/AP Photo)
A dançarina Wendy Whelan se apresentando em “Russian Seasons” no New York State Theatre, nesta foto de arquivo de 2006 (New York City Ballet, Paul Kolnik/AP Photo)

Morson disse que cancelar todas as coisas russas é outra forma de cultura do cancelamento.

“A maneira como a cultura do cancelamento funciona é que existem mocinhos e bandidos, e não há área cinzenta. Tudo, mesmo remotamente associado aos bandidos, torna-se ruim. E então você aplica isso a um novo tópico, os russos”, disse Morson.

“O sentimento de clareza moral licencia as pessoas a pensar que não há limites e que quanto mais extravagantes elas são, mais morais elas são. Esse é o problema com esse tipo de pensamento.”

Em 25 de março, quando a invasão na Ucrânia entrou no segundo mês, Putin disse que o Ocidente estava tentando cancelar “um país de mil anos”.

“A proverbial ‘cultura do cancelamento’ tornou-se um cancelamento da cultura”, disse Putin em uma reunião televisionada.

Morson disse que essa maneira de pensar não permite mais discussões e coisas ruins podem ser feitas sob o disfarce de “clareza moral”.

“O escritor Solzhenitsyn tem uma frase famosa onde diz, ‘a linha entre o bem e o mal atravessa cada coração humano’. Temos que reconhecer a capacidade de cada pessoa para isso e que nunca estamos tão propensos a fazer o mal como quando estamos convencidos de que somos completamente puros moralmente.’”

Em um artigo recente, Morson escreveu sobre uma tendência semelhante de tentar erradicar todos dissidentes sob o disfarce de “ciência”.

“Os políticos afirmam que ‘simplesmente seguem a ciência’, enquanto as plataformas de mídia de massa de apoio banem os questionadores como inimigos da ciência. A pseudociência nunca foi tão boa”, escreveu Morson.

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