Por Daniel Lacalle, economista-chefe da Tressis Gestión
Em números aproximados e do final de 2017, os principais bancos centrais detém agora um quinto da dívida total de seus governos.
Os números são surpreendentes. Sem recessão ou crise, os principais bancos centrais estão comprando mais de US$ 200 bilhões por mês em dívida pública e privada, liderados pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelo Banco do Japão (BoJ), já que o Federal Reserve (Fed) nos Estados Unidos começou a pegar mais leve. Mesmo assim:
• O Fed detém 12,4% da dívida pública total dos EUA.
• Os balanços do BCE e do BoJ excedem 35% e 70% do PIB, respectivamente.
• O BoJ é agora um dos dez maiores acionistas em 90% do Nikkei 225, o índice econômico da Bolsa de Valores de Tóquio.
• O BCE detém 9,2% do mercado europeu de títulos corporativos e mais de 10% da dívida soberana total dos países europeus.
• O Banco da Inglaterra detém entre 25-30% da dívida soberana do Reino Unido.
• O Banco Nacional Suíço detém US$ 3 bilhões em ações da Apple.
O BoJ, com sua política ultraexpansionista, está em vias de se tornar o maior acionista de todas e cada uma das empresas do Nikkei 225. De fato, o banco central japonês já controla 60% do mercado de ETF (fundos de capital negociados em bolsa) no Japão.
Desta forma, o BoJ apenas cria piores desequilíbrios numa economia “zumbificada”, pois a política monetária extrema perpetua desequilíbrios, enfraquece a velocidade do dinheiro e incentiva a dívida e o mal investimento.
Acreditar que esta política é inofensiva porque “não há inflação” e o desemprego é baixo é perigoso. A emissão por parte do governo de uma enorme quantidade de dívida e dinheiro barato promove excesso de capacidade e pobre alocação de capital.
Desta forma, o crescimento da produtividade colapsa, os salários reais e o poder de compra da moeda caem, elevando o custo de vida enquanto a dívida cresce mais do que o PIB real.
É por isso que a dívida total no Japão aumentou 325% em relação ao PIB, de acordo com o Banco de Pagamentos Internacionais.
Promessas a pagar
Os efeitos são semelhantes em outros lugares. Os passivos emitidos pelo governo, monetizados pelo banco central, não são ativos de alta qualidade, eles são uma nota promissória transferida para as próximas gerações, e será reembolsado de três maneiras: com inflação maciça, uma série de crises financeiras ou grande desemprego.
Destruir sua moeda não é uma política de crescimento, isso é roubar as gerações futuras. O efeito “placebo” de gastar hoje o valor líquido presente dessas promissórias significa que, como o PIB, a produtividade e o rendimento disponível real não melhoram, pelo menos não tanto quanto a dívida emitida, estamos criando uma bomba-relógio de desequilíbrios econômicos que só cresce e explodirá em algum momento no futuro. O fato de que a bolha de risco evidente é prorrogada por mais um ano não significa que ela não existe.
O governo não está emitindo “dinheiro produtivo”, mas apenas uma promessa de maiores receitas de impostos mais altos, preços mais altos ou confisco de riquezas no futuro. O crescimento do suprimento de dinheiro é um empréstimo que o governo toma emprestado, mas nós, os cidadãos, pagamos. O pagamento ocorre com a destruição do poder de compra e o confisco de riqueza por meio da desvalorização e da inflação. O “efeito riqueza” do aumento de ações e títulos não existe para a grande maioria das pessoas, já que mais de 90% da riqueza média das famílias está em depósitos bancários.
Nacionalização furtiva
Na verdade, a monetização maciça da dívida é apenas uma forma de perpetuar e fortalecer o setor público enquanto exclui o setor privado. É uma nacionalização. Porque o banco central não entra em “falência”, ele apenas transfere seus desequilíbrios financeiros para bancos privados, empresas e famílias.
O banco central pode “imprimir” todo o dinheiro que quiser e o governo se beneficia disso, mas todo mundo sofre com a repressão financeira. Ao gerar crises financeiras por meio de políticas monetárias frouxas e sendo o principal beneficiário do ciclo econômico (de recuperação, prosperidade, contração e recessão), o setor público emerge dessas crises mais poderoso e mais endivido. O setor privado sofre o efeito da exclusão em tempos de crise e o efeito do confisco de riqueza e tributação nos tempos de expansão.
Não é de admirar que as despesas do governo em proporção ao PIB sejam agora quase 40% nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e aumentando, já que a carga tributária está numa grande alta histórica e a dívida pública dispara.
A monetização da dívida pública é um sistema perfeito para nacionalizar a economia, transferindo todos os riscos de excesso de gastos e desequilíbrios para os contribuintes. E isso sempre acaba mal. Porque dois mais dois não são iguais a vinte e dois. À medida que taxamos o produtivo para subsidiar o improdutivo, o impacto sobre o poder de compra e a destruição da riqueza é exponencial.
Agora não é diferente
Acreditar que desta vez será diferente e que os governos gastarão todo esse enorme “dinheiro livre e muito caro” com sabedoria, não tem precedentes na história. O governo tem o incentivo para gastar excessivamente, pois seu objetivo é maximizar os orçamentos e aumentar a burocracia como meio de poder.
Ele também tem o incentivo para culpar um alvo externo por seus erros. Os governos sempre culpam alguém por seus erros. Quem reduz as taxas de juros de 10% para 1% ou mesmo zero? Governos e bancos centrais.
Quem é culpado por assumir “risco excessivo” quando há uma crise? Você e eu. Quem aumenta a oferta de dinheiro, demanda “fluxo de crédito” e impõe uma repressão financeira porque “as poupanças estão muito altas”? Governos e bancos centrais.
Quem é culpado quando isso explode? Bancos, devido a “empréstimos imprudentes” e “desregulamentação”.
Claro, os governos podem imprimir todo o dinheiro que eles querem, o que eles não podem fazer é convencer você e a mim de que esse dinheiro tem valor, que o preço e a quantidade de dinheiro que eles impõem são reais apenas porque o governo diz isso. Portanto, vemos menores investimentos reais e menor produtividade. É chamado de repressão financeira por uma razão, e os cidadãos sempre tentarão escapar do roubo.
Qual é a “isca” para nos convencer? Os mercados de ações aumentam e devemos acreditar que a inflação dos ativos é um reflexo da força econômica.
Então, quando a política do banco central deixa de funcionar e os mercados caem para refletir suas merecidas avaliações, muitos dirão que é culpa dos especuladores do mercado privado, mas não do banco central, que é o maior especulador.
Quando uma crise entra em erupção, você pode apostar seu último tostão que o consenso culpará os mercados, fundos de investimento, falta de regulamentação e pouca intervenção. Erros perenes de intervenção são “resolvidos” com mais intervenção. Os governos ganham na via ascendente e ganham na via descendente. Como um casino, a casa sempre ganha.
Enquanto isso, as reformas estruturais prometidas desaparecem como memórias ruins.
Este é um sistema maquiavélico inteligente para acabar com os mercados livres e beneficiar desproporcionalmente os governos por meio da vantagem competitiva mais injusta: ter acesso ilimitado ao dinheiro e ao crédito, e nenhum dos riscos, e o poder de passar a conta final para os outros.
Daniel Lacalle é economista-chefe do fundo de investimentos Tressis e autor de “Escape From the Central Bank Trap“, publicado pela BEP.
As opiniões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times.