Brandindo bombas nucleares e mísseis balísticos, a Coreia do Norte tem aparecido nas manchetes da última década ameaçando seus vizinhos mais prósperos. Até mesmo seu aliado e benfeitor mais íntimo, a China, tem começado a considerar opções militares como um meio de resolver a crise.
Diferentemente dos Estados socialistas que entraram em colapso ou realizaram reformas limitadas, a Coreia do Norte, sob o regime quase dinástico dos Kim, mudou notavelmente pouco em seus quase 70 anos no poder.
Apesar de não seguir oficialmente a ideologia marxista, Pyongyang manteve um estilo de liderança totalitária que se assemelha a regimes comunistas passados em seu aspecto mais desumano.
Comunismo com outro nome
Na década de 1940, a União Soviética enviou especialistas para ajudar Kim Il-sung a consolidar-se no poder e estabelecer um regime comunista. Eles também treinaram e enviaram milhares de agentes para desestabilizar o governo sul-coreano aliado dos Estados Unidos.
Como outros ditadores comunistas, Kim usou a fórmula de perseguir intelectuais, proprietários de terras e qualquer suspeito de se opor ao regime. Na Coreia do Norte, isso foi chamado de Campanha de Orientação Concentrada. Milhões de norte-coreanos fugiram para a Coreia do Sul e o regime rotulou os familiares dos fugitivos como “contrarrevolucionários”.
Na década de 1980, uma ideologia chamada “juche” foi desenvolvida como uma “aplicação criativa do marxismo-leninismo”, sob o então ditador Kim Il-sung. Quando a União Soviética entrou em colapso, a juche tornou-se a principal ideologia do regime.
Na década de 2000, a Coreia do Norte retirou de sua Constituição todas as referências ao comunismo e a Karl Marx. Em lugar do marxismo, a juche prescreve um programa de nacionalismo extremo, autossuficiência em defesa, uma economia planificada e controlada pelo Estado com pretensões de ser autônoma e um culto à personalidade para justificar a ditadura dos Kim.
“Juche” é um termo derivado do chinês, normalmente traduzido como “autossuficiência”. Na prática, a autossuficiência traduz-se em atraso econômico e isolamento, a Coreia do Norte é muitas vezes referida como o “reino ermitão”.
Na realidade, há pouco sobre a juche que a diferencia de praticamente qualquer outra variante do comunismo, exceto seu uso como uma ferramenta para fortalecer ainda mais a regime dos Kim e aprofundar seu culto político. Em 1994, quando Kim Il-sung morreu, ele instalou seu filho Kim Jong-il como “caro líder”. Com a morte deste último em 2011, a dinastia Kim entrou em sua terceira geração. A Coreia do Norte é agora administrada por Kim Jong-un, o neto de 33 anos de Kim Il-sung.
Poucos estudos podem ser realizados na Coreia do Norte, mas o regime dos Kim teria assassinado entre 710 mil e 3,5 milhões de pessoas, segundo pesquisadores, enquanto especialistas estimam que cerca de 150 a 200 mil norte-coreanos estão atualmente presos num sistema de campos de trabalho correcional similar aos gulags soviéticos.
Os prisioneiros nos campos são submetidos a trabalhos forçados, fome, abortos forçados, execuções em massa, tortura, espancamentos e muito mais. Crianças nascidas de pais nos campos permanecem lá pelo resto de suas vidas, como parte da casta mais baixa num sistema que classifica cada cidadão norte-coreano como um apoiador ou oponente do regime.
Acredita-se que cerca de 50 a 70 mil cristãos estejam nesses campos. Suas crenças são um obstáculo no caminho da campanha de propaganda do regime, que efetivamente proclama cada um dos Kim como um deus vivo. A juche promove formas bizarras de nacionalismo étnico, descrevendo a família Kim como os salvadores da “raça coreana”.
Hwang Jang-yeop, o erudito que concebeu a ideologia juche, ficou tão desiludido com os efeitos desastrosos de seu trabalho que desertou para a Coreia do Sul em 1997. Sua família sofreu imensamente com isso e sua esposa foi levada ao suicídio após sua fuga.
Marxismo-leninismo até o fim
Andrei Lankov, um erudito russo que escreveu vários livros sobre a Coreia do Norte e escreve para a NK News, um sítio de notícias da rede baseado em Washington DC, descreveu o governo dos Kim como o último regime puramente comunista existente.
“A Coreia do Norte pode ser o único lugar na face da Terra onde esses princípios básicos, desenvolvidos por Joseph Stalin por volta de 1930, ainda são implementados consistentemente. É certo que a ‘verdade universal do marxismo-leninismo’ foi substituída pela mesma verdade da Juche, e muitos elementos do sistema foram reconfigurados. No entanto, esta é ainda a melhor aproximação de um modelo outrora comum, um fóssil vivo do tipo.”
O jornal sul-coreano DialyNK acrescentou: “A dinastia Kim é muito mais do que apenas um regime político autoritário. Ela se mantém como a fonte suprema de poder, virtude, sabedoria espiritual e verdade para seus cidadãos.”
Em “A verdadeira Coreia do Norte: vida e política na fracassada utopia estalinista” (tradução livre), Lankov argumenta que a elite norte-coreana não tem outra escolha a não ser continuar suas políticas repressivas para garantir a sobrevivência do regime.
O enfraquecimento do comunismo na Coreia do Norte, escreve Lankov, poderia resultar na reunificação com o Sul, no que ele chama de “suicídio político coletivo” para as cerca de 10 mil pessoas que compõem a liderança de Pyongyang.
“Eles não têm apenas medo de perder o poder e o acesso aos privilégios materiais”, escreveu Lankov. “Eles têm medo de serem mortos ou enviados para prisões, de sofrer o mesmo destino que deram a seus inimigos por décadas.”