Cientistas do Hospital Israelita Albert Einstein, em parceria com o Instituto Butantan, em São Paulo, descobriram que o veneno de uma aranha-caranguejeira encontrada no litoral paulista pode combater o câncer. O estudo, iniciado há 20 anos, representa uma nova esperança na luta contra a doença.
A aranha Vitalius wacketi foi analisada com o objetivo de encontrar e refinar moléculas que pudessem atacar os tumores. Os resultados em laboratório mostraram-se promissores, especialmente contra a leucemia em seu estágio inicial. Mas os cientistas têm expectativa de analisar sua atividade também contra outros tipos de tumores.
O caminho percorrido por eles foi longo e exigiu perseverança. Durante três décadas, os pesquisadores do Butantan realizaram expedições à costa do estado em busca de aranhas para suas pesquisas.
“Nós geralmente éramos chamados para regiões em que aconteciam movimentações, como o corte de árvores e desmatamento”, contou o biólogo do Laboratório de Toxinologia Aplicada do Butantan, Pedro Ismael da Silva Junior. “Nessas visitas, fazíamos a coleta de aranhas.”
Em 2020, o bioquímico e líder da pesquisa pelo Einstein, Thomas Rocha e Silva, à época terminando sua formação acadêmica, pediu aos biólogos para analisar o poder farmacológico do veneno das aranhas.
Mais tarde, já lecionando em uma universidade, um de seus alunos manifestou interesse em pesquisar o potencial citotóxico desses mesmos venenos, ou seja, a capacidade de causar danos ou morte às células cancerígenas.
“Vimos que uma toxina encontrada na Vitalius wacketi possuía uma poliamina pequena e com uma atividade bastante interessante”, relembrou Rocha e Silva.
As poliaminas são moléculas presentes no organismo de plantas, animais e micro-organismos.
A equipe de Rocha e Silva colocou a substância em testes in vitro com células cancerosas e, para surpresa deles, o veneno induziu um processo chamado apoptose, em vez de necrose, como acontece com a maioria dos medicamentos quimioterápicos disponíveis, que levam a reações que desgastam os pacientes.
“Quando ocorre a necrose, a célula sofre um colapso, o que gera uma reação inflamatória com efeitos no organismo”, explicou o bioquímico. “Já a apoptose, ou morte programada das células, é um processo muito mais limpo. É como se as células implodissem de forma controlada.”
O cientista também destacou que o novo candidato a fármaco permanece estável no corpo e é de fácil remoção pelos rins.
Rocha e Silva conseguiu criar uma versão sintética dessa toxina para evitar a necessidade de obtê-la diretamente das aranhas. A produção dessa nova pequena molécula em laboratório é mais barata e simples, garantiu o bioquímico.
Entretanto, ainda em estágio preliminar de estudos, os pesquisadores afirmam que será necessário realizar mais testes em células e animais antes de testá-lo em humanos.
Para garantir a propriedade intelectual da descoberta, os métodos já foram patenteados. O projeto chegou a ser engavetado após as investigações serem publicadas em periódicos acadêmicos, sem que houvesse interesse comercial imediato na molécula mencionada.
A aranha Vitalius wacketi pertence à família Theraphosidae, a das tarântulas, cuja envergadura pode chegar a 30 cm.