Sobrecarga de publicidade: se protegendo do consumo excessivo

05/04/2017 07:00 Atualizado: 12/03/2018 13:49

Buscamos a mídia para informação e entretenimento, mas a mídia também quer algo de nós. Para assistir a um vídeo ou ler um artigo online, você provavelmente será forçado a ver um anúncio.

E as empresas pagam muito para ter certeza de que os vemos. Estima-se que 579 bilhões de dólares foram gastos em publicidade em todo o mundo em 2016, um aumento de quase 5% em relação ao ano anterior.

De acordo com Isha Edwards, uma consultora de marketing de marca em Atlanta, Geórgia, os anúncios são projetados para fazer as pessoas reagirem de uma maneira particular, o que torna ainda mais importante estar atento às mídias que consumimos.

“Nós brincamos com sua mente subconsciente”, disse Edwards. “Artistas de gravação, filmes, televisão; qualquer tipo de contador de histórias faz a mesma coisa. Nem todos têm más intenções… mas, do ponto de vista do marketing, é muito tático. Não estamos apenas compartilhando, estamos tentando fazer com que você aja em função do que compartilhamos.”

Isso é o que os anunciantes se referem como uma “impressão”, um comando sutil e persistente que os anunciantes usam para fazer sua mente alcançar uma conclusão desejada. Muitas vezes isso não é óbvio ou evidente, mas se manifesta nos consumidores como um pequeno viés inconsciente; um sutil gostar ou não gostar de certas coisas.

A estratégia-chave na promoção de uma impressão é a repetição, porque os comerciantes sabem que quanto mais você está exposto a uma mensagem, mais provável é que você reagirá.

“As pessoas não acham que essas mensagens as afetam, mas de fato elas têm efeito”, disse Edwards. “Se a mídia repetir a mesma impressão insistentemente, sua mente dirá: ‘Eu vi isso sete vezes, então isso deve ser importante.’ Ou você conscientemente faz uma escolha de descartar [a impressão], ou diz: ‘Oh, a Macy’s está tendo promoções.’”

O poder da marca

Arqueólogos encontraram propagandas com mais de três mil anos. Mas naquela época, mesmo em áreas urbanas, a exposição de anúncios era mínima e contida. Cartazes e grafite que anunciavam eventos, mostravam produtos ou endossavam candidatos políticos estavam concentrados em áreas de grande movimento numa cidade.

Hoje, os anúncios são praticamente inescapáveis. Especialistas estimam que estamos expostos a até cinco mil anúncios por dia. Claro, não podemos processar tudo isso, e muito disso podemos ignorar. Mas Edwards diz que mesmo os anúncios que não registramos conscientemente têm um impacto.

“Seu cérebro é tão espetacular, ele pega tudo”, disse ela. “Muita coisa é subliminar e muitas vezes você não sabe que está sendo impactado pelo que vê, sente e ouve até que isso se conecte a uma experiência.”

Um estudo de 2007 da University College of London descobriu que imagens invisíveis e subliminares de fato atraem a atenção do cérebro num nível subconsciente. Os resultados levaram à proibição da publicidade subliminar no Reino Unido.

Os anunciantes estão bem conscientes de como essas mensagens afetam o cérebro. Técnicas emergentes em neuromarketing podem agora usar seu smartphone e outras tecnologias portáteis para medir suas reações subconscientes a um produto ou a uma mensagem.

Esta é apenas uma das muitas ferramentas usadas para capturar melhor a nossa atenção. Com tantos anúncios saturando o mercado, a luta pela exposição nunca foi tão intensa.

É por isso que as empresas dedicam tanto esforço na construção de uma marca indelével. No passado, “marca” referia-se a um ferro quente que marcava pessoas, animais ou objetos para indicar propriedade. Hoje, a marca é usada figurativamente para descrever o processo de fixar uma mensagem em nossa mente.

“Sabemos que é preciso várias impressões (seis a sete) antes que um conceito ou marca seja tatuado na mente de uma pessoa. Caso contrário, não o faríamos”, disse Edwards.

Uma boa imagem de marca pode convencê-lo a fazer uma compra, mas o objetivo final da marca é estabelecer um relacionamento duradouro com os consumidores. Se essa conexão emocional puder ser mantida, o consumidor será para sempre dedicado ao seu produto.

A impressão de uma marca como empregada em nossos pais ou avós parece sem refinamento e excêntrica pelos padrões atuais. Para causar uma impressão hoje, os anúncios precisam ser mais engraçados, mais sensuais ou mais relacionáveis para serem ouvidos em meio ao volume cada vez maior de mensagens que competem por nossa atenção.

Os publicitários agora frequentemente incluem conteúdo bizarro que é totalmente não relacionado ao produto que está sendo promovido. Pode parecer bobagem, mas o marketing é eficaz se faz você se lembrar da marca. Por exemplo, o anúncio da Mountain Dew sobre o Super Bowl de 2016 com um personagem híbrido cachorro-macaco-bebê atualmente tem mais de 28 milhões de visualizações no YouTube.

Guardando a mente

A publicidade é vital para que as empresas apresentem sua mensagem aos consumidores, mas Edwards acredita que podemos fazer melhor. Ela defende o marketing responsável. Isso significa que em vez dos jogos mentais ou de esconder suas agendas, os anunciantes devem trabalhar para contar histórias precisas e honestas. Eles também devem ser especialmente cuidadosos com o marketing para crianças.

E não é apenas a publicidade. Outras formas de mídia também podem adotar táticas persuasivas. Na verdade, quando uma mensagem é disfarçada como entretenimento sem sentido, é mais fácil para o público aceitar.

“O cinema norte-americano é o maior transmissor inconsciente de propaganda do mundo de hoje”, escreveu o fundador da tática publicitária moderna, Edward Bernays, em seu livro “Propaganda” de 1928.

Até que a mídia se purifique desses métodos, Edwards adverte as pessoas que estejam atentas às impressões que estão sendo feitas em sua mente. O método mais eficaz é limitar o conteúdo que você consome e refletir regularmente sobre o que você realmente acredita. É um tipo de conscientização de mídia, quanto mais consciente você se torna sobre as mensagens hipnóticas que acionam seus desejos, mais fácil é quebrar o feitiço.

Edwards chama isso de “guardar a mente”.

“Pode ser tão extremo quanto não possuir uma TV ou apenas subscrever conteúdo que apresente comentários honestos, precisos e imparciais”, disse ela.

Outros exemplos de guardar a mente incluem evitar filmes, vídeos ou música que glorificam a violência, a misoginia e outras formas de desrespeito, bem como escolher marcas que apoiem a comunidade e promovem uma autoimagem positiva.

“É sobre proteger o que entra em sua psique,” disse Edwards.

Como chegamos aqui

O que alimenta esta campanha cada vez maior para capturar nossos corações, mentes e carteiras? A história mostra que há mais do que apenas forças de mercado em ação.

No passado, os anúncios eram bastante básicos, apenas uma descrição dos bens e serviços. Mas na década de 1920, Bernays mudou o jogo. Inspirado por seu tio, Sigmund Freud, Bernays usou a psicologia para desenvolver uma nova estratégia de marketing que influenciaria a mente subconsciente.

Ele chamou essa estratégia de “engenharia do consentimento”. Em essência, é uma forma de hipnose em massa. Foi também o início do consumismo em massa, um modelo econômico no qual as pessoas compram coisas não apenas por necessidade, mas por prazer, prestígio ou mesmo rebelião.

A primeira campanha publicitária estratégica de Bernays foi em 1929. Os proprietários da marca de cigarros Lucky Strike procuravam capturar o mercado feminino, mas era considerado tabu uma mulher decente fumar. Então Bernays contratou algumas jovens, deu-lhes cigarros e encenou uma cena no desfile de Páscoa na cidade de Nova York. Ele vendeu o evento para a imprensa como uma demonstração corajosa de empoderamento feminino, e referiu-se aos cigarros como “tochas da liberdade”. A história correu o país, e o número de mulheres fumantes disparou.

Hoje, chamaríamos isso de golpe publicitário, mas naquela época isso marcou uma profunda mudança cultural. Life Magazine listou Bernays como um dos 100 mais influentes americanos do século XX.

De cidadãos a consumidores

No passado, os pensamentos e ações das pessoas eram guiados principalmente pela família, tradição e o mundo natural. Mas no século 20, a publicidade tornou-se uma grande força de socialização, transformando cidadãos de pensamento independente em consumidores com sonhos e desejos maleáveis.

Esta transformação foi essencial para os engenheiros sociais após a revolução industrial. A nova tecnologia permitiu a produção em grande escala, mas para que esse modelo econômico funcionasse era necessário um público mais uniforme e previsível.

Em “Propaganda”, Bernays argumentou que as massas precisavam da orientação de um “governo invisível” para proporcionar estabilidade social. Apelando aos desejos inconscientes descritos por Freud, Bernays provou que as massas poderiam ser muito mais fáceis de controlar.

“Somos governados, nossas mentes são moldadas, nossos gostos formados, nossas ideias sugeridas, em grande parte por homens de quem nunca ouvimos falar”, escreveu Bernays.

Bernays imaginou alguns “sábios” superiores que supervisionariam a direção da sociedade para o bem das massas, mas uma história diferente se desenrolou na prática. As técnicas de Bernays poderiam ser usadas por qualquer pessoa com uma agenda sinistra visando manipular a mente do público. Por vezes, isso incluiu o próprio Bernays. Na década de 1930, ele começou a comercialização de cigarros como uma forma de aliviar a dor de garganta e manter uma pessoa magra e esguia, apesar de estar bem ciente de evidências iniciais de que o tabagismo causava problemas de saúde. Ele, no entanto, desencorajou o hábito de fumar de sua própria esposa.

O ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels, inspirou-se em grande parte no trabalho de Bernays. O presidente Franklin Roosevelt considerou a contratação de Bernays para vender a 2ª Guerra Mundial ao público americano, mas o juiz da Suprema Corte, Felix Frankfurter, convenceu-o do contrário. Numa carta ao presidente, Frankfurter descreveu Bernays e sua classe como “envenenadores profissionais da mente pública, exploradores da tolice, do fanatismo e do interesse próprio”.

Hoje, marketing e psicologia ainda andam de mãos dadas.