Um novo relatório dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) tem estimulado manchetes de que os defeitos de nascimento relacionados ao vírus zika atingiram novos níveis nos Estados Unidos.
Especialistas, outras pesquisas e o próprio CDC, entretanto, dizem que a conexão entre a doença e os defeitos congênitos não está provada.
Alguns sugeriram que as manchetes simplistas da mídia sobre o zika equivalem a estimular medo infundado no público.
O principal desafio entre estabelecer conexões conclusivas entre o zika e os defeitos congênitos é o desafio de testar o próprio zika.
O novo relatório do CDC revela que, das 1.297 mulheres grávidas dos EUA (com 972 gestações completas) possivelmente infectadas com o zika, 51 mulheres (ou 5%) tiveram filhos com defeitos congênitos em 2016.
No entanto, o relatório publicado em 4 de abril reconheceu que os investigadores não puderam confirmar conclusivamente se as mulheres foram infectadas com o zika, citando “provas de possível infecção recente pelo vírus zika”.
James Grundvig, um jornalista investigativo e autor, questionou a precisão dos dados. “É difícil dizer que [o relatório] é preciso. Aqui está o porquê: Qual é a linha de base para estudos semelhantes em mulheres grávidas antes de o zika chegar aos EUA?”, questionou ele.
O relatório do CDC diz que o número de defeitos congênitos sobe para 10% quando mulheres têm “infecção pelo zika confirmada”. Das 975 gravidezes concluídas, apenas 250 mulheres foram realmente confirmadas tendo o vírus zika. Dessas 250 gestações, 24 defeitos de nascimento foram relatados.
A cobertura mediática deste relatório complica a questão ainda mais, disse Grundvig. Por exemplo, uma manchete de 4 de abril da NPR, “51 bebês nascidos com defeitos congênitos relacionados ao zika nos EUA no ano passado”, soa como se o zika tivesse de fato causado os defeitos congênitos.
A inclusão do CDC de casos de gravidez em que a presença do vírus zika não foi confirmada também infla os números e promove medo, disse Grundvig. “Por causa de testes imprecisos, o zika está sendo exagerado. Isso contribui para a confusão. Eles não estabeleceram um parâmetro universalmente aceito, mesmo dentro do próprio CDC”, disse ele.
A cobertura do zika é tipicamente acompanhada por fotos de bebês com cabeças subdesenvolvidas, um defeito de nascimento chamado “microcefalia”, que é causado pelo desenvolvimento anormal do cérebro. Mas novas pesquisas levantam dúvidas sobre a associação entre o zika e a microcefalia.
Relação com a microcefalia
Em 2015, cientistas brasileiros atribuíram uma onda de casos de microcefalia ao zika. Os cientistas previram um aumento ainda maior na incidência de microcefalia em 2016, devido ao crescimento do zika no Brasil.
Mas a ocorrência de microcefalia não acompanhou a incidência do zika, de acordo com um relatório publicado no New England Journal of Medicine em 29 de março.
O Dr. Christopher Dye, diretor de estratégia da Organização Mundial de Saúde (OMS) e um dos autores do relatório, disse que houve uma “grande diferença” entre o número de casos de microcefalia relatados entre 2015 e 2016.
“Em 2015, quando o vírus [zika] varreu o Brasil, vimos um grande número de casos de microcefalia em crianças. Mas em 2016… depois da temporada de transmissão do vírus, isso não foi seguido por casos de microcefalia. A questão é, quando há um surto do vírus zika, isso sempre causa microcefalia ou apenas às vezes?”, disse Dye.
Dr. William May, codiretor do Johns Hopkins Zika Center, diz que outras infecções também podem causar microcefalia. “Não há qualquer evidência que realmente prove que o zika diretamente causa microcefalia. Há apenas a quantificação de evidências diferentes. … Existem outras infecções intrauterinas que também podem causar microcefalia”, disse May.
Pesquisadores, usando simulações tridimensionais, mostraram uma associação entre o zika e a microcefalia, mas nenhuma prova foi encontrada no mundo real.
“Embora as infecções [de zika] tenham sido associadas à microcefalia, não conseguimos demonstrar que ele [o vírus zika] causou isso [a microcefalia] diretamente num paciente”, disse Kavya Swaminathan, pesquisadora pós-doutoral em química e biologia de sistemas na Universidade de Stanford.
Se a microcefalia é causada pelo vírus zika, no entanto, pode haver outra razão para o Brasil não ver aumento nos casos da condição.
“Pode ser que a população [brasileira] tenha desenvolvido imunidade. Este é um vírus e nossos sistemas são capazes de encontrar uma maneira de se defender contra esses vírus. [Talvez] algumas dessas pessoas não estivessem grávidas quando adquiriram o vírus, mas eventualmente, quando ficaram grávidas, elas já eram imunes ao vírus”, disse Swaminathan.
Parece haver uma ligação entre o zika e a microcefalia, mas é difícil de quantificar, disse Ashley Roman, diretora de medicina fetal e materna no NYU Langone Medical Center.
Na maioria das gestações de mulheres infectadas com o zika, os fetos parecem desenvolver-se de forma saudável.
“O que será importante ao longo do tempo é entender o que acontece na primeira infância desses bebês que foram expostos ao vírus zika”, disse ela.
O relatório sugere que o aumento da microcefalia em 2015 provavelmente não foi por causa do zika, mas devido a doenças semelhantes transmitidas por mosquitos, como a dengue e a febre chikungunya.
Baixo risco nos EUA
De acordo com o CDC, de 2015 a 29 de março de 2017, houve 4.886 casos relatados de viajantes que retornaram aos Estados Unidos após visitarem áreas afetadas. No entanto, houve apenas 222 casos relatados de zika transmitidos por mosquitos “presumivelmente” nascidos localmente, na Flórida e Texas.
Nos Estados Unidos, a geografia e o clima reduzem o risco de transmissão do zika por meio de mosquitos nascidos localmente. “O mosquito principal é realmente um mosquito tropical, então a distribuição está confinada às áreas quentes e úmidas do sul dos Estados Unidos”, disse Dye.
Enquanto isso, cerca de um em cada três estadunidenses acreditam incorretamente que o zika pode ser transmitido por meio da tosse ou espirros, de acordo com uma pesquisa de 2016 pela Escola T.H. Chan de Saúde Pública de Harvard. Na verdade, o zika é transmitido por meio da picada de mosquito, relação sexual, transfusão de sangue ou da mãe para a criança, de acordo com o CDC.
Os sintomas comuns do vírus zika geralmente duram de dois a sete dias, de acordo com a OMS, e incluem febre, erupção cutânea, conjuntivite, dor muscular e articular, e dores de cabeça.