Por Conan Milner
A COVID-19 continua sendo o vírus do momento, mas o surgimento de um vírus muito mais antigo e mortal está à espreita no horizonte.
Essa premonição é proveniente do fundador da Microsoft, o qual tornou-se um filantropo com foco em vacinas, Bill Gates. Em uma entrevista recente ao Policy Exchange, Gates alertou aos governos a se prepararem para ataques bioterroristas da varíola. Ele instou os Estados Unidos, o Reino Unido e outras nações a começarem imediatamente o investimento de bilhões em pesquisas e desenvolvimentos para conter a ameaça iminente.
“Diga, bem, o que aconteceria se um bioterrorista trouxesse a varíola para 10 aeroportos? Como o mundo responderia a isso? Existem epidemias causadas pela natureza e epidemias causadas pelo bioterrorismo que podem ser ainda piores do que as que experimentamos hoje”, afirmou Gates.
O plano de preparação de Gates exige que os governos invistam dinheiro em uma nova Força-Tarefa Pandêmica da Organização Mundial da Saúde (OMS) para lidar com este cenário mortal que prevê-se sitiar a humanidade em um futuro próximo. Poucos dias após o anúncio de Gates, frascos etiquetados como “varíola” foram encontrados em um laboratório da Merck no subúrbio da Filadélfia.
O mundo continua lutando para se recuperar da devastação econômica e do número de mortos causados pela COVID-19. Então, por que a varíola e por que agora?
A varíola é uma doença contagiosa causada pelo vírus da varíola, considerada uma das doenças mais devastadoras conhecidas pela humanidade. Os sintomas incluem febre, fadiga intensa, dor e, às vezes, cegueira. Mas o sinal mais característico são as manchas vermelhas que brotam por todo o corpo. As manchas se transformam em bolhas cheias de líquido, que mais tarde se desenvolvem em cicatrizes profundas e pontiagudas ou marcas de pústulas. A doença tem uma história de infecções que data de pelo menos 3.000 anos. E embora a maioria tenha sobrevivido à varíola, ela também ceifou várias vidas.
No entanto, em termos de ameaças modernas à saúde, a varíola é praticamente uma relíquia esquecida. Embora se afirme que a doença matou 300 milhões de pessoas só no século XX, no final do século ela praticamente desapareceu.
As gerações mais velhas ainda podem ter uma pequena cicatriz no ombro (a assinatura única da vacina contra a varíola), mas os programas de imunização contra a varíola desapareceram na década de 1970. Em 1979, os estados membros da Assembleia Mundial da Saúde declararam a doença erradicada, e especialistas da saúde concluíram que as complicações sérias conhecidas devido à vacinação superaram os benefícios na ausência de um surto real.
De acordo com a OMS, a varíola é a única doença declarada erradicada, citando a conquista “entre os mais notáveis e profundos sucessos da saúde pública da história”.
Mas desde que a doença se extinguiu, vários especialistas temem que um dia ela volte, não como uma força da natureza, mas como uma arma. Embora o vírus da varíola pareça ter desaparecido na natureza, amostras são mantidas em dois laboratórios, um no Centro de Pesquisa Estatal de Virologia e Biotecnologia em Koltsovo, Rússia, e outro nos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) de Atlanta. As amostras são guardadas para estudo, mas a preocupação é que possam cair em mãos erradas.
Inverno obscuro
Vinte anos antes de Gates realizar sua previsão, o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais e o Centro Johns Hopkins de Estudos de Biodefesa Civil organizaram um exercício conhecido como Operação Inverno Obscuro. O exercício teve o objetivo de examinar como as autoridades poderiam lidar com os desafios apresentados por um ataque armado da varíola nos Estados Unidos.
As preocupantes descobertas do exercício Inverno Obscuro despertaram um interesse renovado em um programa de vacinação contra a varíola, pelo menos por um tempo. Dado que essa vacina não foi administrada ao público por décadas, provavelmente deixando milhões de americanos vulneráveis à ataques. E alguns especialistas argumentam que a reativação da vacina poderia efetivamente proteger a população.
Um relatório do Centro Johns Hopkins para Segurança da Saúde expõe as conclusões do exercício Inverno Obscuro. O documento explora questões relacionadas a qualquer ataque biológico (a ameaça aos interesses de segurança nacional, grande número de mortes de civis, o desmoronar de instituições essenciais, desordem civil, perda de confiança no governo e flexibilidade estratégica reduzida do governo dos EUA no exterior), mas também abrange as preocupações específicas de um surto de varíola.
“A varíola, devido às suas altas taxas de letalidade e transmissibilidade, representa uma das mais sérias ameaças da guerra biológica para a população civil”, afirma o relatório. “A liberação do vírus da varíola em aerosol, disseminado entre uma população relativamente pequena, pode levar a uma grande epidemia. Os testes sugerem que a dose necessária para infecção é muito pequena”.
Normalmente pensamos na guerra biológica como um desenvolvimento relativamente recente, mas a varíola foi vista como uma arma no passado. Por exemplo, durante a guerra francesa e indiana (1754-1763), o general britânico, Lord Jeffrey Amherst, escreveu cartas propondo-se a eliminar os inimigos nativos americanos, oferecendo-lhes cobertores infectados com varíola.
Vários historiadores questionam se o plano alguma vez foi colocado em prática e, se foi, questionam se funcionou. O que está claro é que muitos indígenas morreram de varíola quando os europeus chegaram ao Novo Mundo. Sem imunidade às doenças do Velho Mundo, várias tribos foram dizimadas pela exposição.
Busca pela imunidade sem riscos
Por séculos, as pessoas observaram que aqueles que sobreviveram à varíola foram recompensados com uma habilidade especial: a imunidade. Isso significava que, se você adoecesse uma vez e se recuperasse, a doença não poderia afetá-lo novamente. No passado, vários métodos foram utilizados para tirar proveito dessa capacidade, minimizando a ameaça. Na Ásia e na África, as pessoas descobriram um procedimento que envolvia espalhar pus da varíola ou crostas em pó em um arranhão recente de pele. Na melhor das hipóteses, o processo produzia sintomas leves e imunidade à varíola, mas também podia ser fatal e causar crises.
Na Inglaterra, uma variação notável neste procedimento levou à invenção da primeira vacina. Segundo a lenda, um menino órfão ouviu uma leiteira proclamar que sua pele jamais seria manchada por marcas de varíola devido à sua exposição à variedade bovina da doença, conhecida como varíola bovina. Aquele órfão cresceu e tornou-se um cirurgião rural chamado Edward Jenner, que estava ansioso para colocar a reivindicação da leiteira à prova. Em 1796, Jenner expôs um jovem a uma lesão de varíola bovina na esperança de estimular a imunidade à varíola, e seu experimento foi bem-sucedido. Jenner chamou sua nova invenção de vacina devido à relação à palavra latina para vaca: vacca.
Muitas vezes se atribui a esta invenção a erradicação da varíola, mas alguns sugerem que as melhorias na higiene e nutrição podem ter desempenhado um papel ainda maior para o fim da peste. Seja como for, mesmo os mais ferrenhos defensores da vacina contra a varíola admitem que o tratamento apresenta riscos significativos. Um dos grandes motivos pelos quais o mundo não adotou um programa de vacinação renovado após o exercício Inverno Obscuro foram todas as complicações associadas ao tratamento, incluindo infecções graves no cérebro e no coração.
Esses problemas foram detalhados em um artigo publicado em 2003 na revista Clinical Medicine and Research, intitulado “Smallpox Vaccine: The Good, The Bad, and The Ugly“.
“As evidências atuais sugerem que haveria um prejuízo considerável se a vacina contra a varíola fosse disponibilizada ao público geral de forma voluntária. Tal política representaria um risco para os vacinados e seus contatos próximos (que presumivelmente não consentiram com a exposição à vacina), com pouco ou nenhum benefício em muitos cenários de ataque. Se esta complexa decisão de saúde pública for delegada a cidadãos individuais, alguns indivíduos serão incapazes de pesar os riscos e benefícios ao dar o verdadeiro consentimento informado”, afirma o artigo.
Velhos e novos tratamentos
E se um ataque de varíola realmente ocorrer nos próximos anos? Outro ponto fraco em nossa proteção contra ataques é que não existe um tratamento reconhecido para eles.
Os fabricantes de medicamentos, no entanto, já estão se preparando para preencher a lacuna, por via das dúvidas.
Em 2018, a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA aprovou o primeiro medicamento para tratar a varíola, chamado tecovirimat. Em junho de 2021, a FDA aprovou outro medicamento para tratar a doença denominado brincidofovir. Ambas as drogas foram aprovadas mediante a regra da FDA para animais. Devido a questões éticas relacionadas à infecção de seres humanos com varíola para testar os medicamentos, apenas ensaios em animais foram usados para avaliar a segurança e eficácia.
Outro remédio contra a varíola não aprovado pela FDA vem da medicina americana do século XIX. Especificamente a tribo Micmac, da Nova Escócia, tratou infecções por varíola com uma planta carnívora conhecida como Sarracenia pupurea. Herbert Miles, um cirurgião assistente na Artilharia Real, relatou que durante um surto, uma idosa índia tratou a tribo com Sarracenia e “teve tanto sucesso que curou todos os casos”.
Em 1892, o botânico americano, Charles Millspaugh, descreveu a Sarracenia como “o remédio mais conhecido para o terrível flagelo”.
O remédio caiu no esquecimento durante o século seguinte. Mas em 2012, vários pesquisadores da Arizona State University deram uma nova olhada no antigo remédio e conduziram experimentos in vitro com um extrato de Sarracenia. Eles descobriram que isso causava a inibição da replicação do vírus da varíola.
O estudo, publicado na revista PLOS ONE, concluiu que a Sarracenia foi “o primeiro inibidor eficaz da replicação do vírus da varíola no nível da transcrição viral inicial”.
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