Médicos do NYU Langone Health da cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos, celebraram a recuperação significativa, sem evidências de rejeição dos tecidos, do primeiro paciente a receber transplante parcial de face e de um olho completo pouco mais de um ano após o procedimento, ocorrido em maio de 2023.
O resultado foi publicado nesta segunda-feira (9) no Journal of the American Medical Association (JAMA), uma das revistas científicas mais renomadas e respeitadas na área da medicina.
“Aaron [James] teve uma melhora funcional incrível, e o resultado estético é notável,” disse o diretor do programa facial e chefe do departamento de cirurgia plástica, Eduardo Rodriguez, um dos muitos médicos envolvidos nos cuidados com o paciente. “Meu objetivo final era manter [o olho] vivo. O fato de termos alcançado isso é notável. O que aconteceria depois, ninguém poderia dizer, porque nunca havia sido feito antes.”
O veterano Aaron James, de 46 anos, residente no Arkansas e trabalhador de linhas elétricas, perdeu grande parte do rosto em junho de 2021, quando tocou acidentalmente um fio energizado de 7.200 volts.
James, que serviu no exército dos EUA no Iraque, Kuwait e Egito, afirma não se lembrar do momento do acidente.
Após seis semanas em coma induzido por medicamentos e três meses na unidade de queimados de um hospital em Dallas, no Texas, James despertou para uma nova realidade. Ele havia perdido o nariz, os dentes da frente, o olho esquerdo e a mão esquerda dominante, resultando na amputação do braço.
Além disso, sofreu a perda do queixo até o osso, 20% da língua, a bochecha esquerda e os lábios.
Mesmo com o sucesso da cirurgia inédita, ele ainda não tem visão no olho transplantado, mas já retomou a rotina. “Estou praticamente de volta a ser um cara normal, fazendo coisas normais,” disse James. “No geral, este tem sido o ano mais transformador da minha vida.”
O transplante parcial de face permitiu que ele recuperasse a capacidade de degustar, cheirar e comer alimentos sólidos.Em agosto, ao lado da esposa, Meagan, o veterano detalhou sua condição clínica.
“Já se passou um pouco mais de um ano, e o rosto ainda se move um pouco,” disse. “Ainda há trabalho a ser feito. Eu continuo indo à terapia de fala. E só porque fizemos a cirurgia, isso não significa que está acabado. Ainda temos muita manutenção a fazer. Mas todos os meus exames de sangue e outras análises têm retornado normais.”
Esperança dos médicos para o futuro
A professora associada do departamento de oftalmologia da NYU Grossman School of Medicine, Vaidehi Dedania, que tem monitorado a saúde do olho de James, destacou que, embora o órgão transplantado ainda não tenha restaurado a visão, o fato de ter mantido sua forma e suprimento sanguíneo por mais de um ano é notável.
Dedania destacou a resposta das células da retina à luz como surpreendente: “[Nunca] um olho foi transplantado de um humano para outro e continuou a sobreviver e se manter dentro daquele corpo por tanto tempo.”
O cirurgião Rodriguez endossou o entusiasmo de sua colega: “Estamos verdadeiramente impressionados com a recuperação de Aaron, sem episódios de rejeição,” disse. “Nossa abordagem metódica no processo de compatibilidade, garantindo que Aaron recebesse a combinação de doador mais favorável, juntamente com nosso regime único de imunossupressão, estabeleceu o padrão para eliminar e evitar episódios precoces de rejeição.”
Os bons resultados trazem esperança para oftalmologistas de todo o mundo. Embora o primeiro transplante de córnea tenha ocorrido em 1905, regenerar o nervo óptico após uma lesão grave continua a ser um grande desafio para os médicos.
“É uma surpresa agradável que a cirurgia tenha funcionado tão bem, que o paciente esteja tão feliz e que o resultado estético ou cosmético tenha sido tão bom”, exultou o professor e chefe de oftalmologia da Universidade de Stanford em um comentário publicado na JAMA. “O globo ocular em si se manteve vivo e é capaz de permanecer naquele espaço, contribuindo para o sucesso geral do transplante hemifacial.”
Entretanto, Goldberg não se surpreendeu com a falta de visão de James, pois, conforme relatou, os estudos pré-clínicos em animais demonstraram a dificuldade de regenerar o nervo óptico.
O oftalmologista explicou que o risco à saúde do paciente estava na técnica de injetar células-tronco da medula óssea de James no tecido ao redor do nervo óptico, uma abordagem que não foi validada em animais e que poderia, em teoria, resultar na formação de um tumor. Até o momento, isso não ocorreu.
Outro ponto de risco, explicou o professor de Stanford, seria o crescimento do nervo óptico do olho doador, o que poderia comprometer a visão do outro olho de James devido à forma como as informações dos dois olhos podem interagir no cérebro.
Próximos passos da equipe do NYU Langone
O diretor do Instituto de Neurociência do NYU Langone, Paul Glimcher, comentou sobre os próximos passos e os planos de continuar acompanhando James para entender como podem restaurar a visão.
“A tarefa crítica agora é garantir que todas as células oculares sobrevivam ao transplante, o que é essencial para restaurar as conexões com o cérebro,” afirmou Glimcher. “Esse é o requisito fundamental para a visão, já que a visão é principalmente uma função do cérebro, e não apenas dos olhos.”
Sonho e honra
James, que sonha em ver sua filha iniciar a faculdade, expressa a esperança que sua experiência representa para o futuro de outros pacientes.
“Me sinto honrado por ser o paciente zero,” disse James. “Mesmo que eu não consiga ver com o meu novo olho, recuperei minha qualidade de vida, e sei que isso é um passo adiante no caminho para ajudar futuros pacientes. Fui agraciado com o presente de uma segunda chance, e não desprezo nenhum momento.”