Uma pesquisa científica afirma que o isolamento social, imposto pelo início da pandemia de COVID-19, provocou mudanças na estrutura cerebral de adolescentes, acelerando o afinamento do córtex – área do cérebro associada ao amadurecimento.
Conduzido pelas Universidades de Washington e Wisconsin, nos Estados Unidos, o estudo revela que essas alterações foram particularmente notáveis em meninas. O artigo foi publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas).
A pesquisa teve início em 2018, com o objetivo de analisar as mudanças naturais na estrutura cerebral durante a adolescência. Com idades entre 9 e 17 anos, 106 jovens se submeteram a exames de ressonância magnética funcional.
Com o avanço da pandemia e o consequente adiamento dos testes planejados para 2020, a equipe de pesquisa aproveitou o momento para investigar o impacto do isolamento social forçado no cérebro em desenvolvimento.
Mulheres foram as mais prejudicadas
Principal autora do estudo e cientista do Instituto de Aprendizagem e Ciências do Cérebro da Universidade de Wisconsin (I-Labs), Neva Corrigan explica que o objetivo era entender como a pandemia afetava o desenvolvimento cerebral dos adolescentes.
“Começamos a pensar sobre quais medidas nos permitiriam estimar os efeitos do bloqueio no cérebro em desenvolvimento. Perguntamo-nos o que significava para nossos adolescentes estar em casa, em vez de em seus grupos sociais”, relata Corrigan.
O estudo concentrou-se na espessura do córtex cerebral, que tende a diminuir com o tempo devido ao processo de maturação.
Embora a redução do volume seja parte normal do envelhecimento, mudanças precoces podem aumentar o risco de transtornos neuropsiquiátricos e comportamentais. É o caso da ansiedade e depressão, que frequentemente surgem na adolescência e têm maior incidência entre as mulheres.
Comparando os exames realizados em 2018 com os de 2021, os pesquisadores notaram uma redução volumétrica acelerada nos cérebros dos participantes.
Este efeito foi mais forte entre as meninas, que apresentaram aceleração média de 4,2 anos no desenvolvimento cerebral. Os meninos também sofreram impacto, mostrando aceleração média de 1,4 anos. No entanto, apresentaram alterações notáveis apenas no córtex visual.
A neurocientista e vice-diretora do I-Labs, Patricia Kuhl, sugere que as diferenças observadas podem ser atribuídas ao papel crucial dos relacionamentos sociais na vida das mulheres, mais do que nos homens.
As meninas costumam priorizar a interação social, o que as torna mais vulneráveis ao impacto do isolamento. O isolamento social durante a pandemia parece ter afetado o cérebro das meninas de forma mais dramática. As adolescentes do sexo feminino geralmente dependem mais dos relacionamentos com outras meninas, priorizando a capacidade de se reunir, conversar entre si e compartilhar sentimentos. Os meninos tendem a se reunir para atividade física. Patricia Kuhl, neurocientista e vice-diretora do I-Labs – Instituto de Aprendizagem e Ciências do Cérebro da Universidade de Wisconsin
Apesar das descobertas, há incerteza sobre o impacto a longo prazo dessas mudanças. Kuhl destaca a possibilidade de recuperação, embora o córtex cerebral não ganhe espessura novamente.
“É possível que haja alguma recuperação. Por outro lado, também é possível imaginar que a maturação cerebral permanecerá acelerada nesses adolescentes”, aponta a neurocientista.
Pesquisas sobre efeitos da COVID-19
Richard Bethlehem, professor de Neuroinformática na Universidade de Cambridge, destaca a necessidade de mais pesquisas para validar esses resultados e entender melhor os fatores envolvidos em relação à COVID-19.
“Mesmo que essas mudanças sejam estabelecidas em estudos posteriores, mais trabalho precisa ser feito para avaliar quais fatores durante a pandemia são responsáveis por essas mudanças, pois há muitos outros, além do lockdown, que precisam ser considerados e estudados”, indica Bethlehem.
Já Ignacio Morgado, professor de psicobiologia na Universidade de Barcelona, ressalta que outros fatores ambientais e infecciosos devem ser considerados para compreender completamente as mudanças observadas.
“O estudo e seus resultados são de especial interesse porque abrem a porta para considerarmos e investigarmos possíveis fatores ambientais, incluindo processos infecciosos, que podem modificar a velocidade de maturação cerebral em adolescentes”, propõe Morgado.