Entrevista com autor de uma ficção farmacológica bastante real

26/04/2017 07:00 Atualizado: 10/06/2018 20:45

Eu entrevistei recentemente Lawrence Golbom, o autor do livro “Not Safe As Prescribed” (“Não tão seguro como prescrito”, tradução livre).

Martha Rosenberg: Eu não consegui parar de ler seu livro “Not Safe as Prescribed“. Você capturou a estrutura de marketing da indústria farmacêutica desde criar novas “doenças” até subornar médicos, enganar a Administração de Drogas e Alimentos (FDA) dos EUA, forjar grupos de pacientes, produzir pesquisas enganosas e facilitar a circulação de pessoas entre cargos decisórios-chave no governo e altas posições na indústria. Você também realmente mostrou a conexão com a epidemia de heroína nos dias de hoje. Você teve que fazer muita pesquisa para obter tantos detalhes corretamente?

Lawrence Golbom: Bem, realmente os fatos estão disponíveis por aí. Por sete anos e meio eu conduzi um programa de rádio chamado Prescription Addiction Radio e tivemos, como convidados, congressistas, médicos especialistas, especialistas em toxicodependência, políticos, familiares e pacientes afetados, todos os quais expuseram estas práticas. Eu também sou um farmacêutico de profissão. Em “Not Safe as Prescribed“, eu simplesmente tentei preencher o que imaginei que executivos da indústria de drogas, as pessoas por trás dessas ações, estavam dizendo nos bastidores. Eu nunca pensei que eu escreveria um livro, mas nos Estados Unidos nossa crescente cultura de drogas tanto de drogas legais quanto ilegais está afetando cada comunidade, pessoa, membro da família ou amigo. Todo mundo conhece alguém que está lutando contra o excesso de drogas. Essa foi a minha motivação.

Rosenberg: O livro “Not Safe as Prescribed” é baseado em eventos reais que ajudaram a indústria farmacêutica a estabelecer sua influência dominante atual na vida dos americanos. Como repórter, eu certamente sabia sobre como os Sacklers, uma família de médicos e filantropos de Nova York, utilizaram sua lucrativa franquia de morfina na droga OxyContin, que eles não queriam que fosse “limitada” simplesmente ao tratamento das dores do câncer. Mas os Sacklers, chamados Mucklers em seu livro, também colocaram os benzodiazepínicos, notavelmente a droga Valium, no mapa para o Sr. e Sra. Front Porch, algo que eu não sabia.

Sr. Golbom: Em “Not Safe as Prescribed“, Arturo aprende com seu pai os novos métodos da família para o marketing e promoção de drogas. No caso da família Sackler, os irmãos Raymond e Mortimer aprenderam com seu irmão mais velho Arthur. Ele é creditado com a descoberta de usos bastante diferentes para o Valium, transformando-o na primeira droga a ganhar 100 milhões de dólares, e a criação de uma relação de camaradagem e reciprocidade com os médicos, agora a norma nos EUA. Os três irmãos Sackler compraram a Purdue Pharma, que fabrica o OxyContin, na década de 1950.

Rosenberg: Seu livro mostra a transição insidiosa, mas bem-sucedida, na década de 1960 de medicamentos prescritos para alguns poucos para então serem tornados acessíveis a todos – porque todo mundo tem estresse, frustração, dias tristes, etc. Nestes dias “donas de casa” e “homens de negócios” precisariam de drogas psicoativas para lidar com seu estresse diário. O que eu achei chocante foi como o mesmo marketing abrangente criou a atual epidemia de dependência de opiáceos.

Sr. Golbom: Sim. Logo após o lançamento do OxyContin em 1996, a indústria farmacêutica conseguiu que a dor fosse designada como o “quinto sinal vital” a ser monitorado, assim como a pressão sanguínea. De repente, quase todo mundo sentia dor e o novo campo da “medicina da dor”, preenchido por “médicos da dor”, nasceu e foi monetizado. Nós sabemos o que aconteceu em seguida. Estimativas dizem que mais de 91 pessoas por dia estão morrendo devido aos opiáceos ou à heroína que recorrem quando não conseguem obter opiáceos. Uma parte do meu livro destaca a triste situação do tratamento de nossos veteranos militares. As últimas estimativas eram que 22 veteranos por dia estavam cometendo suicídio. Em minha opinião, um resultado direto da tendência do Departamento de Assuntos de Veteranos (VA) a prescrever pílulas demais.

Rosenberg: Depois que a dor se tornou um “sinal vital”, o campo da “medicina da dependência” nasceu.

Sr. Golbom: Os medicamentos para tratar o vício de OxyContin como a buprenorfina, vendida como Suboxone, são derivados de opiáceos que são 10 a 20 vezes mais fortes do que o OxyContin. Após 8 horas de treinamento, os especialistas em toxicodependência têm um fantástico fluxo de receita. O tratamento assistido por medicação (TAM) duplicou a receita da indústria farmacêutica.

A dependência de OxyContin também impulsiona outras vendas de drogas. Citando o diretor médico por trás do marketing do opiáceo Muckler em meu livro, “As pessoas estão viciadas em OxyXR e os psiquiatras estão diagnosticando-as como deprimidas ou bipolares. Se eu tomasse um OxyXR, em um mês eu também me sentiria deprimido. Com o diagnóstico do vício como uma doença, os psiquiatras salivam sabendo que pelo menos uma visita de cinco minutos por mês será o resultado no futuro próximo.”

Logo no início de sua comercialização do OxyXR, os Mucklers traçaram uma linha delimitadora entre “usado como prescrito” e “abuso” para isolar a empresa do crescente número de mortes. Ao descartar as vítimas de overdose e viciados como “abusadores”, eles são capazes de sustentar a posição de que o OxyXR é o “analgésico” líder, sem problemas de segurança se usado como prescrito.

Rosenberg: Você acha que seu livro será uma revelação para muitos por causa de sua história fantástica de associação e fará a diferença?

Sr. Golbom: Acho que a geração mais velha está bastante desesperada. Eles foram enganados na nossa atual cultura de drogas. A geração baby boomers engoliu a poderosa mensagem de “drogas para todos” da indústria farmacêutica, seja com o uso de estatinas e medicamentos DRGE (Doença do Refluxo Gastresofágico) ou drogas de transtorno do humor e pílulas de opiáceos para dor. Mas espero que a geração mais jovem possa escapar da nossa atual cultura de drogas.

Por exemplo, os efeitos em longo prazo das drogas TDAH (Transtorno de Défice de Atenção e Hiperatividade) que são prescritas para milhões de crianças são perigosas e já começam a mostrar suas consequências. Um promotor de medicamentos TDAH desenvolveu recentemente fibrilação atrial, um possível efeito colateral das poderosas anfetaminas que os pais empurram na goela de seus filhos. Os efeitos dos depressores ISRS (Inibidores Seletivos da Reabsorção da Serotonina) que afetam milhões também são chocante – eles estão associados a homicídios e suicídios bizarros, incluindo entre os jovens nas forças armadas. Nas últimas décadas, pessoas viciadas em drogas não vão mais para as instituições de saúde mental que foram fechadas, elas vão cada vez mais para a prisão.

Estamos experimentando também uma enorme epidemia de autismo que claramente tem fatores externos, já que eu duvido que o nosso fundo genético tenha mudado.

Rosenberg: O desenvolvimento dos personagens em “Not Safe as Prescribed” é muito interessante quando tanto dinheiro é ganho. Alguns dos agentes dos Muckler são capazes de racionalizar suas ações ou simplesmente não têm consciência. Jeremy, o protagonista do livro, foi incapaz de racionalizar seu trabalho quando seu primo morreu devido aos opiáceos. No início do livro, um cético sobre a segurança do OxyXR, que a empresa julgou que poderia prejudicar suas vendas, é literalmente morto. Jeremy acaba enfrentando os mesmos riscos.

Sr. Golbom: Sim, há tensão moral no livro e um final chocante que as pessoas gostarão. Mas, infelizmente, a indústria farmacêutica tem o dinheiro do seu lado, porque não há dinheiro em prevenção e educação. Como o poderoso chefão e marqueteiro do OxyXR, Auturo Muckler resume bem no livro, “Eu amo as drogas. Se você as toma, produz, usa, vende, planta, prende pessoas que as possuem, sentencia pessoas que foram flagradas em posse delas ou administra prisões, todos ganham dinheiro.” Acho que esqueci de incluir o agente funerário.

Martha Rosenberg é autora da premiada exposição “Born With a Junk Food Deficiency“. Ícone em seu país, ela lecionou em universidades e faculdades de medicina e foi entrevistada em programas de rádio e televisão.