Cinco alimentos projetados por tecnólogos para serem irresistíveis

01/05/2017 07:00 Atualizado: 10/06/2018 20:43

Há três razões principais por que a paixão por beliscar petiscos continua crescendo, juntamente com a circunferência da cintura: a onipresença de junk food (“comida lixo”, popularmente chamada de “porcaria” ou “besteira”); a onipresença e intensidade da publicidade desses produtos; e a furtiva tecnologia de alimentos.

Pessoas que engolem um saco inteiro de salgadinhos ou biscoitos numa única sessão (geralmente na frente da TV) frequentemente experimentam exatamente o que o produto foi projetado para fazer, ou seja, ser viciante.

Você notou o cheiro irresistível de algo-no-forno que emana quando você passa por um Subway? Mark Christiano, tecnólogo mundial de cozimento do Subway, insiste que o aroma não é projetado para atrair os transeuntes e acrescenta que a receita do pão é “proprietária”.

Mas na guerra por seu dinheiro destinado à comida, todas as táticas são empregadas, incluindo a maneira como um alimento cheira, aparenta ou é saboreado. Nada é deixado ao acaso.

Tecnólogos de alimentos usam 40 mil dispositivos que simulam o mastigar da boca para testar e aperfeiçoar os salgadinhos, por exemplo. “As pessoas gostam de um salgadinho que se quebra com cerca de quatro libras de pressão por polegada quadrada”, diz Michael Moss, autor de “Salt Sugar Fat: How the Food Giants Hooked Us” (“Sal, Açúcar, Gordura: como os gigantes dos alimentos nos viciaram”, tradução livre). Assim, os tecnólogos buscam “o ponto de ruptura perfeito”.

A gordura é uma grande parte da tecnologia alimentar porque permite que a comida se torne crocante e cremosa, além de criar contraste e facilitar a mistura dos sabores. E inclusive lubrifica a boca para que as pessoas comam mais rápido. E falando de comer rápido, as pessoas que devoram sua comida rapidamente não são totalmente culpadas, de fato o tempo que leva para mastigar alimentos encolheu.

“Nos [45 anos] que eu estou no negócio de alimentos, costumávamos ter alimentos que mastigávamos 15, 20 ou 30 vezes antes de engolir”, disse Gail Vance Civille, da empresa de pesquisa de consumo Sensory Spectrum. Agora a maioria dos alimentos só precisa ser mastigada 12 vezes e “você então já está pronto para obter mais prazer”, diz Civille.

É claro que o açúcar, o sal e a gordura podem ser viciantes, como os viciados em Häagen-Dazs ou Krispy Kreme podem atestar, mas os tecnólogos de alimentos têm uma equação precisa para projetar alimentos hiper-recompensadores e hiperpalatáveis. Eles criam “fórmulas complexas que satisfazem as papilas gustativas o suficiente para serem atrativas, mas que não têm um sabor único e distinto que diga ao cérebro para parar de comer”, diz Moss.

Aqui estão alguns alimentos deliberadamente projetados para viciá-lo na primeira fragrância, mordida ou gole.

Garrafas da refrigerante num refrigerador de uma loja de conveniência em São Francisco, Califórnia, em 10 de junho de 2015. (Justin Sullivan/Getty Images)
Garrafas da refrigerante num refrigerador de uma loja de conveniência em São Francisco, Califórnia, em 10 de junho de 2015. (Justin Sullivan/Getty Images)

Refrigerantes

Metade dos estadunidenses bebe refrigerante todos os dias e muitas pessoas dizem que são viciadas. Isso não é acidental.

Para criar Cherry Vanilla Dr. Pepper, por exemplo, os tecnólogos de alimentos testaram 3.904 “degustações” ou versões de “secura”, “viscosidade” e “liberação de umidade” – a combinação certa de cereja, baunilha e sabor do Dr. Pepper e, é claro, cor.

Viciar as crianças em refrigerantes no início de suas vidas também não é um acidente, de acordo com “Salt Sugar Fat“.

Naturalmente, a cafeína é uma razão por que as pessoas ficam viciadas em refrigerantes. A exposição constante à cafeína faz seu cérebro compensar diminuindo o número de receptores para seu próprio “estimulante”, a noradrenalina ou norepinefrina. Isso faz com que você busque a estimulação de uma fonte externa.

Mas há outros prováveis ​​”aditivos”, como visto no Mountain Dew, sem dúvida o mais viciante dos refrigerantes (inclusive entre alguns atletas que, segundo comentários, o bebem sem parar).

Enquanto o Mountain Dew certamente concentra muita cafeína, ele deriva seu sabor efervescente dos ácidos fosfórico, cítrico, málico e tartárico, todos mantidos à tona por um aditivo controverso conhecido como óleo vegetal bromado (OVB).

Empresas de bebidas estão começando a deixar de usar o OVB, que o público tem combatido porque também é um retardante de chamas. Mas o Mountain Dew provavelmente manterá seu efeito apelativo.

Carnes curadas

Mesmo as pessoas que passariam longe de um presunto curado Slim Jim ou Kentucky foram abarcadas pelo movimento do “bacon em tudo”, em que bacon é adicionado a tudo desde goma de mascar até doces e sorvete. Infelizmente, o sabor de bacon que todos amam é criado por ingredientes que ninguém ama, os nitritos.

Nitrito de sódio, também encontrado em presunto, pastrami, salames e salsichas de cachorro quente, inibe bactérias, prolonga a validade ou a vida de prateleira do produto e transmite o sabor agradável e a cor que incrementam o apelo destes alimentos.

Mas, e é um grande “mas”, durante o processo de cozimento, os nitritos se combinam com outros produtos químicos para formar carcinógenos, que muitas organizações de saúde alertam contra.

O bacon pode ser feito sem nitritos? Sim e não.

“O programa America’s Test Kitchen obteve os resultados de seus testes de bacon e eles não gostaram da amostra sem nitritos porque era muito pálida e não tinha gosto de bacon”, diz um post no site Chowhound.

R.W. Apple, um jornalista do New York Times que escreve sobre comida, afirma: “Os nitratos fornecem parte do sabor característico do bacon e o único bacon sem nitrito que eu provei parece mais com carne de porco assada.”

O site Livestrong concorda que os nitritos “dão as carnes curadas aquele característico sabor defumado e a cor rosada que os torna irresistíveis”, mas sugere que as pessoas limitem a sua ingestão e, em vez disso, “comam uma salada”.

Um saco recém-aberto de pipoca de micro-ondas numa mesa em Nova York em 12 de março de 2004. (Justin Sullivan/Getty Images)
Um saco recém-aberto de pipoca de micro-ondas numa mesa em Nova York em 12 de março de 2004. (Justin Sullivan/Getty Images)

Pipoca de micro-ondas

Você já tentou fazer sub-repticiamente uma pipoca de micro-ondas no trabalho e descobriu que é impossível disfarçar? Pipoca de micro-ondas envia um alarme olfativo imediato a todos no seu andar e, provavelmente, nos pisos acima e abaixo de você. Não só eles sabem que você está lambiscando em vez de trabalhar, mas eles também acabam desejando pipoca de micro-ondas.

O cheiro irresistível é resultado de produtos químicos com sabor de manteiga, como diacetil e pentanodiona, que são dissipados no ar pelo processo de aquecimento. E, não surpreendentemente, há questões sobre sua segurança.

Enquanto processos judiciais foram movidos e ganhos por trabalhadores de fábricas de produção de pipoca de micro-ondas que desenvolveram “pulmão de pipoca” por trabalharem em torno de diacetil, os consumidores também estão aparentemente em risco.

Cerca de dois anos atrás, Wayne Watson recebeu 7 milhões de dólares quando processou o fabricante e os varejistas de pipoca amanteigada de micro-ondas que o levou a desenvolver “pulmão de pipoca” depois de comer dois sacos por dia durante 10 anos.

A doença respiratória potencialmente fatal é uma condição chamada bronquiolite obliterante constritiva, em que as menores vias aéreas do pulmão se tornam cicatrizadas e constringidas, bloqueando o movimento do ar.

Desde que preocupações sobre o diacetil foram levantadas, muitos fabricantes deixaram de usar o ingrediente. No entanto, alguns ainda usam o potencialmente nocivo e escorregadio revestimento antiaderente PFOA nos sacos de pipoca. Outra razão para “resistir” as pipocas de micro-ondas e fazer a sua própria, especialmente se você as come duas vezes por dia, como Watson.

Batatas fritas na cozinha de um McDonald’s em Tóquio, Japão, em 25 de janeiro de 2016. (Christopher Jue/Getty Images)
Batatas fritas na cozinha de um McDonald’s em Tóquio, Japão, em 25 de janeiro de 2016. (Christopher Jue/Getty Images)

Salgadinhos assados

Tal como acontece com o açúcar, as pessoas podem tornar-se viciadas em sal, e a única maneira de “desapegar-se”, dizem os especialistas, é parar de consumi-los totalmente e deixar o paladar voltar ao normal. Mas há outra razão por que salgadinhos, batatas chips, pães torrados crocantes e inclusive cereais matinais não salgados podem ser irresistíveis.

Esses alimentos foram submetidos à “reação de Maillard”, explica Marion Nestle, uma especialista em alimentos da Universidade de Nova York, o que “faz com que os alimentos assados, fritos e torrados se tornem atraentes e saborosos”.

Cozinhar alimentos ricos em carboidratos a temperaturas suficientemente elevadas para produzir uma superfície amarela ou marrom normalmente significa que a acrilamida se formou. E como você deve ter adivinhado, a acrilamida é um produto químico potencialmente perigoso e pode causar câncer. Mais uma vez, os produtos químicos que tornam os alimentos irresistíveis são os que devemos resistir e evitar.

O estado da Califórnia realmente processou fabricantes de batatas chips por não alertarem os consumidores da Califórnia sobre os riscos à saúde da acrilamida em 2005.

Há algo mais que nos faz desejar os salgadinhos. Eles são projetados para terem “densidade calórica dispersiva” ou a capacidade de derreter na boca, escreve Michael Moss. “Se algo derrete rapidamente, seu cérebro pensa que não há calorias nele … [que] você pode continuar comendo para sempre”, disse o cientista de alimentos Steven Witherly durante uma entrevista para seu livro.

Batatas chips têm outro fator viciante, dizem os especialistas em alimentos. Seu revestimento de sal, gordura e açúcar encontrado no amido da batata em si mesmo recompensa o cérebro triplamente. O amido é absorvido mais rapidamente do que o açúcar, o que faz os níveis de glicose no sangue saltarem e o corpo a gritar “mais!”

Um estudo da revista New England Journal of Medicine com 120.877 mulheres e homens descobriu que o alimento consumido por eles que mais induz ao ganho de peso eram as batatas chips.

Fast-food

Fast-food, é claro, é baseado em desejos e vícios. Afinal de contas, por que suas características mais predominantes seriam sal, gordura e açúcar?

83% das pessoas que comem fora de casa o fazem por causa de “desejo”, revelou um estudo recente da empresa de consultoria Technomic, e 75% das que visitam restaurantes mais de uma vez por semana o fazem por causa de um prato específico que anseiam.

Enquanto o McDonald’s nunca foi derrubado da posição número 1 de hambúrgueres, que competidores como Wendy’s, Burger King, Carl’s Jr., Jack in the Box e Hardee’s anseiam, seu Chicken McNuggets conquistou também os amantes de frango fast-food e tornou-se um sucesso imediato. Infelizmente, os McNuggets são provavelmente o item do McDonald’s com os produtos químicos mais problemáticos.

Eles são feitos com dimetilpolissiloxano, um agente antiespumante usado em, acredite ou não, tapetes de ioga. A Administração de Drogas e Alimentos (FDA) dos Estados Unidos aprovou-o para consumo humano em pequenas quantidades, como é utilizado nos nuggets. Eles também contêm propilenoglicol, um ingrediente anticongelante; e extrato de levedura autolisada, que “aumenta artificialmente o sabor e o aspecto viciante dos alimentos”, de acordo com Healthy Living.

Claramente, os alimentos doces, salgados e gordurosos podem ser difíceis de resistir, especialmente quando eles são onipresentes, baratos e promovidos incessantemente. Mas para garantir sua maior eficiência, a indústria de alimentos também acrescentou produtos químicos viciantes para torná-los ainda mais “irresistíveis”.

Martha Rosenberg é autora da premiada exposição “Born With a Junk Food Deficiency“. Ícone em seu país, ela lecionou em universidades e faculdades de medicina e foi entrevistada em programas de rádio e televisão.