A revista médica The Lancet publicou no sábado (14) uma série de artigos com um alerta preocupante: a negligência nas estratégias para combater a resistência a antimicrobianos (RAM).
Os textos, assinados por cientistas de diversas universidades, afirmam que, enquanto as infecções bacterianas recebem a maior parte da atenção, as infecções fúngicas estão sendo ignoradas, mesmo diante de um crescimento alarmante à medida que mais fungos emergem. Para os pesquisadores, trata-se de uma “pandemia silenciosa”.
Em 2022, a Organização Mundial da Saúde divulgou que essas infecções fúngicas afetam 6,5 milhões de pessoas anualmente e são responsáveis por aproximadamente 3,8 milhões de mortes.
As estimativas foram baseadas em dados de mais de 85 países, onde vive cerca de 90% da população mundial.
O artigo da The Lancet destaca que, muitas vezes, essas doenças invasivas não são reconhecidas adequadamente e propõe uma maior atenção por parte de clínicos, laboratórios de diagnóstico, da comunidade de pesquisa e da indústria farmacêutica: “Precisam olhar além das bactérias e incluir os fungos”, disseram os cientistas.
A resistência a antimicrobianos acontece quando germes, como bactérias e fungos, se tornam resistentes aos medicamentos destinados a eliminá-los, incluindo os antifúngicos e antibióticos, resultando na falta de resposta aos tratamentos.
Segundo os pesquisadores, com apenas três classes disponíveis, as infecções fúngicas resistentes são difíceis e, em alguns casos, impossíveis de tratar.
Em função disso, os cientistas destacam que “o foco desproporcional nas bactérias é extremamente preocupante”. Segundo eles, essas doenças são, em grande parte, “sub-reconhecidas pela comunidade [médica] e pelos governos”.
Infecções fúngicas resistentes, como as causadas por Aspergillus, Candida, Nakaseomyces glabratus e Trichophyton indotineae, ameaçam principalmente idosos e pessoas imunocomprometidas, mas também afetam animais e o meio ambiente, incluindo a agricultura e ecossistemas aquáticos.
Os desafios
A semelhança entre células fúngicas e humanas dificulta o desenvolvimento de tratamentos eficazes, pois muitos antifúngicos podem ser tóxicos para os pacientes.
O professor doutor Ferry Hagen, da Universidade de Amsterdã, na Holanda, um dos pesquisadores que assinaram o artigo, também destaca o desafio da resistência cruzada na agricultura, que surge quando fungicidas com mecanismos semelhantes são usados repetidamente.
Isso complica tanto a criação de medicamentos seguros para humanos quanto o controle de infecções fúngicas em ambientes agrícolas.
“Apesar das enormes dificuldades para desenvolvê-los, vários novos agentes promissores, incluindo classes de moléculas complementares novas, entraram em testes clínicos nos últimos anos”, disse Hagen.
“Porém, mesmo antes de chegarem ao mercado após anos de desenvolvimento, o setor agroquímico desenvolve fungicidas com modos de ação semelhantes, o que leva à resistência cruzada. Isso nos leva de volta à estaca zero”, completou o professor.
As projeções dos órgãos internacionais de saúde sugerem um aumento significativo na resistência antimicrobiana nas próximas décadas. Até 2030, os impactos na saúde da RAM poderão resultar em uma perda anual de US$ 3,4 trilhões (aproximadamente R$ 18,8 trilhões) no PIB global.