Os medicamentos que você está tomando são realmente seguros?

Autor David Healy discute seu livro "Pharmageddon"

14/08/2012 03:00 Atualizado: 10/06/2018 21:04

Por Martha Rosenberg

Em seu novo livro “Pharmageddon“, o especialista internacional David Healy, M.D., pinta um quadro desolador de dados falsificados, testes de drogas distorcidos e diretrizes de tratamento manipuladas que ele afirma caracterizarem a indústria farmacêutica de hoje.

O Dr. Healy, numa entrevista recente, elaborou sobre seus achados que são certamente um alerta para alguns e expõem ainda mais às práticas questionáveis de outros, que ocorrem não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo.

Sra. Rosenberg: Muitas pessoas ficarão chocadas ao saberem que os abusos não estão limitados apenas aos Estados Unidos, onde a propaganda direta ao consumidor é legal, mas também existe na Europa.

Dr. Healy: A situação é idêntica. A indústria farmacêutica realmente acha os sistemas de saúde socializados mais fáceis de explorar. Apesar da publicidade direta ao consumidor, mais dinheiro é gasto em marketing para médicos que são os reais consumidores. Eles também são pressionados pelo processo de diretrizes de tratamento, que é baseado em “provas” que a indústria farmacêutica faz questão de manter em segredo para que eles [os consumidores] permaneçam realmente no escuro, embora possam não perceber.

Rosenberg: Muitos poderiam pensar que o Reino Unido não teria problemas da influência da indústria farmacêutica dos Estados Unidos por causa do modelo de medicina socializada. Mas o Projeto Algoritmo de Medicação do Texas (TMAP), concebido e financiado pela indústria farmacêutica norte-americana, e o programa do governo britânico Instituto Nacional de Saúde e Excelência Clínica (NICE), soam quase idênticos.

Healy: Apesar das diferenças público/privado, as duas organizações recomendam o uso de antipsicóticos de marca como Risperdal, Zyprexa e Seroquel, ao invés do uso de antipsicóticos mais antigos e de custo acessível, o que naturalmente enriquece a indústria farmacêutica. Tanto os EUA como a Europa estão interessados em manter suas empresas felizes e têm feito vista grossa para a terceirização de ensaios clínicos para a Ásia e a Europa Oriental.

Rosenberg: Em Pharmageddon, você conta como a supervisão do ensaio clínico passou de um sistema baseado em hospitais e universidades para um sistema lucrativo executado por organizações de pesquisas clínicas.

Healy: As empresas farmacêuticas têm terceirizado todas as suas operações desde desenvolvimento de medicamentos e testes para ensaios clínicos até redação científica e acadêmica, assim, elas se tornaram nada mais do que organizações de marketing em sua essência. Em cada conjuntura em que elas se separaram da responsabilidade tradicional, ninguém se opôs e assim continua.

Rosenberg: Tem havido relatos de riscos para seres humanos nos ensaios no exterior, bem como subornos e irregularidades de protocolo. Quem fiscaliza a ética dos ensaios terceirizados e a qualidade dos dados?

Healy: Os ensaios clínicos são supervisionados por Conselhos de Revisão Institucional particulares, que são financiados pelas organizações que eles regulam.

Um grande ensaio recente do antipsicótico Abilify demonstra o perigo de ensaios clínicos terceirizados. Com base em cerca de 28 ensaios nos Estados Unidos, o Abilify não estabilizou profilaticamente o humor conforme o fabricante reivindica. Mas quando os dados de apenas dois ensaios do México foram misturados, ele conseguiu.

Rosenberg: Em seu livro, você afirma que o maior poder da indústria farmacêutica para enganar e prejudicar vem de tais dados opacos e distorcidos.

Healy: Sem acesso aos dados primários das drogas, profissionais médicos não podem exercer medicina responsável e orientações não podem ser escritas. No entanto, a indústria farmacêutica, com muito poucas exceções, se recusa a publicar os dados e compartilhá-los com os praticantes. Isso resulta em diretrizes que são ficcionais e médicos que não têm a informação crítica de que necessitam para prescrever e tratar.

A obstrução de dados e a utilização de escritores fantasmas resultaram em artigos nas principais revistas médicas que fizeram drogas como o anti-inflamatório Vioxx; a terapia hormonal; e o Neurontin, usado para tratar epilepsia; parecerem seguros quando não eram, argumenta Pharmageddon.

Rosenberg: Outro exemplo que você dá é um artigo no Jornal da Academia Americana de Psiquiatria Infantil e Adolescente no qual a GlaxoSmithKline (GSK) fez o antidepressivo Paxil parecer seguro enquanto escondia os dados brutos. A então editora Mina Dulcan comenta sobre os dados omissos, que escondeu o efeito colateral do Paxil de poder provocar o suicídio em crianças, “Eu não posso controlar os autores. Não, eu não tenho arrependimentos.”

Healy: Se adquirirmos nossa informação sobre medicação no New York Times ao invés de revistas médicas, estaríamos muito mais seguros. Quando Jayson Blair, um repórter do NY Times, foi descoberto falsificando notícias, ele virou história. Mas os editores e escritores envolvidos com fraude jornalística ainda têm seus empregos e os artigos nem sequer são removidos. Na verdade, Liz Wager, a presidente do Comitê de Publicação Ética (COPE) é conectada a indústria farmacêutica.

Rosenberg: Muitos conflitos de interesse descritos em seu livro, incluindo a liderança do COPE, são estruturais e criam um circuito fechado de desinformação, especialmente por causa do dinheiro da indústria farmacêutica. Como pode a luz e a transparência penetrarem?

Healy: Alguns colegas e eu estamos no processo de ajuste fino de um website gratuito que oferece dados do FDA MedWatch com outras informações cruciais sobre drogas e permite, talvez pela primeira vez, que pessoas [negativamente] afetadas pelo tratamento possam relatar em detalhes sua experiência. O website, chamado RxISK.org, também ajuda pacientes a arquivarem um relatório de evento adverso às autoridades norte-americanas e canadenses, com outros países a caminho.

Por muito tempo, pacientes, médicos e farmacêuticos têm sido isolados uns dos outros quando se deparam com eventos adversos no uso de medicamentos, no entanto, apenas mensagens da indústria farmacêutica são publicados. Isso os ajudará a se comunicarem diretamente.

Pharmageddon” de David Healy foi publicado pela University of California Press e já está disponível.

David Healy é professor de psiquiatria na Universidade Bangor. Ele é ex-secretário da Associação Britânica de Psicofarmacologia e autor de centenas de artigos e de 20 livros, incluindo “A era do antidepressivo” e “A criação da psicofarmacologia” pela ‘Harvard University Press’; “Os psicofarmacologistas”, Volumes 1-3; “Let Them Eat Prozac”, “Mania” e “Pharmageddon”. Ele esteve envolvido como testemunha especialista em homicídios, suicídios e processos legais de anomalia congênita envolvendo drogas psicotrópicas e em revelar problemas com estes medicamentos à atenção dos reguladores norte-americanos e britânicos, bem como em sensibilizar o público sobre empresas farmacêuticas que vendem drogas fazendo marketing de doenças e aliciam líderes de opinião acadêmicos para escreverem seus artigos.

Martha Rosenberg é autora da premiada exposição “Born With a Junk Food Deficiency“. Ícone em seu país, ela lecionou em universidades e faculdades de medicina e foi entrevistada em programas de rádio e televisão.