Um Papa com tonalidades cinzas – ou: quando um defensor da civilização ocidental não assume postura clara sobre a verdade

22/10/2020 15:17 Atualizado: 22/10/2020 15:17

Por  Sergio de Mello, Instituto Liberal

Qualquer cego não consegue deixar de enxergar que o Cristianismo está ruindo e, por consequência, também decaindo nossa civilização e cultura ocidental, sob a acusação criminosa de promover a desigualdade e o preconceito contra minorias. O discurso de Jair Bolsonaro na ONU não foi nem um pouco em vão e teve a sua razão de ser. Só não enxergam isso os piores cegos, a mídia fraudulenta com interesses escusos e diversos da defesa de nossas liberdades de crer e de pensar.

Experimentamos atos que vão desde a intolerância religiosa a práticas de vandalismo e criminalidade. Exemplos desse caos cultural e religioso: retirada de símbolos religiosos de estabelecimentos públicos; posts em redes sociais associando cristãos a grupos extremistas como o talibã; manifestos, como a Marcha das Vadias, em 2013, que redundou em ofensas religiosas; um bem recente, em 18.10.2020, quando grupos de ressentidos incendiaram igrejas católicas na capital do Chile, Santiago.

Quanto a este último crime, as ruínas dos templos católicos são a prova material de uma acusação, segundo os criminosos, que pesa sobre o Cristianismo: ele é o culpado das mazelas sociais ou humanas, principalmente as de racismo, desigualdade e preconceito.

Por outro lado, o melindroso disfarce da realidade e da verdade, seja em relação aos grupos de criminosos intolerantes, seja por parte da mídia fraudulenta e inescrupulosa, é um inescapável fato capaz de denunciar o caráter enganoso de um e de outro agente delituoso. Bem, ou mal, sabem eles que a miséria humana vem desde a mordida naquela saborosa maçã cognitiva, uma espécie de caixa preta da humanidade, um tesouro tão escondido que, desde aquela ingestão, vem causando mais indigestão do que conhecimento.

O Papa, certamente, mais do que eu, do que nós, conhece a verdade, mas se omite diante da guerra cultural como um cordeirinho, lavando as mãos na frente do povo como o fez Pôncio Pilatos. Basta ao Papa falar que o Cristianismo foi o verdadeiro promotor da igualdade. Claro que não a igualdade pretendida hoje por progressistas, a teórica e abstrata de quem tem iphone 12 nas mãos, acha que todo mundo deve ser igual por força de lei e impõe isso a título de felicidade para angariar asseclas. A igualdade deve ser em Cristo. Explico.

A igualdade verdadeira vem da afirmação de que somos todos criados em Cristo, não no sentido material, e sim no aspecto espiritual. Foi com base nessa fé que o Cristianismo uniu cristãos e judeus, uma consciência universal não impositiva. “Pode ser judaica ou armênia, etíope ou persa, grega ou romana.”. (Manual politicamente incorreto da civilização ocidental, de Anthony Esolen, Vide Editorial, p. 109).

A tolerância de hoje é aquela mesma descrita na obra referida: “Hoje pregamos a “tolerância”, à qual, como sugeri, atribuímos dois significados contraditórios: uma recusa em distinguir entre o verdadeiro e o falso e entre o bem e o mal, e uma submissão complacente às regras politicamente corretas de uma intelligentsia. É um tipo de intolerância, mas com sorriso e spray de cabelo”. (p. 109). Cristãos sofreram perseguição, e ainda sofrem, viveram em meio a imperadores tiranos, e, ainda assim, eram tolerantes na vida prática. “Viveram entre povos que negociavam escravos, abandonavam bebês nas colinas, seduziam jovens rapazes e tornavam o homicídio um entretenimento diário de arena, e os trouxeram à fé sem torná-los um átomo sequer menos romanos ou gregos, e na verdade os elevando às virtudes mais nobres de suas próprias tradições” (p. 109-110). Ou seja, devemos ser tratados como “filhos, e não escravos” (p. 110).

Ou seja, a tolerância atual é gourmet, de esquerda que se diz libertária, a que se diz a única portadora da verdade moral universal. Aquela que faz da tolerância um produto mais facilmente consumível porque “agrega valores” morais seus. Uma tolerância enlatada.

O Cristianismo foi muito bem representado em épocas como a de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, verdadeiros guerreiros filosóficos da civilização ocidental. O próprio Jesus Cristo deixou um mandamento bastante politicamente incorreto, aquele para sermos “preto ou branco”, nunca cinza, implicando em recomendação para assumirmos posturas claras e partidárias. Ele disse que em tudo na vida devemos dizerer “sim, sim, ou não, não”. A explicação é bem simples. Se formos contrários a determinado pensamento estaremos assumindo responsabilidades em casos de erros, além de termos assumido posicionamento em relação a certo tipo de comportamento ou pensamento, encarando-o como uma verdade. Deste tipo de raciocínio não parecem compartilhar práticas acinzentadas, como a do Papa…

O preto representa o mal e o branco o bem, o cinza um intermediário entre os dois, uma mistura dos dois, na verdade, deixou dito Ayn Rand, que, embora negando a fé, tinha postura condizente com alicerces do Cristianismo. Ela viveu no tempo do comunismo russo e sabe muito bem as agruras de um coletivismo, que chegava ao ponto de matar manifestantes.

Sobre esse culto de uma moral hipócrita falou Rand, ao ter escrito que “Há dois lados em toda questão: um está certo e o outro errado, mas o meio é sempre mau” (em A virtude do egoísmo). Ela também trabalha com um conceito de honestidade como uma virtude egoísta. Isso precisa ser explicado.

Para Rand, honestidade não tem muito a ver com a prática de um dever social, não podendo ser considerada um sacrifício em benefício dos outros; honestidade, com um certo tom de egoísmo (no bom sentido), é a praticada por alguém que se recusa a sacrificar a realidade da própria existência em prol da consciência ludibriada dos outros. Para mim, esse é o verdadeiro conceito de alteridade, não aquele que é consequência de um sacrifício pessoal em prol de um bem que se autointitula superior, mas que se sabe destrutivo de todo o coletivo. C. S. Lewis escreveu sobre três tipos de moral, em Cristianismo puro e simples: a primeira, que é a conduta leal entre indivíduos; a segunda, manifestada dentro do indivíduo, para que ele se autopolicie; e, uma terceira, a vocacionada a um bem maior, para um verdadeiro bem comum, que é o objetivo geral da vida humana.

Ainda, para Rand, o calhorda é aquele que sempre busca silenciar a verdade, fingindo que não há escolhas nem valores a serem preservados, redundando em relativismo que desnuda um caráter neutro do sujeito e que, ao longo do tempo, na cultura, a vai moldando de forma a deixá-la sem qualquer pudor. O que antes era considerado imoral passa a não ser mais, dependendo da autonomia de cada um a valoração dos objetos sociais que tem algum sentido a ser preservado (ou não).

Rand não foi uma mística, uma profetiza; foi uma filósofa autêntica; em meio aos dissabores de um coletivismo comunista, especialmente o do tipo racial, preocupou-se em deixar claro que o egoísmo, às vezes, vale a pena. Rand está longe de ser arrogante, com o seu egoísmo, ou cinza, como o é o politicamente correto de hoje, em meio ao qual autoridades morais se autointitulam defensoras do Cristianismo.

Sergio de Mello

Defensor Público do Estado de Santa Catarina.

 

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As opiniões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times