Rivalidade EUA-China na Birmânia | Opinião

Por Antonio Graceffo
30/10/2024 22:55 Atualizado: 30/10/2024 22:55
Matéria traduzida e adaptada do inglês, publicada pela matriz americana do Epoch Times.

Os Estados Unidos e a China estão em desacordo em Mianmar (Birmânia), onde Pequim financia tanto o governo quanto algumas forças de resistência para proteger seus investimentos e garantir acesso irrestrito a recursos, enquanto Washington apoia o movimento democrático.

A disputa entre os Estados Unidos e o Partido Comunista Chinês (PCCh) abrange os domínios militar, diplomático e econômico e se estende por continentes, o Ártico, o espaço e os oceanos.

Mianmar está envolvido em guerra civil desde 1948 e agora serve como mais um campo onde os EUA promovem a democracia como alternativa à influência orientada pelo lucro do PCCh, que busca cooptar o enfraquecido Estado e incluí-lo na órbita de Pequim.

O conflito em Mianmar é complexo, mas em sua essência está a guerra entre o Conselho Administrativo do Estado (CAE), que assumiu o poder em um golpe militar em 2021, e várias milícias pró-democracia. O CAE é o mais recente de uma longa série de juntas militares. Em períodos anteriores, a resistência vinha principalmente de organizações armadas étnicas (EAOs), grupos formados entre as 135 minorias étnicas da Birmânia para lutar contra o governo militar. Desde o golpe que destituiu a Liga Nacional pela Democracia de Aung San Suu Kyi, a resistência expandiu-se das selvas para as cidades. Agora, as Forças de Defesa Popular (FDP), compostas tanto pela maioria burma quanto por moradores urbanos, lutam ao lado de rebeldes étnicos para derrotar as forças da junta, conhecidas como Tatmadaw. A maioria das forças do FDP e dos grupos étnicos armados agora apoia o Governo da Unidade Nacional (GUN), um governo no exílio que, pela primeira vez, inclui a participação de minorias étnicas.

O curso da guerra é cada vez mais moldado pelas influências concorrentes do PCCh e dos Estados Unidos, o que gera divisões na oposição. A economia de Mianmar está em forte declínio após anos de conflito, enquanto as forças de resistência agora controlam a maior parte do território do país, possivelmente até 80%. Apesar disso, o Tatmadaw continua lutando, ajudado por dinheiro, armas e apoio diplomático do PCCh.

Os Estados Unidos, em grande parte afastados do conflito exceto por sanções impostas ao regime, começaram a se envolver timidamente com o Governo de Unidade Nacional (GUN) na esperança de fomentar a democracia. Em contraste, a China pediu aos grupos étnicos armados que não cooperem com o GUN. Grupos como o Exército do Estado Wa Unido (UWSA), um dos mais poderosos e próximos da China, permanecem em um cessar-fogo com o governo a pedido de Pequim.

Fazendo fronteira com a China, o UWSA está entre as milícias mais ricas e bem-armadas, beneficiando-se do comércio direto com a China. Ironicamente, enquanto não participa diretamente da guerra, o UWSA fabrica armas para muitos exércitos rebeldes étnicos que lutam contra o governo. Isso alinha-se aos interesses da China, pois Pequim não favorece nenhum lado vencedor, preferindo estabilidade nas áreas próximas a seus investimentos e rotas comerciais.

A maioria dos soldados do UWSA tem nomes chineses e fala tanto Wa quanto chinês. Outros grupos étnicos ficam frustrados com a recusa do UWSA em lutar, já que sua participação poderia ajudar a virar o jogo contra o Tatmadaw. No entanto, isso contrariaria os interesses da China. Outro grupo poderoso, o Exército de Aliança Democrática Nacional de Mianmar (EADNM), faz parte da Tríplice Aliança, juntamente com o Exército de Libertação Nacional Ta’ang (ELNT) e o Exército Arakan (EA). Pequim pediu ao EADNM que pare de apoiar o GUN devido à orientação ocidental deste, que ameaça a posição estratégica da China em Mianmar.

O enviado especial da China, Deng Xijun, teria solicitado a milícias étnicas como o UWSA que evitassem apoiar o EADNM. Em uma reunião de agosto, o Ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, delineou “três linhas de fundo”, uma espécie de diretrizes a ser seguidas,  para a junta e líderes étnicos de Mianmar: evitar conflitos internos, permanecer na ASEAN e impedir interferência externa—referindo-se ao governo democrático no exílio. Em setembro, o EADNM anunciou que não colaboraria mais com o GUN e cancelou sua operação planejada para capturar Mandalay, um dos últimos redutos do governo.

Enquanto a China prioriza seus interesses econômicos e estratégicos, os Estados Unidos historicamente apoiam forças democráticas e impõem sanções aos regimes militares de Mianmar. Os EUA permitiram que o GUN abrisse um escritório de ligação em Washington, mas ainda não reconheceram oficialmente o GUN como governo legítimo de Mianmar. O GUN continua recebendo apoio de países ocidentais, incluindo apoio financeiro dos Estados Unidos e da Europa, embora este tenha se limitado a ajuda não letal.

A cooptação de Mianmar pelo PCCh para sua esfera de influência representa uma séria ameaça à segurança nacional dos EUA, ao enfraquecer a influência americana na região, prejudicar esforços de promoção da democracia e reforçar a dominância da China no Indo-Pacífico, o que desafia interesses e alianças dos EUA. O Corredor Econômico China-Mianmar (CECM), parte da Iniciativa Cinturão e Rota, ainda está em construção, mas permitirá que a China tenha acesso direto ao Oceano Índico quando concluído. Isso levanta preocupações de segurança significativas tanto para os Estados Unidos quanto para a Índia, um importante aliado regional. O CECM inclui uma ligação ferroviária da província chinesa de Yunnan a um porto construído pela China na Baía de Bengala, em Mianmar, o que potencialmente permite que a marinha chinesa interrompa rotas vitais de petróleo do Oriente Médio para o resto do mundo.

O envolvimento de Pequim no processo de paz de Mianmar e nos esforços para negociar acordos de cessar-fogo são impulsionados por seus próprios interesses, principalmente visando estabilizar a situação para proteger seus interesses econômicos. A junta anunciou planos para eleições democráticas em 2025, com o apoio da China. No entanto, é provável que isso seja apenas uma demonstração simbólica, já que observadores ocidentais esperam que as eleições sejam ilegítimas. Partidos de oposição importantes, incluindo a Liga Nacional pela Democracia, que venceu as duas eleições democráticas anteriores, foram forçados a se dissolver e estão impedidos de participar.

Se a guerra terminar algum dia, a resiliência das EAOs pode dificultar que o país tenha uma política externa unificada, já que algumas EAOs poderiam continuar se relacionando diretamente com a China. A conclusão do CECM e a contínua dominação chinesa podem transformar Mianmar em um estado vassalo da China, alinhando-o ainda mais com o eixo anti-EUA liderado pelo PCCh, que já inclui Rússia, Irã e Coreia do Norte.

 

As opiniões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times