Por Marcos Schotgues
Opinião
Na outra semana escrevi um artigo (também disponível em vídeo), comentando uma matéria da Folha de São Paulo que relata a ruptura do Itamaraty e do chanceler Ernesto Araújo com Yang Wanming e a embaixada chinesa.
Fiz questão de enfatizar que Yang não era uma espécie de rebelde que por um talento necessário ao país ou por mera sorte ascendeu na hierarquia do PCC. Tampouco trata-se de ponto fora da curva entre os diplomatas de Pequim. Teria chegado às autoridades do Brasil que ele é um quadro respeitado no Partido Comunista Chinês e, pode-se imaginar, muito porque ele segue exatamente a conduta que Xi Jinping deseja que siga. Ora, não sendo esse o caso, poderia ele estar no Brasil?
Naquela ocasião pude falar da “diplomacia do guerreiro lobo”, a Zhanlang Waijiao, da qual Yang é exemplo primoroso. Aprofundando, nesse artigo comento o DNA de Lin Biao que pulsa nas manifestações da “diplomacia do guerreiro lobo” dentro da estratégia global de Pequim.
Por ser um país pouco ciente de sua absoluta subversão pelo movimento comunista e, por serem seus próprios comunistas, à exceção de umas poucas dúzias, inconscientes de seu status de ferramenta, o Brasil talvez não compreenda o tamanho do ex-general do PCC no movimento comunista internacional.
Lin Biao está entre os mais importantes homens da história do movimento comunista. Após figurar entre os líderes da longa marcha, ele foi o estrategista chefe na remontada vermelha para cima do Kuomintang na guerra civil mandarim. Por muito tempo, ele foi tido como sucessor de Mao Tsé-Tung por diferentes alas do Partido Comunista. Sob Mao, sua publicação de frases do genocida para a leitura dos soldados abriu o caminho para a publicação do Pequeno Livro Vermelho, peça chave das manifestações estudantis de 1968 e da captura do imaginário popular pela esquerda no mundo pelas décadas seguintes. Tal obra literária, que corroeu o ocidente e o mundo em proporções inimagináveis, mas muito concretas e reais, advém também de seus esforços.
A integralidade de Lin Biao para a parte antirreformista do bloco vermelho durante a guerra-fria, e, doravante, para toda a esquerda maoísta-stalinista, pode ser melhor entendida através da sua série de artigos “Longa Vida à Vitória da Guerra Popular”.
Na obra, o general compara a Europa e a América do Norte a cidades e a Ásia, a África e a América Latina ao campo, afirmando que a mesma estratégia empregada pelo PCC na China, de dominar a campo para, a partir do controle de recursos e posições estratégicas, atacar as cidades, deveria ser utilizada mundialmente para o controle global.
Vamos nos valer do subscrito:
Na América do Sul, a China é o maior parceiro comercial do Brasil; do Chile; do Peru; do Uruguai e chegou a desbancar o Brasil como maior parceiro comercial da Argentina em diversas ocasiões, entre outros países. (Dados do Observatory of Economic Complexity, entre outras fontes)
Na Ásia e na África, o regime chinês está impondo a “Iniciativa do Cinturão e Rota”, um projeto de infraestrutura trilionário que, até o momento, encurralou em dívidas diversas nações, submetendo-as ao papel de países satélite para que Xi Jinping brinque, como num jogo de tabuleiro, de conquistar o mapa.
No Djibuti, país que ocupa localização marítima estratégica, foi implantada uma base militar chinesa.
Sistemas de vigilância acessíveis por Pequim estão sendo implantados em nações africanas, nas quais já se sabe que câmeras secretas foram postas pela China em prédios de órgãos governamentais.
Foi descoberto que a Huawei, firma de telecomunicações ligada ao exército do PCC, espionava a Papua Nova-Guiné através de um banco de dados que instalou no país por volta de 2016.
Na Argentina há uma base aeroespacial militar chinesa onde é proibida a entrada de qualquer cidadão ou autoridade local sem agendamento e autorização prévia. O regime falou que a obra é fundamental para suas ambições tecnológicas e cartográficas.
Neste contexto, embaixadores chineses já disseram a governantes de países em desenvolvimento para “escolher um lado no mundo”, se referindo ao lado chinês ou ao lado americano.
Diga-me, não assina Lin Biao o manual das relações exteriores da China?
Mas sua identidade não está só na execução. Está também no espírito da coisa. É só assistir algumas das vexaminosas gagueiras de embaixadores chineses ao serem confrontados com catástrofes humanitárias das quais são cúmplices.
Quando em 1971 Lin e sua comitiva morreram fugindo após tentar um golpe de Estado no notório “projeto 571”*, o exibiram claramente. É o espírito comumente visto nos comandados vermelhos de alto escalão: uma covardia privada, temerosa dos superiores, que se reveste de uma coragem afrontosa e falsa em público pelo bem da manutenção do status quo. Costuma ser empregado ao máximo para alimentar a carreira política e a teórica segurança dos que o interiorizam.
Em última análise, Lin Biao pode ser considerado um epítome dos “segundos homens” das hierarquias comunistas. Sua bravura em fuzilar inocentes e usar de diletantismo histórico para gabar-se de conquistas militares que borram a ficção e a realidade é a todo instante acompanhada por sua paranóia, advinda de um medo titânico de algum dia ser responsabilizado pelos crimes hediondos que integrou. Seus feitos em combate são paralelos à sua incapacidade política, que o tornou subserviente e atormentado. Ao tentar cavar uma rota de escape, foi justamente a própria cova que abriu, crendo que a lealdade o imunizaria de expurgos. Esperou de demônios a conduta de homens dignos, debilmente esquecendo que ele próprio estava mais na primeira categoria do que na segunda. Confrontado com uma situação insustentável, como todo bom comunista, recorreu à traição e ao assassinato. Como um verdadeiro “segundo homem”, foi subjugado pela história e serviu de bode expiatório aos algozes por quem vendeu a alma.
As obras ideológicas e práticas que, por medo ou malícia, ocupou a vida realizando foram contribuição ímpar, isso se não catalizador sine qua non, para que o movimento comunista internacional fosse à jugular do terceiro mundo e, por fim, ao coração do primeiro.
Seu legado mais duradouro se encontra nos e-mails diários de Yang Wanming aos seus superiores e alvos.
*Há controvérsias sobre a morte de Lin Biao. O código “571”, lido como “wu qi yi” em chinês é homônimo para “golpe de estado”. Seria o projeto de Lin para dominar o país. Após ser descoberto por Mao, diferentes versões relatam diferentes acontecimentos. A versão oficial, que mencionei no texto, relata que a família de Lin e outros envolvidos teriam embarcado um avião e fugido para a União Soviética, jamais chegando ao seu destino, com a aeronave misteriosamente caindo por falta de combustível na Mongólia. Outra versão aponta que ele foi fuzilado pelos seguranças pessoais de Mao em uma limusine após um jantar para o qual fora convidado. Lin Biao passou a vida pós-revolução sofrendo de doenças físicas e mentais. Muitos apontam que era tão veemente apoiador de Mao para tentar se livrar de expurgos e que suas ações eram passivas no governo, restringindo-se a atos de doutrinação maoista em diferentes ambientes. Sua misteriosa tentativa de golpe é apontada por especialistas como um ato desesperado vindo do entendimento de que somente assim estaria a salvo.
As visões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times.
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