O senso comum da economia política | Opinião

Por Jeffrey A. Tucker
03/09/2024 23:43 Atualizado: 03/09/2024 23:43
Matéria traduzida e adaptada do inglês, publicada pela matriz americana do Epoch Times.

O livro de economia mais vendido e mais usado no Reino Unido no início do século XX é de Philip Wicksteed (1844-1927), um grande pensador esquecido, mas com um conjunto de ideias que merece ser revisitado atualmente. Seu livro está on-line e também disponível em formato físico.

O livro é The Common Sense of Political Economy. Eu o li pela primeira vez há alguns anos, e a importância do livro me chamou a atenção. Aqui está um tratado de economia escrito no início da descoberta do grande princípio da economia moderna: a utilidade marginal.

Ele é tão poderoso e significativo quanto A Riqueza das Nações, de Adam Smith, mas é melhor em muitos aspectos. Não se trata apenas de um livro antigo e empoeirado, mas de um livro que fala diretamente sobre as grandes questões de nosso tempo. Sua clareza excede qualquer outra apresentação que já li. O entusiasmo, e até mesmo o amor, do autor pelo assunto em si é evidente em cada página. Ele é como um guia turístico em um grande castelo que acende as luzes de um cômodo após o outro e passa a explicar tudo o que há no cômodo com precisão e entusiasmo. O leitor pode detectar isso em sua prosa.

Por que ele coloca a frase “senso comum” no título? Há dois significados. Ele procurou dar uma certa unidade às opiniões e aos debates sobre economia na época. O princípio da utilidade marginal havia sido escrito e ensinado por várias décadas. Foi a grande descoberta da teoria econômica na última metade do século XIX, mas somente em 1900 tornou-se o consenso total da própria ciência. Wicksteed procurou tornar a maneira marginalista de pensar a maneira “comum”.

A segunda maneira pela qual ele usa o termo é para capturar o efeito do pensamento marginalista na mente humana. Quando você entende o princípio, o funcionamento do mundo fica mais claro para você. O que antes era misterioso parece bastante óbvio. O que antes o deixava perplexo parece perfeitamente claro. A maneira marginalista de pensar se torna, no uso mais coloquial da frase, “senso comum”.

Wicksteed escreve com a paixão de um amador (na verdade, ele era um ministro unitarista na “vida real”), mas com uma precisão que superou a de todos os economistas profissionais de sua época. Ele ainda é a exposição mais elaborada, detalhada e extensa da ideia já escrita.

Se você acompanhar o argumento dele do início ao fim, seu pensamento será permanentemente afetado. Você verá a utilidade marginal por toda parte, em todas as ações econômicas. Isso lhe proporcionará novas formas de pensar sobre preços, recursos e comportamento humano. Você terá um edifício impenetrável contra a falácia de pensar no valor de classes inteiras de bens e serviços e, em vez disso, ver o valor como exclusivamente ligado à escolha incremental da pessoa que age.

O que é marginalismo? Foi a descoberta de que o valor econômico se estende a partir da escolha incremental de uma unidade de cada vez. Por que isso é importante? Deixe-me dar o exemplo mais próximo. Tem uma xícara de café à minha frente. Eu passei o café com uma cafeteira Keurig. Cada xícara da Keurig custa US$ 1. Isso é muito ou pouco? Por um lado, é muito caro. Eu poderia pagar US$ 8 por uma lata cheia de café e fazer provavelmente 40 xícaras e pagar apenas 20 centavos por xícara.

Por que eu não faço isso? Porque minha escolha é feita na margem. Não estou avaliando todo um estoque de produtos bons. Estou fazendo meus julgamentos de valor apenas em relação a uma xícara de café que quero tomar neste momento. Essa é a unidade relevante, não alguma abstração relacionada à quantidade de café que está na loja ou nos navios vindos da África ou em todo o estoque de café que cresce nas plantações de todo o mundo. O que importa para mim ao escolher se o café “vale a pena” é a xícara que está na minha frente.

E isso explica o eterno mistério de por que as pessoas pagam de US$ 7 a US$ 10 por uma xícara de café na Starbucks que poderiam fazer em casa por uma pequena fração desse valor. Todas as compras são feitas na margem: do bem incremental que está disponível no momento e não de toda a classe de bens existentes.

O mesmo acontece com os restaurantes. Certamente já lhe ocorreu que você poderia fazer a mesma comida em casa por uma fração do preço. E a cerveja e o vinho, especialmente nos dias de hoje, estão sempre com preços muito acima do que o mesmo produto custaria na loja. Isso não é uma fraude. Todo mundo sabe disso. A questão é que as pessoas estão pagando não por toda a classe de produtos, mas pelo produto específico do restaurante, que inclui toda a experiência de estar lá.

É por isso que as margens de lucro de alguns produtos são tão altas e outras tão baixas. Isso depende da intensidade da demanda que os consumidores têm pelo bem no momento da compra. Você pode abrir mão de um aperitivo ou sobremesa porque é muito caro, mas um bebedor de cerveja não abrirá mão de sua cerveja.

É por isso que a análise de preços baseada puramente no custo pode ser tão enganosa. Sim, um mercado competitivo levará o custo marginal e o preço à identidade no longo prazo e em um modelo perfeito. Mas, na realidade, os preços são determinados no ponto de venda, não em alguma abstração que esteja fora das escolhas dos indivíduos.

O quebra-cabeça clássico que a utilidade marginal procurou resolver foi o seguinte: Por que os diamantes são muito mais valiosos no mercado do que a água, embora a água seja obviamente mais necessária para a vida? A princípio, não deveria ser o contrário?

O marginalismo resolve a questão. A escolha de um ou outro é feita com base na unidade incremental, e não na opinião de alguém sobre o valor de toda a classe de bens. Do ponto de vista da escolha humana, a água geralmente é muito mais abundante e disponível do que os diamantes, enquanto os diamantes são muito menos abundantes e, portanto, têm um valor muito maior por unidade.

A situação poderia se inverter em um contexto social diferente. Um homem morrendo de sede no deserto pagará muito mais por água do que por diamantes. É assim que os preços surgem: a escolha no momento da tomada de decisão a favor ou contra o incremento do que está disponível no momento.

A teoria da utilidade marginal resolve muitos outros mistérios aparentes. Por que filmes que custam dezenas de milhões para serem produzidos estão disponíveis para download por apenas alguns dólares ou até mesmo de graça, enquanto videogames que podem custar apenas alguns milhares para serem produzidos têm preços de US$ 50 e US$ 100? A resposta é que o usuário não está fazendo julgamentos com base no custo de produção, mas apenas no valor de uso de uma unidade para ele no momento da tomada de decisão.

O marginalismo também ajuda a explicar os quebra-cabeças salariais. Por que os encanadores ganham muito mais dinheiro do que as babás, embora as babás estejam guardando e protegendo a vida humana e os encanadores estejam apenas desentupindo ralos? A babá pode, de fato, ter uma grande utilidade total para a sociedade, mas o mercado faz julgamentos na margem. Seus serviços são muito mais fáceis de obter, enquanto os serviços de encanamento são relativamente mais escassos. Os consumidores não se preocupam com a utilidade total; eles se preocupam em obter o serviço na única ocasião em que precisam dele. Essa decisão é o que determina o preço.

Essa percepção aborda ainda mais questões salariais que, de outra forma, deixariam as pessoas confusas. Por que um astro do basquete, que parece não fornecer nada necessário à vida humana, ganha muito mais dinheiro do que um professor de leitura, que está ensinando uma habilidade crucial? Novamente, não é a utilidade total da tarefa que importa para a economia, mas a utilidade da escolha incremental da pessoa que está agindo.

Por que os restaurantes abrem nos feriados e os bancos fecham, quando certamente os bancos prestam um serviço mais exclusivo à sociedade e qualquer pessoa pode cozinhar em casa a qualquer momento? A resposta é que os restaurantes obtêm lucros maiores na margem de lucro nos feriados, quando as pessoas querem sair para comer, enquanto os bancos descobriram que suas margens de lucro são melhores se abrirem quando as pessoas tendem a fazer suas operações bancárias, o que não acontece nos feriados.

O marginalismo ajuda a esclarecer muitos outros conceitos econômicos, como custo de oportunidade (o custo real de qualquer coisa é o que você abre mão para obtê-la), valor subjetivo (o valor econômico reside na mente humana, não no bem físico), utilidade marginal decrescente (quanto mais de cada unidade adicional você compra, menos está disposto a pagar por ela) e a relação entre custo e preço (o custo de um bem nunca dita seus preços de mercado; na verdade, o inverso é verdadeiro). Ela fornece informações sobre quase todos os aspectos do comportamento humano. Quando você começa a pensar sobre a margem, as escamas realmente caem de seus olhos.

O marginalismo também revela o que há de errado com certas ideias de políticas, como a tributação de ganhos não realizados de capital, que foi lançada recentemente. A avaliação desses impostos requer a atribuição de valor a uma classe de bens que não está sendo ativamente comercializada e, portanto, não é valorizada pelos agentes do mercado real. Dessa forma, essas avaliações não têm sentido. Se você tem um quadro a óleo sofisticado na parede que se acredita estar aumentando de valor, você deveria ser tributado a cada ano, mesmo que nada tenha mudado fisicamente nele? Isso não faz sentido.

Essa política acabaria por reduzir o valor de todo o capital, mesmo sem negociações ativas. Ela incorporaria em todas as propriedades uma avaliação para baixo que corrigiria os supostos impostos mais altos que seriam acumulados. Esse é um caminho para perdas de capital em massa, essencialmente uma pilhagem de valor mesmo sem negociação. Esse imposto representa um repúdio completo à ideia de utilidade marginal.

Você perceberá que o livro de Wicksteed é gigantesco. Mas também é um prazer lê-lo, pois seu entusiasmo é contagiante. Talvez você seja como eu e passe a admirar e gostar genuinamente do homem por trás da prosa. Aprecio seu espírito de descoberta e exposição. É absolutamente maravilhoso que Wicksteed possa falar conosco novamente, um século e 14 anos após a publicação de sua obra-prima. É uma tarefa grande, mas digna, fazer esse passeio pela realidade econômica com ele. O marginalismo se tornará sua maneira de ver o mundo com “bom senso” quando você terminar.

 

As opiniões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times