O marketing de lacração deixa claro o campo de tensão: a implicância é com o homem branco

08/10/2020 21:58 Atualizado: 08/10/2020 21:58

Por Instituto Liberal

Parece que a Defensoria Pública da União, atuante na justiça do trabalho, decidiu colocar a primeira pazinha de cal para, ao depois, cimentar o programa de trainees das Lojas Magazine Luiza, implementado apenas para candidatos negros, ao ter ajuizado uma ação civil pública no Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. A referida ação judicial conta com pedido de liminar para suspender o programa referido acima até julgamento definitivo da demanda, que deverá obrigar a loja a deixar de limitar as inscrições para o programa de trainee por meio de critérios discriminatórios. Ao seu fim, em conformidade com o pedido judicial aforado, ainda deve haver pagamento de indenização por danos morais coletivos que pode chegar à cifra de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).

A meu ver, parece que estamos vivenciando, na pele, certa postura discriminatória que vai de encontro a direitos e princípios constitucionais de quem é tido como o vilão da opressão da comunidade negra: os brancos. Uma afirmação se impõe retirada das entrelinhas do programa: já que o branco é tido como o principal algoz na luta negra contra o racismo, a pessoa de cor branca agora é a bola da vez, gerando um campo de tensão quiçá infinito.

Temos alguns dados de antemão, principalmente de ordem empírica. Faz-se menção ao termo branquitude, com esse mesmo tom pejorativo, usado para significar o malvado.

Sou defensor público não atuante na justiça do trabalho; porém, é perceptível que o referido programa é excludente, embora sua intenção seja diversa, para mais inclusão, como informado às claras pela própria empresária em entrevista neste dia 05 de outubro, segunda-feira, no programa Roda Viva.

Em sede trabalhista ou não, é certo afirmar que o programa mais exclui pessoas do círculo empregatício do que promove a inclusão, como disse. Porém, a questão não se encerra com um pano de fundo meramente trabalhista, como se questões sociais das mais importantes, como o são as que se relacionam à inclusão e exclusão de pessoas apenas por sua cor de pele, devessem ter seu conteúdo e resolução limitado a uma vaga de emprego. Não. A ferida é mais profunda.

A dicção implícita da análise de tal situação, então, perpassa o cerne trabalhista para adentrar em foro de direitos humanos. Como não existem direitos humanos apenas para uns e não para outros, pouco importando qualquer sinal identitário mais ou menos especial, natural que haja inversão dos polos passivos e ativos, numa infinita inversão de credor e devedor até que um belo dia esse impasse seja, definitivamente, resolvido. Se é que o será.

Então, o chamado racismo reverso, com esse nome, surge como um patinho feio no meio de um cenário que se diz estrutural de racismo contra as pessoas negras. Ele existe ou pode existir com o mesmo nome por que ele foi batizado para imputar aos brancos o ataque aos negros, ou seja, simplesmente racismo! A mesma discriminação em tratamento de direitos que o negro sofre o branco e demais pessoas também sofrem, dele também são vítimas. É isso.

Voltando ao malfadado programa, nele não há programa de cotas, mas seleção exclusivamente baseada na cor de pele, proceder que viola expressamente a Constituição Federal, que inadmite discriminação pela cor de pele para admissão de empregados.

A Constituição estabeleceu, como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, caput e IV). Muito embora o Estatuto da Igualdade Racial, Lei n. 12.288, de 20 de julho de 2010, tenha sido destinado à população negra, como decorre de seu próprio texto no art. 1º, ele deve ser aplicado para qualquer pessoa. Ao Estatuto da Igualdade Racial, portanto, deve ser dada interpretação conforme a Constituição para trazer isonomia ao caso concreto, aplicando a mesma lei dos negros para as demais pessoas de outra cor de pele, sem retirá-la do ordenamento jurídico.

Ao promover o programa excludente, a sua promovente encerrou por destituir de direitos legítimos demais pessoas que se distinguem dos negros, ignorando que neste imenso Brasil existem vários brasis. Além de ferir o princípio da proporcionalidade e razoabilidade, na medida em que não soa razoável a admissão fora do sistema de cotas, desigualando demais pessoas do ambiente laboral. Isso só para ficar na questão trabalhista…

Aristóteles já disse que a virtude é tímida e não vem mascarada por um comportamento de marketing empresarial, o qual pode e já está virando tendência exclusiva.

Neste ponto, basta um simples olhar para o futuro e perceber que, considerando a hybris humana de tratar coisas sem a devida ponderação, se a moda pega, não é de se admirar que teremos mais exclusão do que inclusão.

*Sergio Renato de Mello atua na Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina.

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