O enigma de estar morto no Peru

Por Gonzalo Domínguez Loeda e EFE
19/10/2022 15:00 Atualizado: 19/10/2022 15:00

Uma das buscas mais repetidas nos dias de hoje no Peru é “como saber se estou vivo?” A questão não é apenas existencial, porque, no censo oficial, apareceu o registro de milhares de mortes falsas que afetaram o presidente ou o procurador-geral e até questionaram os dados sobre mortes por COVID.

E os supostos mortos até votaram sorrindo para as câmeras. Um dos “falecidos” foi três vezes candidato presidencial Keiko Fujimori.

Em 2 de outubro, dia das eleições locais e regionais, a filha e herdeira de Alberto Fujimori foi votar e, como mandam os cânones, sorriu duramente aos flashes e apresentou seu voto.

Apenas 13 dias depois, Keiko anunciou que havia sido registrada em fevereiro passado como falecida no portal do Registro Nacional de Identificação e Estado Civil (Reniec). Quero dizer, ela votou (e twittou) enquanto estava oficialmente morta.

“Peço que tomem as medidas corretivas no caso, porque além dos problemas de segurança do banco de dados Reniec, os cidadãos não devem ser expostos e prejudicados dessa forma”, afirmou Fujimori ao responsável pelo Reniec.

Um procurador no meio da tempestade

O escândalo vem crescendo dia após dia, mas estourou com o falso registro da morte da procuradora-geral, Patricia Benavides, apenas dois dias após ela apresentar uma queixa constitucional contra o presidente Pedro Castillo,  também “decapitado” no Reniec.

O caso Benavides foi denunciado pelo próprio Ministério Público e respondido imediatamente pela chefe do Reniec, Carmen Velarde, que rejeitou essa manipulação de registros oficiais em entrevista coletiva e solicitou a intervenção do Congresso.

Em sua opinião, foi cometido um “crime organizado que está violando” o sistema.

Ela pediu ajuda, mas não explicou como é possível que hackers, sabotadores ou simples curingas tenham conseguido acessar o censo oficial do Peru dessa maneira.

Além das piadas e memes que inundam as redes nos dias de hoje, a preocupação de muitos peruanos é séria, já que o Reniec é o órgão autônomo encarregado de identificar os cidadãos.

O Documento Nacional de Identidade (DNI) de cada peruano sai de seus escritórios e, nele, são registrados nascimentos, casamentos civis, óbitos ou divórcios, entre outros, de modo que os problemas jurídicos decorrentes de estar oficialmente morto são inúmeros.

Além disso, durante os processos eleitorais, fornece o padrão que é usado nas eleições.

Portanto, essa catástrofe do registro pode causar problemas com herança, gestão de hipotecas, procedimentos bancários e, claro, roubo ou fraude eleitoral.

Velarde já disse que este plano, cujos autores são completamente desconhecidos e não deu detalhes do alcance, busca “prejudicar as autoridades” e visa diretamente o Ministério da Saúde, que dá aos médicos as senhas para registrar as certidões de óbito.

“É uma questão de médicos emitirem atestados (de óbito), 80% do processo é baseado nisso”, enfatizou.

Pouco depois de fazer essas declarações, vários meios de comunicação vazaram um documento que provava que o presidente Castillo também parecia morto e “decapitado”, como se fosse uma daquelas estátuas de Colombo assediadas por vândalos.

Também aumentou a pressão sobre a tensa política nacional. Alejandro Sánchez, procurado pelas autoridades como parte de uma das investigações abertas contra Castillo, também apareceu temporariamente como falecido e levantou todo tipo de suspeitas.

Nas eleições locais também não faltou tempero, já que o ultraconservador Rafael López Aliaga, eleito prefeito de Lima, também denunciou que foi registrado como falecido.

O Reniec tem a oportunidade de lhe dar uma alegria e confirmar que voltou à vida agora que o Escritório Nacional de Processos Eleitorais (ONPE) ratificou o resultado eleitoral na noite de terça-feira, 16 dias após as eleições.

E a COVID?

Segunda-feira parecia um dia feliz no Peru. Por fim, e desde o início da pandemia, as autoridades tornaram público que o país não registou uma única morte por COVID-19 em 24 horas.

No entanto, a alegria durou pouco no país com a maior taxa de mortalidade do mundo pela doença causada pelo novo coronavírus: o registro foi fechado por conta da crise.

Agora, o Reniec ordenou a desativação do registro de óbitos, de modo que não há registro de óbitos há três dias, inclusive os causados ​​pela COVID-19.

A modificação até roubou dos peruanos a alegria de fazer uma pausa na pandemia e os levou a se perguntar a pergunta com a qual a humanidade começou: penso, logo existo?

As opiniões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times.

 

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