O governo da Alemanha enfrenta uma crise que não só marcou o fim antecipado da coalizão semáforo, composta pelos Verdes, Liberais (FDP) e Sociais-Democratas (SPD), mas também abriu um capítulo de incertezas no cenário político europeu. Desde sua formação, a coalizão se revelou problemática, com grandes divergências em suas agendas. Os Verdes pressionavam por ações climáticas urgentes, os Sociais-Democratas buscavam uma transição gradual para garantir os direitos trabalhistas, enquanto os Liberais do FDP insistiam em cortes fiscais e uma redução da intervenção estatal.
Para mais detalhes deste contexto, sugiro a leitura do meu artigo anterior.
A ruptura ocorreu em um contexto global turbulento. No dia seguinte à reeleição de Donald Trump, que foi uma grande surpresa para a maioria dos alemães, o chanceler Olaf Scholz anunciou a demissão do ministro das Finanças, Christian Lindner (FDP), dando fim à coalizão. Com isso, o caos político se instaurou, levando o presidente alemão Frank-Walter Steinmeier a convocar eleições antecipadas para 23 de fevereiro. O cenário se agravou com desafios econômicos globais e a postura mais dura de Trump nas questões comerciais, particularmente em relação às tarifas sobre produtos europeus, afetando diretamente a já enfraquecida indústria alemã. Além disso, a pressão internacional por uma postura mais ativa da Alemanha na guerra da Ucrânia também se intensificou.
O impacto do tweet de Elon Musk
No meio desse turbilhão político, uma nova figura entrou na cena: Elon Musk. O bilionário da tecnologia causou grande repercussão ao declarar que o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) seria “a última esperança” para o país. O tweet gerou intensas discussões na mídia alemã, com todos os principais veículos destacando a polarização do comentário. Alguns analistas apontaram que a declaração de Musk reforçaria um movimento conservador global, enquanto outros minimizaram seu impacto, enfatizando a resistência do eleitorado alemão a influências externas.
A líder do AfD, Alice Weidel, aproveitou a oportunidade para alinhar seu partido ao que chamou de “nova liderança americana”, sugerindo uma aproximação com Musk. As pesquisas recentes indicam que o apoio de Musk talvez já tenha tido impacto nas pesquisas, com um aumento, ainda que dentro da margem de erro, de intenções de voto para o AfD. O partido se encontra no momento com 20 a 21,5% dos votos, o dobro do obtido na eleição anterior. A associação com Musk fortalece a imagem do AfD entre setores conservadores e liberais que buscam alternativas à estagnação política dos partidos tradicionais, como o CDU e o SPD.
O desafio das coalizões e a possível ascensão do AfD
Com a eleição de 23 de fevereiro se aproximando, a Alemanha se vê diante de uma fragmentação política sem precedentes. O CSU (partido irmão do CDU com atuação apenas no estado da Baviera) de Markus Söder excluiu publicamente a possibilidade de uma coalizão com os Verdes, enquanto a aliança somente entre o SPD e o CDU parece improvável, dado que somariam, de acordo com as últimas pesquisas, menos de 50% dos votos. Isso torna mais provável uma coalizão tripartite entre CDU, SPD e Verdes – ou mesmo CDU, SPD e FDP, caso este último consiga obter os 5% necessários para entrar no parlamento – embora essa união frágil possa resultar em um governo sem capacidade para implementar reformas essenciais.
Este cenário, de diferentes plataformas políticas nos partidos que governam, gera um crescente descontentamento no eleitorado. A incapacidade dos partidos estabelecidos de resolver questões cruciais — como a crise energética e a gestão migratória — só aumenta o apelo do AfD, que se apresenta como uma alternativa “fora do sistema”. Caso a tendência continue, o AfD pode emergir ainda mais fortalecido, seja nas eleições de fevereiro ou em pleitos futuros.
A influência do chamado conservadorismo global
O movimento conservador global, do qual Musk é uma das figuras mais influentes, parece ganhar força na Alemanha, refletindo uma mudança na “janela de Overton”, conceito utilizado para descrever o conjunto de ideias aceitáveis em um dado momento. Os próprios alemães possuem um termo para designar ideias que podem circular facilmente na sociedade: Salonfähig. As frases de Musk têm tornado algumas ideias, antes inaceitáveis no debate público, Salonfähig, ou seja, capazes de circular nos salões da sociedade. Por mais que a aproximação de Musk com Alice Weidel, líder do AfD, não tenha tido, até o momento, um enorme impacto nas pesquisas eleitorais, tem o efeito de levar o debate público mais para a direita, tornando viáveis opiniões antes marginalizadas.
Embora a liderança alemã tenha se esforçado para manter o AfD fora do poder, o caso austríaco — onde o partido tido como extrema-direita FPÖ, análogo do AfD, tornou-se o maior partido e ingressou em uma coalizão com os conservadores tradicionais do VPÖ, análogo do CDU — oferece um indicativo de que barreiras similares podem não ser intransponíveis ad aeternum.
E já há acenos do CDU para o AfD, ao menos em termos de plataformas. Friedrich Merz, líder do CDU e atual candidato a chanceler, sugeriu a revogação da nacionalidade de pessoas que cometam certos crimes na Alemanha, desde que possuam uma segunda cidadania. Embora a proposta seja flagrantemente inconstitucional e praticamente inviável, ela funciona como um gesto simbólico do CDU, sinalizando uma postura rígida contra criminosos estrangeiros, mesmo quando naturalizados. Esse movimento também revela uma convergência entre as plataformas de campanha do CDU e do AfD, apontando para uma possível aproximação política.
Lendo a sorte do futuro da política alemã
Fazendo previsões para o futuro político da Alemanha, seria mais provável que o CDU formasse uma coalizão com o SPD, já que as alternativas mais amplas são inviáveis devido às desconfianças mútuas entre as principais forças políticas do país. Contudo, a grande incógnita permanece: será essa combinação suficiente para garantir a estabilidade política? Se não, uma coalizão tripartite (composta de CDU, SPD e Verdes ou CDU, SPD e FDP) seria o caminho mais provável, embora com o custo de uma governança fragmentada e instável.
Esse cenário de ineficácia governamental pode ser o combustível para uma maior ascensão do AfD, impulsionado pelo descontentamento da população com os partidos tradicionais. O que está em jogo é um realinhamento ideológico que pode redefinir a política alemã nas próximas décadas.
Como a história tem mostrado, o futuro da Alemanha está longe de ser previsível — e o impacto de figuras como Musk e Trump pode ser apenas o gatilho para uma transformação mais profunda e duradoura no panorama político do país.
As opiniões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times