Durante a indomável era do velho-oeste americano, Samuel Colt alterou a trajetória da humanidade com uma invenção revolucionária: o famoso revólver Colt, que dispensava recarga a cada disparo. Antes dele, a força física, o tamanho e a habilidade com armas rudimentares definiam o poder de cada pessoa em uma terra sem lei, após, o jogo foi nivelado.
Em alusão à inovação tecnológica, surgiu um adágio emblemático: “Deus criou os homens, mas Coronel Colt tornou-os iguais”.
A afirmação intrigante refere-se ao impacto transformador da tecnologia e reflete o seu potencial de mudanças nas dinâmicas sociais, o revólver de Colt homogeneizou o poder e se tornou um Grande Equalizador. A opressão e brutalidade dos fora da lei cedeu lugar à igualdade de forças; a partir de então, qualquer pessoa, até a mais tímida das donzelas, poderia comandar respeito com um revólver Colt em sua bolsa.
Eis que, nos dias de hoje, surge mais uma tecnologia com potencial para transformar as dinâmicas sociais: a Inteligência Artificial (IA).
Nos últimos meses, a IA tem sido protagonista em manchetes pelo mundo, causando espanto e admiração em todos que se atentam às suas novidades. Um exemplo notório é o ChatGPT, cujo modelo mais recente é capaz de responder perguntas técnicas sobre medicina, direito e engenharia com mais precisão e rapidez que muitos especialistas.
Enquanto alguns enxergam apenas um brinquedo tecnológico, outros temem a substituição de suas ocupações por máquinas. Especialistas em IA alegam que nossos trabalhos estão em risco e preveem uma crescente desigualdade e concentração de renda nas mãos das grandes empresas de IA. Contudo, após estudar e lecionar sobre o assunto, discordo dos especialistas e visionários da tecnologia.
Vislumbro um futuro diferente, onde a IA pode ser um novo Grande Equalizador, equilibrando a produtividade tanto internamente em nosso país, quanto externamente entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento. Para entender minha perspectiva, abordaremos a seguir algumas questões fundamentais sobre o fenômeno que surpreendeu o mundo:
O que é Inteligência Artificial
A Inteligência Artificial (IA) é o ramo da ciência da computação que busca criar sistemas capazes de aprender, raciocinar e tomar decisões de maneira similar à humana. Após décadas de estagnação, essa tecnologia avança a passos largos, impulsionada por computadores mais poderosos, algoritmos sofisticados e volumes crescentes de dados disponíveis. Hoje, de assistentes virtuais a diagnósticos médicos, a IA permeia nosso cotidiano e transforma diversas indústrias.
Existem dois tipos principais de Inteligência Artificial (IA): a IA Fraca e a IA Forte.
A Inteligência Artificial Fraca, também conhecida como IA Específica, é aquela com a qual já nos acostumamos em nosso cotidiano, sendo projetada para executar tarefas específicas com alta eficiência. Alguns exemplos incluem algoritmos de reconhecimento facial, corretores ortográficos automáticos, sugestões de filmes em plataformas de streaming e curadoria de conteúdo em nossos feeds nas redes sociais.
Por sua vez, a Inteligência Artificial Forte, ou IA Geral, refere-se a um sistema capaz de resolver problemas em várias áreas, com capacidades semelhantes à cognição humana. Essa IA teria a habilidade de aprender e aplicar conhecimentos, e, potencialmente, agir de maneira autônoma. Estamos cada vez mais próximos das IAs Fortes, especialmente com o avanço dos modelos de linguagem de grande escala, como o GPT-4. Embora esses modelos de linguagem tenham sido inicialmente desenvolvidos para compreender e gerar textos, ou seja, atuando como uma Inteligência Artificial Fraca ou Específica, eles têm demonstrado progressivamente indícios de Inteligência Artificial Geral.
Fortes ou fracas, as Inteligências Artificiais geralmente utilizam técnicas como o “aprendizado de máquina” (machine learning) e do “aprendizado profundo” (deep learning), no qual redes neurais artificiais imitam o funcionamento do cérebro humano para reconhecer padrões e tomar decisões, para conseguirem aprender e melhorar a partir de dados e experiências anteriores.
Nesse contexto, as Inteligências Artificiais já têm um enorme impacto nas economias modernas, mas é fundamental compreendermos suas características e limitações.
O que não é Inteligência Artificial
Apesar do impressionante progresso recente no ramo de Inteligência Artificial, é importante reconhecer o que ela não é, para evitar equívocos e expectativas sem fundamento.
Inicialmente, as inteligências artificiais ainda não constituem entidades dotadas de consciência. Apesar de serem instrumentos sofisticados, carecem de emoções e intenções próprias, estando restritas aos dados que as treinaram, à rapidez de seus processadores e à programação que as definem. Assim, não devemos atribuir características humanas ou as considerar como seres com vontades autônomas.
Além disso, a IA não é infalível, pelo contrário. Os sistemas de Inteligência Artificial são tão precisos quanto os dados e algoritmos em que se baseiam. Frequentemente, as Inteligências Artificiais cometem erros, principalmente quando lidam com dados inconsistentes, tendenciosos ou insuficientes. A responsabilidade pela qualidade dos dados e pelo treinamento adequado dos sistemas recai sobre os seres humanos, que devem zelar por sua confiabilidade e segurança, e que também são passíveis de erros.
Também é preciso lembrar que a IA não é uma solução mágica ou universal. A aplicação da Inteligência Artificial A varia de acordo com o contexto e com os objetivos de seus usuários. Nem todas as situações se beneficiam igualmente da IA, e é crucial avaliar os custos, benefícios e implicações éticas de cada aplicação antes de adotá-la – frequentemente, uma planilha de excel e um simples código de programação apresentarão soluções mais baratas e eficientes do que uma rede neural artificial.
Por fim, é importante frisar que a IA não é inerentemente boa ou má. Ela é uma ferramenta poderosa que pode ser usada para diversos fins, a depender das intenções e práticas dos indivíduos e organizações envolvidos. Tudo isso, contudo, não retira o mérito de algumas preocupações relacionadas com essa tecnologia.
O medo razoável do avanço da Inteligência Artificial
O avanço da IA gera preocupações legítimas, que merecem atenção e discussão. Um dos temores mais imediatos é a questão da privacidade, já que sistemas de IA podem coletar, processar e armazenar grandes quantidades de dados pessoais, potencialmente comprometendo a confidencialidade e a segurança das informações – foi por razões como essa que a operação do ChatGPT foi suspensa na Itália no final de março de 2023.
Além disso, a IA pode ser utilizada para facilitar atividades ilícitas, como fraudes financeiras, espionagem cibernética e disseminação de notícias falsas, tornando-se um instrumento poderoso nas mãos de criminosos e grupos mal-intencionados. No Texas, por exemplo, noticiou-se que criminosos foram bem-sucedidos em enganar os pais de um cidadão, simulando a sua voz por um aplicativo de Inteligência Artificial e requerendo-lhes dinheiro.
No campo econômico, a automação e a substituição de empregos por sistemas de IA geram apreensão entre trabalhadores, que temem perder seus postos para máquinas mais eficientes.
Porém, é na esfera do risco existencial que os temores em relação à IA ganham contornos mais dramáticos. A possibilidade de desenvolver sistemas de IA com objetivos mal alinhados aos interesses humanos, ou de criar uma superinteligência que supere a capacidade humana de controle e compreensão e que se volte contra a própria humanidade, alimenta debates acerca da necessidade de cautela e planejamento no desenvolvimento dessa tecnologia.
Diante desses desafios, é crucial reconhecer que o debate sobre a IA não deve ser pautado pelo medo, mas sim pela busca de soluções equilibradas que permitam a exploração de seu potencial benéfico, enquanto se minimizam os riscos e se estimula a segurança e o bem-estar da humanidade, conforme proponho a seguir.
O Grande Equalizador Interno
Em um país de desigualdades tão acentuadas como o Brasil, a Inteligência Artificial tem o potencial de ser um divisor de águas. Ao contrário do que muitos especialistas afirmam, a implementação da Inteligência Artificial não precisa ser sinônimo de ampliação do abismo social. A meu ver, pode ser justamente o contrário: uma ferramenta poderosa de inclusão e equilíbrio no acesso a oportunidades e recursos.
A IA já provou ser capaz de transformar setores como saúde e educação, áreas em que a disparidade entre as classes sociais no Brasil é notória. Com sistemas de IA eficientes, podemos popularizar o acesso ao ensino de qualidade, alcançando estudantes em regiões remotas com o mesmo rigor e excelência das escolas mais prestigiadas. A medicina também pode se beneficiar dessa tecnologia, com diagnósticos baratos e precisos, tornando a saúde de qualidade acessível a mais pessoas.
Mas é na dimensão econômica que ferramentas como ChatGPT parecem ter o seu maior potencial de transformação nas dinâmicas sociais. Um rigoroso estudo do MIT, uma das instituições de ensino mais renomadas do mundo, lança luz sobre um aspecto crucial da tecnologia: os trabalhadores menos qualificados têm sido os mais beneficiados pelo uso do ChatGPT em comparação aos mais qualificados. Embora todos os trabalhadores, qualificados ou não, observem incrementos de produtividade, o uso de ferramentas de AI tende a reduzir a lacuna de desempenho entre os diferentes funcionários.
Se no velho oeste, antes da invenção do revólver de Colt, o sucesso era dos mais fortes, hoje, o sucesso é dos mais produtivos. Contudo, a inovação tecnológica novamente tem o poder de nivelar o jogo, pois independentemente da capacidade intelectual, origem ou educação dos funcionários, os grandes modelos de linguagem tendem a equalizar a produtividade dos diferentes trabalhadores em níveis mais altos, atenuando a pobreza e a desigualdade social.
O novo adágio poderia ser “Deus criou os trabalhadores, mas a IA tornou-os iguais”.
Com o apoio adequado e com a capacitação nas ferramentas de IA, trabalhadores menos qualificados podem utilizar da Inteligência Artificial para elevar seu desempenho, aprimorar habilidades e, consequentemente, alavancar seus rendimentos, mas o potencial de transformação não se encerra por aí.
O Grande Equalizador Externo
A Inteligência Artificial traz consigo um potencial revolucionário não apenas no cenário interno, mas também no contexto internacional. Diferentemente de revoluções tecnológicas anteriores, como a invenção dos motores a vapor, das grandes indústrias, dos automóveis, da cara infraestrutura de energia elétrica e internet, os grandes modelos de linguagem apresentam uma característica singular: o baixo custo de importação das ferramentas e uma curva de aprendizagem amigável, que permite a sua utilização por praticamente qualquer pessoa.
Além disso, existem indícios de que as barreiras de entrada para novas empresas oferecerem serviços como o do ChatGPT não sejam tão grandes. É isso o que parecem indicar pesquisadores de Stanford, que demonstraram ser possível replicar um modelo recente do ChatGPT da OpenAI por meros 600 dólares. Esse é um indicativo de que sistemas de IA podem ser facilmente reproduzidos em outras nações, com o potencial para serem um grande equalizador na produtividade entre países, diminuindo a distância entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento. Esse fenômeno, análogo ao equalizador interno, tem implicações significativas para o equilíbrio de poder e riqueza no cenário global.
Países em desenvolvimento, como o Brasil, podem se beneficiar dessa facilidade de acesso às ferramentas de IA para alavancar sua produtividade e competitividade, reduzindo a desigualdade global e promovendo um crescimento econômico mais sustentável e inclusivo.
Entretanto, para que a IA seja de fato um Grande Equalizador, é imprescindível que a sociedade civil, as empresas e o governo trabalhem em conjunto, permitindo o acesso à tecnologia e a capacitação necessária para que ela seja devidamente utilizada. Apenas assim será possível colher os frutos dessa revolução tecnológica, fazendo da Inteligência Artificial um verdadeiro agente de transformação social no Brasil. Além disso, a cooperação internacional e o compartilhamento de conhecimentos também desempenham um papel fundamental nesse processo.
Com a Inteligência Artificial como aliada, nações em desenvolvimento têm a oportunidade de superar barreiras históricas e se tornarem protagonistas no cenário global, caso consigam adotar e aproveitar dessa nova tecnologia. Tal como os fracos e oprimidos no velho-oeste passaram a ser temidos pelos opressores quando todos tiveram acesso ao revólver Colt, possivelmente a Inteligência Artificial nos permitirá alcançar um desenvolvimento e nível de riqueza parecido com os países de primeiro mundo. A Inteligência Artificial, portanto, pode ser um novo Grande Equalizador, que o mundo tanto precisa, mas somente se estivermos prontos e dispostos a explorar seu potencial e trabalhar por um futuro melhor.
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As opiniões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times