Françaquistão e o multiculturalismo

21/10/2020 20:48 Atualizado: 21/10/2020 20:48

Por Pedro Henrique Alves, Instituto Liberal

A Europa viveu mais um atentado muçulmano na última sexta-feira (16/10). Um professor de história, Samuel Paty, de 47 anos, da escola Conflans Saint-Honorine, da cidade Eragny, foi decapitado por um homem de 18 anos, na frente de todos, a poucos metros da entrada da referida escola. O seu crime? Passou à classe um cartoon que retratava satiricamente Maomé. Retratar Maomé proibido pela lei islâmica e, logo mais, será também pela lei francesa ― querem apostar? Segundo a Associated Press, o professor que ministrava uma aula de Liberdade de Expressão ― toda ironia demoníaca, aqui, seria pouca ―, OUSOU abrir um debate sobre caricaturas de Maomé e a liberdade de expressão. Que insolente, não…

Segundo a RFI, uma das rádios de informação mais famosas da França, a caricatura apresentada pelo professor assassinado foi a mesma criada pelos satiristas da revista Charlie Hebdo em 2015. Tal caricatura de Maomé se mostra mais uma vez o preço da liberdade que a França ainda não soube digerir. Segundo alguns amigos professores de humanidade ― tendentes à esquerda ― que consultei para escrever este ensaio, a caricatura é “profundamente agressiva” e “desperta instantaneamente uma reação violenta das classes islâmicas”. Mas, sei lá, baseado em meus valores ocidentais, penso que independentemente do que estava retratado no desenho, tal fato não justifica uma decapitação de alguém.

O país da guilhotina ― historicamente afeita a decapitações― corretamente está espantada e, talvez, somente agora começa despertar e perceber aquilo que Michel Houellebecq mostrou em seu romance: Submissão. Aliás, no referido livro, o personagem principal também é um professor, porém, mais inteligente que o decapitado, se converteu antes que perdesse a cabeça. O livro mostra uma França de costumes muçulmanos que, deixando-se envolver anteriormente por uma cultura de acultura e amorfasidade, por corpos sociais sem faces e culhões, por covardias éticas tomadas como virtuosa sofisticação geopolítica, logo descambou num pantanoso “nada” existencial de um povo sem alma. E quando o “nada” é tudo que há para alicerçar uma nação e suas psicologias, logo a primeira tradição esperta assume o vácuo deixado pela covardia dos fracos antecessores; ora, quando o trono é deixado deliberadamente vago, o primeiro que senta nele se faz rei.. A grande lição que Houellebecq deixou para França contemporânea foi a seguinte: quando o plantio é de covardia, não se pode colher menos que submissão.

A situação assustadora da decapitação do docente, deveria naturalmente suscitar uma questão simples àqueles que temem pela sanidade civilizacional: “será que o islamismo não é ele mesmo pernicioso”?

Vejam, cabe salientar que eu separo os indivíduos dos dogmas que eles professam ― religiosos e/ou políticos ―, e por isso mesmo, apesar de julgar que um esquerdista é um “porre” existencial e que sua ideologia é um lixo humano, eu nunca saí por aí decapitando psolistas.

Isto, inclusive, nem deveria ser motivo de orgulho, afinal, trata-se daquilo que Christopher Dawson chamou de “maturidade civilizacional” em Criação do Ocidente. Isto é: o ato de não tirar cabeças de pessoas porque elas pensam diferente de nós ― ou porque elas ousam desenhar profetas alheios.

A antiga França ― atual Françaquistão ― orgulha-se de seu multiculturalismo, essa paleta multiforme de culturas, um arco-íris de bondade humanista, de ursinhos carinhosos e etnias fofinhas vivendo harmoniosamente sob a benção da ONU. Hoje, no final desse arco-íris, encontra-se uma cabeça decapitada, outrora encontrava-se inúmeros corpos baleados, outros explodidos e esfaqueados. E por aí vai… Mas não se animem, homens que não decapitam terceiros, pois a narrativa fofinha e multiculturalista vai continuar sim senhor, o islã continuará sendo a religião do amor, o problema europeu continuará sendo o patriarcalismo de matriz cristã, e os héteros que não concordam com pronomes neutros. A realidade que lute…

Um dos homens que mais conhecem a mentalidade muçulmana, Robert R. Reilly, afirma em A mentalidade muçulmana, publicada pela editora LVM, que o islã é violento e tirânico por convicção interna e escolha histórica. A própria estrutura assumida pelos líderes do islã, entre o século IX e XI, abdicando da influência da filosofia nas reflexões teológicas e sociais, ossificou a mentalidade dos seguidores de Maomé num dogmatismo intransponível. O americano ainda afirma que, um dos motores mentais de obediência e fidelização dos seguidores do islã, é o ódio incessante ao “Ocidente cristão”.

Explica Reilly que, a vitória política e religiosa da seita asharita sobre a mutazalita foi a causa histórica do dogmatismo islâmico que ainda hoje vivenciamos ― os franceses que o diga. O líder espiritual dos asharitas, al-Ghazali, a quem Roger Scruton define como “filósofo e teólogo brilhante”, acreditava que a razão questionadora criada pela filosofia grega era a causa das inseguranças e, por consequência, da confusão e dissidência religiosa; desta forma, a doutrina teológico-social rígida se faz a única via de boa vivência do islã.

A teoria antifilosófica foi combatida e refutada pelo famoso filósofo e interprete de Aristóteles, Averróis. Todavia, a maioria islâmica abraçou as ideias de al-Ghazali; segundo Reilly, isso ocorreu porque a doutrina asharita oferecia um forte pilar para a defesa da submissão como sistema familiar e político. Era conveniente aos líderes políticos e familiares que houvesse uma religião que lhes outorgassem poderes quase irrestritos sobre mulheres, filhos e espólios de guerra.

Quando Reilly se propõe a responder a dura questão: “Por que a violência é aceita, assumida e até louvada pelos muçulmanos modernos”, afirma o autor que isso não se dá somente pela via da perpetração mesma de atos violentos, mas também pelo endosso ― público ou privado ― aos atos terroristas de terceiros.

Em suma, podemos sensatamente propor que existem:

1) os radicais que incitam, decapitam, e explodem a si e a quem consideram pessoas infiéis;

2) a galera que aplaude e aprova em silêncio os radicais acima;

3) e a galera que não aprova e até rechaça os atos violentos, mas que não fala nada para não arcar com as represálias do primeiro e do segundo grupo.

O inconveniente do livro de Reilly é que, cada aspecto político e geopolítico do islã confirma as afirmações do pesquisador americano. Como negar a tirania interna surreal de uma mentalidade que ainda hoje apregoa a surra feminina como método pedagógico à esposa, que prendem pessoas por portarem bíblias em lugares públicos ― parece a China ―, que acoitam e até enforcam homossexuais por serem “sodomitas”. Não que violências correlatas não tenham existido no Ocidente cristão, mas alguém seria cego o suficiente para comparar as consequências e amplitudes dessas insanidades nos dias atuais?

Isto significa que todos os muçulmanos são terroristas ou decapitadores esportivos, Pedro? Óbvio que não, graças àquilo que o islã resolveu ignorar, a filosofia, entendemos que a liberdade de consciência é um motor que não é relativizável no homem. Claro que existem muçulmanos que não decapitariam o professor francês, é claro que existem islâmicos sensatos o suficiente para não achar que a sua crença está acima da vida de terceiros que não creem como eles.

No entanto, quando há uma mentalidade que insistentemente lubrifica a mente de seus fiéis com a ânsia pelo martírio explosivo; quando a temperança racional é conscientemente rechaçada; quando no centro da vivência islâmica existe “a verdade” religiosa de que todos aqueles que negam o profeta são infiéis a serem expurgados; enfim, quando o centro nevrálgico da fé carrega tais apontamentos como condições e dogmas, quando tais doutrinas estão sendo agora mesmo ensinadas e cultuadas em nossas cidades, aí sim temos um problema seríssimo. E, vejam, esse problema não é sequer de cunho religioso, é antes de tudo de cunho civilizacional.

Certa vez, em sala de aula, um aluno me questionou quem estava certo, a Alemanha Oriental ou a Ocidental. Respondi fazendo uma nova pergunta: “Quando o muro caiu, para que lado correu a população oprimida”? O lado para qual os povos correm em busca de segurança, justiça e paz, deveria ser um indicativo sobre qual cultura precisa ter primazia. Não primazia “em detrimento de”, primazia em nome da razoabilidade de todos; e isto pressupõe uma coisa chatíssima aos progressistas: a cultura judaico-cristã é a única a oferecer a liberdade, a tolerância e a civilidade como conjuntos indissociáveis de um correto modo de vida. O que quer dizer, de maneira resumida: a tolerância cultural, a justiça baseada nas liberdades individuais, a ordem como princípio de paz, tudo isso são frutos do Ocidente judaico-cristão, assentados firmemente sobre a pedra reflexiva da filosofia grega. Simples assim.

Pedro Henrique Alves

Filósofo, colunista do Instituto Liberal, ensaísta do Jornal Gazeta do Povo e editor na LVM Editora.

 

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As opiniões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times