A indústria da internet está em alerta enquanto o Departamento de Justiça dos EUA (DoJ) trava uma batalha judicial histórica contra o Google, acusando a gigante de adotar práticas anticoncorrenciais para manter seu domínio no mercado de publicidade digital. Este é um dos processos antitruste mais significativos desde o caso Microsoft nos anos 1990, e o desfecho deve remodelar a estrutura da internet.
O cerne do caso é a alegação de que o Google utiliza sua posição dominante para eliminar a concorrência e criar um monopólio em diversas frentes. Uma possível vitória do DoJ poderia levar ao desmembramento da empresa, separando partes complementares do seu negócio de publicidade.
De acordo com análises da Wolfe Research, apresentada no Programmatic I/O em setembro em Nova York, há uma probabilidade entre 45% e 55% de que o Google seja forçado a se desfazer de parte de suas operações publicitárias, o que criaria um cenário mais equilibrado no setor.
O desmembramento de um player tão dominante poderia democratizar o acesso ao mercado, promovendo uma competitividade maior e, em última instância, gerando benefícios para os consumidores. Com menos concentração de poder, outras empresas teriam a oportunidade de se tornar relevantes, o que poderia estimular a redução de custos e aumento da inovação
O futuro da inovação na internet: regulação como catalisador ou barreira?
Independente do resultado, este julgamento levanta questões mais amplas sobre como equilibrar inovação tecnológica, sucesso empresarial e práticas de mercado justas e competitivas. O Google argumenta que sua integração permite aos consumidores a melhor experiência. A Big Tech afirma que tem a maior participação de mercado por ter a melhor oferta, e que não pode ser punida por ser bem-sucedida.
No entanto, se consolida entre os órgãos reguladores o entendimento de que empresas grandes demais passam a ter um controle imperial e disseminado em diferentes mercados, gerando danos aos consumidores, concorrentes e à capacidade de ação do Estado.
Um desmembramento pode também abrir espaço para novas regulamentações mais robustas sobre o uso de dados e a interoperabilidade entre plataformas de anúncios, impactando outras empresas além do Google, como Meta e Amazon, potencialmente redesenhando a forma como a internet funciona.
Aqui vale uma explicação: o modelo de funcionamento da internet comercial é majoritariamente centrado em oferecer serviços, produtos e conteúdos gratuitamente ou muito baratos, e pagar a conta com a receita publicitária. A indústria de publicidade abraçou os formatos digitais por conta da sua imensa eficiência, conseguida pela coleta e análise de dados dos usuários. Quanto mais gente usa uma plataforma, mais dados ela tem e mais relevante ela se torna para os anunciantes, gerando mais receita. Num ciclo que se desenvolve até o momento em que há uma assimetria de poder entre a plataforma e todos os outros stakeholders (usuários, anunciantes, produtores de conteúdo, governos etc), e dá a estes gigantes muito poder de definir qual será a próxima inovação (e asfixiar aquelas que não te interessem)
Considerações finais: o julgamento que definirá as próximas décadas
O caso US vs. Google coloca em xeque o modelo “the winner takes all” do mercado de tecnologia. A estratégia das empresas do setor tem sido de usar quantidades massivas de capital para ganhar participação de mercado até ser dominante, e, então, dar as cartas de acordo com seus interesses.
O processo antitruste expõe o lado negativo deste modelo, defendendo regras que criem um ambiente mais dinâmico e competitivo, no qual a inovação não dependa exclusivamente de um gigantes líder inconteste.
Independente do desfecho, é inegável que a decisão criará um precedente que definirá o tom para as próximas décadas no mercado digital. Com um veredicto esperado para os próximos meses, o impacto desse julgamento irá, obrigatoriamente, muito além dos limites dos EUA, influenciando regulações em outras regiões e estabelecendo um novo modelo de controle sobre os superpoderes digitais.
Sobre Lucas Reis: Lucas Reis é Doutor em Big Data aplicado à Comunicação, Pesquisador Associado do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT-DD), fundador da Zygon Adtech e da Digital IsCool, Presidente da Associação Baiana do Mercado Publicitário (ABMP) e Vice-Presidente de Operações do IAB Brasil.
As opiniões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times