Por Dinesh D’Souza
Comentário
O termo “cultura do cancelamento” passou a se referir ao processo de ostracismo, penalização e censura que é imposto pelas instituições culturais americanas àqueles que defendem publicamente pontos de vista odiosos e ofensivos à esquerda política. Nesse sentido, a “cultura do cancelamento” é um artefato das guerras culturais domésticas. Em questões da COVID-19 à fraude eleitoral e às mudanças climáticas, muitos americanos – principalmente patriotas, cristãos e conservadores – foram silenciados, demitidos ou envergonhados publicamente por se desviarem da estreita linha partidária da esquerda.
Mas agora, ao que parece, a cultura do cancelamento expandiu seus tentáculos para atingir, bem, toda a nação da Rússia e todas as coisas russas. Isso por si só já é uma surpresa. Durante a Guerra Fria, e mesmo depois dela, os Estados Unidos conseguiram confinar as disputas domésticas entre facções políticas às suas próprias fronteiras. A política externa, no entanto, era um assunto totalmente diferente, perseguido por meio de técnicas normais de negociação, isolamento diplomático, guerras por procuração, sanções comerciais e, em alguns casos, boicote olímpico.
Vale a pena notar que sanções e boicotes têm um efeito recíproco. Quando o presidente Jimmy Carter boicotou as Olimpíadas de 1980, em protesto contra a invasão soviética do Afeganistão no ano anterior, isso significou que os atletas americanos ficaram de fora. As Olimpíadas continuaram. De certa forma, a América se cancelou. As sanções comerciais, por definição, prejudicam ambas as partes pela simples razão de que o comércio beneficia reciprocamente ambas as partes. Ao se recusar a comprar petróleo russo, por exemplo, os Estados Unidos correm o risco de pagar preços mais altos, já que estão cortando como fornecedor potencial o terceiro maior produtor de petróleo do mundo.
A implantação da cultura do cancelamento em direção à Rússia é, que eu saiba, o primeiro caso de exportação de uma arma doméstica de subjugação política para o domínio da política externa. Com efeito, o governo Biden e a esquerda estão tentando fazer com a Rússia exatamente o que estão tentando fazer com os conservadores políticos, ou seja, dobrá-los à conformidade. De alguma forma, a esquerda pensa que pode punir Vladimir Putin, seus aliados e praticamente qualquer um que não condene abertamente suas ações, com o mesmo porrete que usou em Alex Jones, Laura Loomer e Nick Fuentes.
“A batalha contra a Rússia é uma nova fronteira da formulação de políticas americanas”, observam os editores do Revolver News, um site online. “É a globalização das táticas do Black Lives Matter e a cultura do cancelamento. É o George Floydism convertido em porrete doméstico para doutrina da política externa”. E como o movimento “Woke” não está mais confinado aos Estados Unidos e espalhou seus tentáculos sufocantes por todo o Ocidente, outros países ocidentais – as nações europeias, os canadenses e até os australianos – estão entrando no jogo de cancelar a Rússia.
Há algo um pouco cômico em tudo isso, por causa da ingenuidade da suposição subjacente. Putin realmente vai mudar de ideia sobre derrotar a Ucrânia porque as empresas de cartão de crédito dos EUA não fazem negócios na Rússia? (Putin mudou friamente para empresas chinesas.) Ou porque os bancos americanos vão limitar suas transferências internacionais? Ou porque os meios de comunicação russos são tirados das mídias sociais?
A situação se torna ainda mais absurda quando um dos maiores enxadristas do mundo, Sergei Karjakin, é banido dos torneios de xadrez porque tuitou que apoia o presidente russo, o povo russo e o exército russo. Esse ponto de vista é um clichê político; se a Índia invadir o Paquistão amanhã — qualquer que seja a justificativa, ou sem justificativa alguma — 99% dos indianos afirmarão que apoiam o primeiro-ministro indiano, o povo indiano e o exército indiano.
Uma cantora russa é impedida de se apresentar no Met porque se recusa a falar contra Putin. (Evidentemente, nem mesmo o silêncio é suficiente. Até figuras culturais que querem ficar longe da política são obrigadas, para evitar o cancelamento, a papaguear a posição do governo Biden.) Na Itália, a Universidade de Milano-Bicocca bloqueou uma aula sobre Dostoiévski porque, bom, você sabe. Mais tarde, a escola mudou de ideia, mas com a condição de que a aula incluísse “literatura ucraniana”, embora muito poucas pessoas fora da Ucrânia saibam o que é isso.
Tem mais. Uma federação internacional de gatos excluiu a participação de gatos russos na aparente crença de que os animais também devem compartilhar da ignomínia de Putin. Levando essa lógica ao seu reductio ad absurdum, um festival global de árvores excluiu a entrada de uma árvore russa plantada há quase dois séculos pelo grande escritor russo Ivan Turgenev.
Embora possamos ter certeza de que Putin está gargalhando – bem, pelo menos rindo – de toda essa patética sinalização de virtude, ao mesmo tempo impõe sofrimento desnecessário e injusto ao povo russo. A cultura do cancelamento acaba atingindo um alvo, mas é o alvo errado. São os russos que descobrem que não podem viajar facilmente, são impedidos de fazer transações bancárias comuns, são impedidos em alguns casos do emprego de suas habilidades e talentos e são demonizados por… bem, para que exatamente?
Uma coisa é dizer, como disse Osama bin Laden, que em uma democracia o povo é responsável pelas ações de seus líderes. É verdade, porque são as pessoas que colocaram esses líderes em posições de poder, e as pessoas têm o poder, se quiserem, de removê-los. Mas isso não se aplica a Putin. Ele não é um líder democraticamente eleito, embora use o título (“presidente”) e algumas das armadilhas da democracia. Então, por que o povo russo deveria pagar pelos crimes de Putin? Obviamente, eles não deveriam.
As opiniões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times.
Entre para nosso canal do Telegram
Assista também:
As opiniões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times