Blockchain funciona como o dinheiro em Yap

Por Jeffrey A. Tucker
09/01/2025 20:13 Atualizado: 09/01/2025 20:13
Matéria traduzida e adaptada do inglês, publicada pela matriz americana do Epoch Times.

Muitas pessoas, incluindo fãs de Bitcoin, veem as criptomoedas como um token mágico para ganhar dinheiro, sem outro propósito útil além de engordar carteiras de investimento. Uma em um milhão de pessoas que possuem criptoativos conseguiria explicar, de forma simples, por que eles têm valor ou por que alguém deveria se importar com essa tecnologia, além de vê-la como um esquema do século XXI para aumentar a renda.

As pessoas compram porque outras compram, o que justifica o ceticismo de muitos. E elas têm razão. Tudo isso parece suspeito.

Vamos dar um passo atrás e examinar a tecnologia subjacente e seu propósito. Um dos problemas de compreensão é exagerar a novidade das criptomoedas, como se fossem uma tecnologia jamais imaginada, atendendo a necessidades nunca antes sentidas. Isso não é verdade.

Desde que a humanidade existe, há a necessidade de documentar ou registrar reivindicações de propriedade. Você pode segurar sua propriedade e defendê-la de invasores. Ou pode ir além e desenvolver uma tecnologia de consenso social para registrar quem possui o quê, melhorando a vida de todos.

Esse registro pode ser feito em pedras, argila, papiro, pergaminho, velino ou bancos de dados. O problema com todos esses métodos é o mesmo: centralização. Se houver apenas um registro e um responsável por ele, sempre haverá incerteza quanto a fraudes, manipulações ou deterioração do registro.

É aqui que a tecnologia blockchain oferece uma melhoria notável. As reivindicações de propriedade são armazenadas em um livro-razão na nuvem. Os direitos são transferidos por meio de proof of work (prova de trabalho) e proof of authority (prova de autoridade). Quando o livro-razão é alterado, todos podem observar os resultados. Algoritmos, e não a discrição humana, conduzem o sistema, eliminando a possibilidade de ambiguidade e fraude.

Essa é uma inovação técnica, mas não uma inovação em nossos objetivos de vida. O blockchain permite que façamos algo que sempre quisemos fazer, mas que não era possível até agora.

Se isso é verdade, podemos encontrar exemplos históricos de tecnologias semelhantes ao blockchain? Um artigo publicado pelo Federal Reserve afirma ter encontrado um. Vem da ilha de Yap, um pequeno território nas Ilhas Carolinas, na Micronésia.

Enquanto lia sobre esse lugar e seu povo, pensei no filme “Moana” e nos desafios enfrentados por essas ilhas. No filme da Disney, não há menção a dinheiro; parece que o povo vive em uma espécie de comunismo feliz. Sabia que algo estava errado. Todos precisam de direitos de propriedade. Todos precisam de dinheiro, nem que seja apenas para fins de contabilidade. Portanto, todos precisam de um sistema para rastrear quem possui o quê.

Acontece que a ilha de Yap fornece um exemplo fascinante de algo semelhante ao blockchain. Os autores do artigo do Fed afirmam que o sistema monetário de Yap se baseia em uma forma desse conceito, algo que vem sendo usado há milhares de anos e permanece até hoje. É conhecido mundialmente como a Ilha do Dinheiro de Pedra.

O grande economista Milton Friedman demonstrou intenso interesse no sistema monetário de Yap e até escreveu um artigo sobre o tema.

A base monetária é chamada Rai. Trata-se de uma enorme pedra de calcário, que vem de 400 milhas de distância e é extremamente difícil de transportar. Ao longo dos séculos, os habitantes da ilha aprenderam a moldá-las em forma de rosquinha para facilitar o transporte. Se você quer uma “prova de trabalho,” aqui está ela!

Mas se esses objetos raros servem como dinheiro, como o comércio é conduzido? É aqui que fica interessante: as pedras não são movidas fisicamente. Elas permanecem onde estão, reverenciadas e protegidas. O que muda é o entendimento de quem possui o quê. Você negocia com outros e comunica os resultados.

Relatos dizem que há cerca de 5.000 pessoas na ilha, com uma população estável. Apenas uma pequena minoria participa do comércio usando dinheiro. O ponto-chave é que todos com participação no sistema compartilham informações sobre mudanças e realmente se lembram de como os direitos sobre as pedras estão alocados. Em algum momento da história, marcas eram feitas nas pedras, mas, à medida que o sistema se tornou mais sofisticado, isso deixou de ser necessário.

Esse conhecimento persiste em toda a comunidade. Pode-se chamar isso de “blockchain da mente.” Se tudo isso parece estranho, lembre-se de que comunidades “primitivas” muitas vezes exibem níveis incrivelmente altos de inteligência em aspectos que o mundo “desenvolvido” mal consegue imaginar. Compartilhar conhecimento sobre direitos de propriedade em um tipo específico de dinheiro, com total clareza e sem risco de contraparte, requer um alto nível de confiança. E os habitantes de Yap evidentemente possuem isso.

Esse exemplo ilustra que, embora o blockchain seja uma tecnologia nova, ele resolve um problema humano universal. Nesse sentido, é como toda grande inovação da história. Sempre quisemos nos comunicar, viajar, acender uma luz com um interruptor, voar, aquecer nossas casas no inverno, e assim por diante. Ferrovias, eletricidade, aviação e controle de temperatura não criaram novas necessidades; resolveram antigas.

O mesmo vale para o blockchain. Ele oferece um meio mais seguro de alterar e rastrear direitos de propriedade, possibilitando negócios e facilitando o comércio e outras formas de interação humana. Essa tecnologia existe.

Nada que os governos possam fazer para regulamentá-la fará com que ela deixe de existir. Nossas vidas serão desintermediadas e diferentes, e amaremos os resultados. Talvez, um dia, também possamos ser tão “primitivos” quanto os habitantes da ilha de Yap.

Esse é o fundamento do valor do Bitcoin, Ethereum, Dogecoin e todos os outros. Todos se baseiam na mesma tecnologia para melhorar a forma como alocamos e compreendemos títulos de propriedade. A ausência disso é o motivo pelo qual todas as tentativas anteriores de criar uma moeda puramente digital falharam, e por que o Bitcoin teve sucesso.

Será que a indústria hoje entende isso ou estamos diante de empreendedores apenas seguindo sinais de lucratividade? Aposto na segunda hipótese, e tudo bem. Na verdade, a maioria dos detentores de criptomoedas hoje provavelmente não tem ideia do que expliquei acima, e isso também é aceitável. É assim que a inovação funciona na história.

Às vezes, quando estou voando em um tubo de alumínio e digitando no meu computador conectado à internet, de repente me pego maravilhado e penso: como diabos tudo isso funciona? Eu realmente não sei, mas sou grato por isso.

O mesmo acontece com a tecnologia blockchain hoje. Não precisamos entendê-la para usá-la, e ainda bem.

As opiniões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times