Por Instituto Liberal
Muito se tem discutido a respeito do papel e da culpa da China nessa pandemia. Acredito que a responsabilização é totalmente válida, mas se deve concentrar não nos chineses, de uma forma geral, e sim no governo chinês, no governo do Partido Comunista Chinês, que, por sua própria natureza autoritária, foge ao controle dos cidadãos daquele país. Levantar todos os erros do governo chinês no início da propagação do vírus é algo já largamente feito por diversos artigos; quero me concentrar aqui no aspecto da ditadura em si e em como isso provou mais uma vez a superioridade de regimes democráticos e a importância de garantias importantes como a liberdade de expressão.
Os malfeitos da ditadura chinesa – que não são novidade, mas que ficaram expostos como nunca – são dignos de uma distopia orwelliana. De um lado temos informações cuja divulgação desagrada o governo e de outro segue-se o roteiro de censura, prisões, desaparecimentos e negacionismo. Quantas mortes poderiam ter sido evitadas se a China fosse uma democracia? O que fica em tela aqui é que garantias básicas como a liberdade de expressão, a livre imprensa e a liberdade política, que acompanham necessariamente as democracias representativas, não existem, como muitos pensam, apenas em função do governo e atividades políticas; liberdade de expressão, por exemplo, não existe apenas para se criticar o governo – e nesse caso poderia ter servido para uma divulgação mais precoce acerca do vírus, o que poderia ter colaborado para a adoção de medidas mais enérgicas logo no início, impedindo a propagação aos níveis atuais.
Ainda que a China fosse uma democracia com um governo pouco transparente, não teria como impedir ou retardar a divulgação do vírus. Médicos não teriam sido calados ou presos, nem as redes sociais censuradas. O governo poderia até adotar uma postura negacionista e apequenar o problema, mas o efeito seria muito mais inócuo. Isso prova que, além de todas as suas virtudes, aquilo que chamamos de democracia liberal também poupa vidas.
Os males do controle da informação por parte do governo/partido são inerentes a qualquer ditadura, variando tão somente em grau. No caso em questão trata-se do Partido Comunista Chinês, mas a ditadura militar brasileira também fez semelhante. Em 1971, um surto de meningite meningocócica eclodiu em São Paulo. Era período de milagre econômico e uma epidemia não era exatamente algo que os militares queriam ver nas capas de jornais, os quais, como de praxe, foram censurados, proibindo-se qualquer menção à doença. O resultado é que a população ficou no obscurantismo quanto ao surto e uma inflexão na postura do governo quanto ao problema só seria adotada em 1974 com a chegada de Geisel na presidência, ano em que a epidemia atingiu (em setembro) uma proporção de 200 casos por 100 mil habitantes. Os números de óbitos e de infectados são contraditórios, por isso não vou citá-los, mas quantas vidas não poderiam ter sido poupadas, não fosse o temor da ditadura em macular o otimismo patriótico forjado?
O valor supremo da democracia e das liberdades a ela atreladas se prova novamente. Causa espanto ver gente que chega a se esforçar para popularizar o Covid-19 como “vírus chinês” ir para as ruas pedir por intervenção militar e por um novo AI-5, sobretudo quando a própria ditadura que tanto endeusam, que nada tinha de comunista, cometeu pecados semelhantes. Não é com a ditadura que se revoltam, ainda que se façam de democráticos ao atacar as necessárias e excepcionais medidas de isolamento adotadas pelos governadores. Quem foi pedir intervenção militar no domingo já havia pedido em outros momentos, com ou sem pandemia. O ridículo aqui não é apenas assistir a esses fanáticos se colocando como arautos da liberdade, mas haver gente que dá trela para isso. O mesmo vale para o presidente que, enquanto deputado, ostentava orgulhosamente as fotos dos cinco presidentes militares em seu gabinete e todo o repertório de apoio à ditadura que já conhecemos.
Prova-se também, mais uma vez, o valor da livre-imprensa. Veículos tendenciosos sempre vão existir, mas cabe ao leitor fazer o discernimento disso, saber ler criticamente. Ocorre que, a despeito das críticas que possam sofrer, veículos de comunicação profissionais continuam, e continuarão, sendo uma fonte de informação muito mais confiável do que as redes sociais. Vemo-nos aqui diante de outra contradição dos propagandistas do “vírus chinês”, que criticam um regime que não permite a livre imprensa, mas voluntariamente renunciam à informação em benefício das fake-news de WhatsApp.
Em síntese, o governo chinês deve sim ser responsabilizado por sua postura inicial diante do vírus e o caso em tela prova, mais uma vez, a superioridade das democracias liberais sobre as ditaduras de qualquer estirpe. No entanto, aqueles que mais se dedicam a atacar a China neste momento são também aqueles que menos compreendem os valores da democracia liberal, e que, pasmem, defendem a reinstalação de um tipo de governo que no passado agiu da mesma forma que a ditadura chinesa.
Fontes: https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2020/02/assim-como-a-china-brasil-ja-censurou-dados-sobre-surto-durante-ditadura-ck6kpc70p05i501nwadgixfim.html
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52058352
Gabriel Wilhelms
As opiniões expressas neste artigo são de opinião do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times.
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