A queda de Scholz: o que esperar das novas eleições na Alemanha?

Por Pacelli Luckwü
17/12/2024 13:34 Atualizado: 17/12/2024 13:34

Caiu o governo de Olaf Scholz (SPD), encerrando de forma antecipada a gestão da maior economia da Europa. O colapso da chamada Ampelkoalition – a coalizão semáforo, formada pelo SPD, pelos Verdes e pelo FDP – marca um dos momentos mais turbulentos da política alemã desde a reunificação, em 1990.

Ascensão e fragilidade da coalizão semáforo

A Ampelkoalition foi formada sob circunstâncias complexas após as eleições de setembro de 2021, em que o SPD superou levemente o CDU. O partido da então chanceler Angela Merkel sofreu uma das piores derrotas de sua história, após 16 anos de governo. A sucessão malfeita de Merkel, com a escolha de Armin Laschet – visto como um líder pouco carismático e politicamente frágil – agravou a crise no CDU. Episódios como a reação de Laschet às enchentes que devastaram partes da Alemanha, em que foi flagrado rindo durante um evento de solidariedade, reforçaram a percepção negativa.

Dessa forma, o SPD, liderado por Scholz, emergiu como vencedor, mas não obteve maioria suficiente para governar sozinho. A solução foi unir forças com os Verdes e o FDP (Liberais), partidos com agendas substancialmente divergentes.

Os Verdes buscavam uma transição energética ambiciosa, enquanto o SPD, com forte base sindical, priorizava direitos trabalhistas. Em contrapartida, o FDP defendia o rigor fiscal e o controle de dívida, rejeitando propostas de aumento de gastos e de impostos, inclusive sobre grandes fortunas e heranças, como era desejo dos demais partidos da coalizão. Divergências também apareceram em temas como salário mínimo, e soberania dos Estados-membros da União Europeia. A falta de consenso comprometeu a capacidade de implementar reformas. Cada partido andava para um lado e o governo não ia a lugar algum.

Governando em negação

Desde o início, o governo de Scholz enfrentou críticas pela aparente desconexão com as demandas mais urgentes da população. Questões como imigração, segurança, preços da energia, burocracia estatal e inflação eram negligenciadas ou tratadas de forma superficial. Enquanto isso, a economia alemã, tradicionalmente uma das mais robustas do mundo, apresentava sinais preocupantes de desaceleração.

As indústrias alemãs sofriam com custos proibitivos de energia, com uma burocracia sufocante e com uma das cargas tributárias mais pesadas do mundo. Relatórios recentes apontaram um aumento significativo de empresas relocando suas operações para outros países mais atrativos. A burocracia era frequentemente citada como um entrave para a inovação e o investimento.

Mesmo diante desses desafios, Scholz frequentemente demonstrava um tom de autossatisfação em seus discursos, minimizando as críticas e atribuindo grande parte dos fracassos às discordâncias internas na coalizão. Em sua declaração final no Bundestag hoje, Scholz insinuou que foi “sabotado” pelo FDP, em um discurso que não encontrou eco entre os parlamentares ou na opinião pública.

O cenário eleitoral

Com a dissolução do parlamento aprovada pelo presidente Frank-Walter Steinmeier, a Alemanha se prepara para novas eleições em 23 de fevereiro. As pesquisas apontam uma mudança significativa no panorama político:

  • CDU/CSU: O partido conservador, que obteve 24% dos votos em 2021, agora lidera as intenções de voto com 31%.
  • AfD: O partido de direita desponta como um dos maiores beneficiários da crise, dobrando sua intenção de voto de 10% para 20%.
  • SPD: O partido de Scholz cai de 25% para 17%, refletindo a insatisfação generalizada com sua gestão.
  • Verdes: Sofrem uma queda de 14% para 11%, diante das dificuldades de avançar sua agenda ambiental no governo.
  • FDP: Amplamente responsabilizado pela implosão da coalizão, o partido luta para atingir os 5% necessários para permanecer no Bundestag.

O crescimento do AfD é particularmente marcante, com muitos eleitores insatisfeitos migrando para um discurso que enfatiza soberania nacional, controle de fronteiras e uma abordagem mais rígida em relação à União Europeia. A pauta do partido encontra ressonância em setores cada vez mais amplos da população.

Desafios para o futuro

As novas eleições representam um momento crucial para a Alemanha. A liderança do CDU, agora sob Friedrich Merz, enfrenta o desafio de formar um governo coeso em um Bundestag ainda mais polarizado. Apesar do crescimento nas pesquisas, o partido não irá conquistar maioria absoluta, o que o obrigará a buscar alianças.

Uma possibilidade é uma coalizão com o SPD ou mesmo com os Verdes, mas ambas as opções serão desafiadoras devido às diferenças de plataforma. Outra alternativa seria uma colaboração com o FDP, caso o partido ultrapasse o limite eleitoral. Uma coalizão somente do CDU com o FDP, já ocorrida várias vezes, não será possível, pois não irá obter cadeiras o suficiente no parlamento. O cenário mais controverso e, arrisco dizer, mais improvável de todos, seria a abertura para negociações com o AfD, algo até agora descartado pela liderança do CDU, mas que pode se tornar uma questão de debate diante do crescimento da direita.

Impactos na Europa

A crise política na Alemanha também tem repercussões significativas para a União Europeia. Como maior economia do bloco, a instabilidade alemã abala a confiança nos mercados e dificulta o avanço de projetos europeus conjuntos, como as metas climáticas e a reforma do pacto de estabilidade.

Além disso, o fortalecimento de partidos mais críticos à integração europeia reflete uma tendência que pode influenciar as próximas eleições europeias em 2024. A Alemanha, tradicionalmente vista como um pilar de estabilidade, agora se junta a outros países enfrentando turbulências políticas internas.

Conclusão

Apesar de terem perdido muito apoio durante o último governo, é possível que alguns dos partidos, que formaram a Ampelkoalition – SPD, Verdes e FDP – voltem a integrar o próximo governo, mas desta vez sob a liderança do CDU. Essa mudança representaria uma leve guinada para a centro-direita no governo alemão. No entanto, uma coalizão composta por CDU e AfD, mesmo que ambas as siglas obtenham juntas mais de 50% das cadeiras no Bundestag, é considerada altamente improvável devido à resistência do CDU em se aliar ao partido de direita.

Enquanto o novo governo não é formado, Olaf Scholz permanece como chanceler interino, garantindo a continuidade administrativa do país. O período de transição será determinante para moldar os próximos passos da política alemã, com desafios econômicos e sociais que exigem respostas rápidas e eficazes. O resultado das eleições e a formação do próximo governo definirão o papel da Alemanha na Europa e no cenário global nos anos vindouros.

As opiniões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times