A próxima mudança no comércio mundial | Opinião

Por Jeffrey A. Tucker
09/09/2024 20:53 Atualizado: 09/09/2024 20:53
Matéria traduzida e adaptada do inglês, publicada pela matriz americana do Epoch Times.

Em julho de 1944, um ano e alguns meses antes do fim oficial da Segunda Guerra Mundial, as potências aliadas se reuniram no Hotel Bretton Woods, em New Hampshire, para elaborar uma nova ordem econômica que dominaria o mundo ao término da guerra. A própria reunião expressava grande confiança em uma vitória iminente. E eles estavam certos.

Como parte do novo plano para o mundo, um novo sistema monetário começaria a tomar forma. Ele seria baseado no ouro, com a conversibilidade do dólar garantida a 1/35 de uma onça. Esse direito de conversão, no entanto, não estaria disponível para as pessoas comuns, mas seria garantido apenas para estados-nação e bancos centrais, ao menos para aqueles autorizados a participar.

Nos primeiros dias da conferência, o New York Times publicou editoriais criticando o esquema. O responsável pelos editoriais não assinados era o renomado economista Henry Hazlitt, que mais tarde ganharia fama com seu livro Economics In One Lesson, uma das obras de economia mais vendidas do século, e que ainda é bem comercializada hoje em dia.

Hazlitt criticou o novo sistema monetário proposto. Ele afirmou que, ao transformar o dólar em moeda de reserva mundial e garantir a conversibilidade em ouro apenas para grandes nações comerciais, o sistema não duraria. Isso porque não havia um mecanismo para fiscalizar as políticas fiscais e monetárias dos países. O novo sistema permitiria a expansão desenfreada de dinheiro e crédito no exterior sem consequências. Eventualmente, os Estados Unidos sofreriam uma devastadora saída de ouro e, em algum momento no futuro, teriam de suspender a conversibilidade.

Isso foi exatamente o que aconteceu, embora não imediatamente. Em 1971, Richard Nixon suspendeu o sistema pelo qual os Estados Unidos enviavam ouro para o exterior. Ele fez isso para salvar o sistema e criar um novo. A expectativa era que o preço do ouro caísse, mas aconteceu o oposto. Oito anos depois, o preço chegou a US$ 850. Aqueles que apostaram contra as elites monetárias saíram vencedores.

Há uma história de bastidores sobre os escritos de Hazlitt no NYT. Seus brilhantes editoriais contra o sistema de Bretton Woods apareciam semanalmente e mais tarde foram compilados no livro From Bretton Woods to World Inflation. Em algum momento de 1944, pouco antes de o sistema ser ratificado, o editor do NYT procurou Hazlitt e informou que o jornal mudaria sua posição editorial e passaria a apoiar, e não mais se opor, ao novo sistema. Naquele momento, Hazlitt percebeu que sua década de trabalho no jornal havia chegado ao fim. Ele arrumou suas coisas, foi para casa e começou a trabalhar em um novo livro, que se tornou Economics In One Lesson, escrito em menos de duas semanas.

Tenho revisitado os escritos de Hazlitt desse período para entender melhor o momento atual. É claro que as elites daquela época estavam criando uma nova maquinaria global. O sistema foi projetado por várias partes: havia o sistema monetário, conforme descrito, um sistema de compensação de transações administrado por um novo Banco Mundial, o qual sobrevive hoje nos Direitos Especiais de Saque (SDRs), e um sistema de financiamento na forma do Fundo Monetário Internacional. Além disso, foi criado o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), que mais tarde se transformou na Organização Mundial do Comércio.

Essas quatro partes — dinheiro, compensação, crédito e comércio — foram concebidas para funcionar juntas como se a economia mundial fosse uma máquina a ser gerida, que é exatamente como John Maynard Keynes, o principal arquiteto do sistema, a via. A objeção de Hazlitt era que o sistema era complexo demais para dar conta das demandas políticas e de mercado. Algo pode funcionar no papel, mas isso não significa que funcionará na realidade.

Ele enxergou o problema de que o novo sistema não impunha disciplina aos governos participantes. Ele previu que todos os governos se aproveitariam da oportunidade de adotar políticas fiscais e monetárias irresponsáveis, aproveitando-se dos países ricos que garantiam o sistema contra o fracasso.

Hazlitt estava certo, mas, no meio tempo, a economia mundial seguiu uma nova direção, posteriormente chamada de neoliberalismo, um sistema administrado que exaltava a liberdade no comércio internacional e a liquidez fiscal e monetária acima de tudo.

Por que o sistema foi criado dessa forma? Porque uma geração inteira de diplomatas “esclarecidos” acreditava que a depressão e a guerra (nas décadas de 1930 e 1940) eram causadas pelo protecionismo comercial e por restrições monetárias excessivas que impediam os estados de inundar o sistema em tempos de crise.

Em outras palavras, o sistema de 1944 foi estabelecido principalmente para corrigir os problemas que seus arquitetos viam nas duas décadas anteriores. Essa é a natureza humana: quem vive um incêndio causado por um curto-circuito tende a se preocupar com a segurança da fiação no futuro; quem enfrenta problemas de saúde por uma dieta ruim, cuida melhor da alimentação.

Assim, o mundo das décadas de 1950 e 1960 seguiu com essas soluções. Os resultados foram espetaculares, especialmente para os Estados Unidos. Mas, como Hazlitt previu, o sistema não fornecia disciplina para as políticas fiscais e monetárias dos estados. E o principal infrator nesse sentido foi os EUA, que, ao mesmo tempo em que se envolvia na Guerra do Vietnã, expandia seus gastos com o estado de bem-estar social, levando a tensões econômicas insustentáveis.

Enquanto isso, o sistema comercial, que dependia de um sistema de liquidação baseado em ouro, começou a perder equilíbrio, até que Nixon o suspendeu. Com isso, ele também decidiu preservar a ordem de comércio global de baixas tarifas, em detrimento das amarras monetárias que impunham alguma disciplina.

Com todas as restrições removidas, a inflação tomou conta, exatamente como Hazlitt havia previsto. Os EUA passaram por três ondas inflacionárias nos anos 1970, cada uma pior que a anterior. Esse excesso foi finalmente contido com a liderança de Paul Volcker no Federal Reserve e a presidência de Ronald Reagan, que prometeu controlar o lado fiscal. Contudo, com a Guerra Fria em andamento, o governo Reagan também teve que escolher entre um orçamento equilibrado e suas prioridades de política externa.

Pulando para 2016, os EUA perderam grande parte de seu setor manufatureiro devido à competição estrangeira, resultante do sistema criado na era Nixon. O então presidente Donald Trump prometeu acabar com o problema, atacando o GATT, que havia se tornado a Organização Mundial do Comércio.

Em outras palavras, Trump optou por um caminho oposto ao de Nixon: buscou corrigir o problema comercial com um sistema antigo que havia sido rejeitado em 1944. Mais uma vez, Hazlitt previu algo assim em seus escritos, ao explicar que países com problemas fiscais e monetários indisciplinados, operando em um mundo sem convertibilidade doméstica, sofreriam com a perda de suas bases produtivas devido à competição estrangeira.

Como resultado dos esforços de Trump, que não foram revertidos pela administração Biden, o sistema de 1944 está em ruínas, com governos ao redor do mundo experimentando novos sistemas regionais de comércio, políticas tarifárias e até novas formas de liquidação que podem, um dia, desbancar o dólar como moeda de reserva mundial.

Enquanto isso, os EUA enfrentam um grande problema. Sem uma reforma interna drástica, o país não pode competir no cenário mundial. Isso se deve à avalanche de dívidas, que tem impulsionado o crescimento industrial ao redor do mundo, enquanto o dólar forte internacionalmente torna as importações baratas e as exportações caras, sem um sistema de liquidação eficaz. Isso gera déficits comerciais permanentes e subsidia maciçamente as importações em detrimento dos bens domésticos.

Nos últimos quatro anos de inflação, o dólar manteve sua força internacional, mas enfraqueceu internamente. Como resultado, as importações não sofreram tanto com a inflação quanto os produtos domésticos, agravando ainda mais o problema.

(Data: Federal Reserve Economic Data (FRED), St. Louis Fed; Chart: Jeffrey A. Tucker)
Dados: Dados econômicos do Federal Reserve (FRED), Fed de St. Louis; Gráfico: Jeffrey A. Tucker

O que estamos testemunhando agora é o desmantelamento final do sistema de 1944 em todas as suas partes, incluindo a modificação de 1971, o que introduz graves perigos de depressão e guerra para o mundo. A solução para esse impasse não está em outra ordem mundial absurda, criada por mais um guru econômico globalista como Keynes.

Precisamos de um retorno simples à sanidade fiscal e monetária. Acima de tudo, os Estados Unidos devem colocar sua própria casa em ordem, com orçamentos equilibrados e uma moeda sólida, mesmo que isso signifique abrir mão de suas ambições imperiais no exterior. Esse é o melhor e provavelmente o único caminho para recomeçar a bela ambição de um mundo de livre comércio.

 

As opiniões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times