A linguagem do poder

O Ocidente deu à Ucrânia uma confiança ilusória de que pode enfrentar os russos, e que o Ocidente está pronto para protegê-la

01/03/2022 16:54 Atualizado: 01/03/2022 16:54

Por Dinesh D’Souza

Comentário

Observando a tragédia que se desenrola na Ucrânia, fico chocado com a imaturidade superficial de grande parte dos comentários e o fracasso completo por parte de tantos no governo Biden, e na esquerda progressista, para entender a linguagem do poder.

Estou assistindo e ouvindo bobagens sobre esse conflito, e tenho que voltar e ler Maquiavel para ter uma visão clara do que está acontecendo.

Vamos começar com alguns dos comentários sem sentido. Aqui está o The New York Times descrevendo a fuga de ucranianos diante de um ataque russo iminente: “As imagens de vídeo do grande número de ucranianos em movimento mostram compreensivelmente poucos sinais de coberturas faciais, mesmo enquanto o país passa por um recorde na sua taxa de infecção”.

Agora vamos nos voltar para Joy Behar, que confessou no “The View” que está mais do que um pouco chateada com a invasão russa da Ucrânia. Ela percebeu que isso poderia atrapalhar as coisas em toda a Europa, e você sabe, ela está planejando férias na Itália. Ela está esperando para fazer isso há um tempo, impedida por causa da COVID, e exatamente quando a nuvem da COVID começou a subir, isso acontece! A implicação de Behar é que Putin é lamentavelmente insensível aos seus planos de viagem. O cara não poderia ter planejado isso depois que ela voltasse de Palermo?

Depois, há todas as pessoas que tentam ler a invasão russa através das lentes da política de identidade. Um comentarista observa que Putin só está se safando disso porque é branco! Ei, se Putin fosse negro ou latino, seria uma história totalmente diferente. Putin, nesta visão, é um beneficiário injusto do privilégio branco!

Quando leio esse tipo de coisa, penso no ditado: “Quando tudo que você tem é um martelo, tudo parece um prego”.

A geração mais jovem, especialmente, parece muito interessada em dar um sermão a Putin sobre sua falta de sensibilidade e sentimento humano e instruí-lo sobre como eles e outros se sentem sobre suas últimas ações. Toda essa bobagem emotiva parece supor que Putin é um graduado “woke” de alguma universidade americana decadente e se importa com o que você sente, ou como os ucranianos se sentem, ou como “o mundo” se sente. Se você ler Maquiavel, perceberá que ele não se importa.

Mesmo nos níveis mais altos do governo dos EUA, recebemos uma inanidade. O czar climático John Kerry, ainda no dia 23 de fevereiro — na véspera do ataque russo — ofereceu essa sabedoria salomônica. O norte da Rússia, afirmou ele, “está descongelando”. Quanto a Putin, “sua infraestrutura está em risco. E, portanto, espero que o presidente Putin nos ajude a permanecer no caminho certo com relação ao que precisamos fazer pelo clima”. Putin poderia resolver essa preocupação introduzindo um programa de reciclagem quando assumir a capital ucraniana de Kiev.

Como exemplo final, o secretário de Defesa Lloyd Austin afirmou que os Estados Unidos estão descobrindo como treinar tropas ucranianas “remotamente”. Não estou nem remotamente convencido disso. Quando os russos estão atacando com aviões, tanques e artilharia pesada, não tenho certeza de qual conselho tático nossos líderes militares podem fornecer aos ucranianos em uma chamada pelo Zoom. Deveríamos ter planejado isso há muito tempo e elaborado um plano de resistência compatível com o que os Estados Unidos estavam dispostos a fazer para salvar a Ucrânia de ser devorada pelo urso russo.

Em um discurso feito por ele em 2015, o analista de política externa realista John Mearsheimer – ele mesmo, um astuto estudante de Maquiavel – alertou que a Ucrânia estava a caminho de ser “destruída”, e os Estados Unidos e seus aliados estavam colocando a Ucrânia mais perto do precipício. Sua análise é extremamente pertinente hoje, então gostaria de aprofundar seu argumento um pouco mais.

O ponto de vista de Mearsheimer é que a Ucrânia, um pequeno país à beira de um grande país como a Rússia, é sempre vulnerável a ser devorada. A Rússia poderia ser dissuadida de tomar tal ação, mas certamente seria se considerasse a Ucrânia uma potência hostil, e ainda mais se a Ucrânia planejasse causas comuns com os adversários da Rússia fora da região. Portanto, sugeriu Mearsheimer, seria prudente que a Ucrânia não fizesse isso, não cutucasse o olho do urso russo.

No entanto, de acordo com Mearsheimer, é exatamente isso que uma elite americana e europeia arrogante vem incentivando a Ucrânia a fazer. Ao sugerir que a Ucrânia pode ser convidada para a aliança da OTAN e dar à Ucrânia a ideia de que pode fazer parte de uma equipe vencedora contra uma Rússia gigante, mas vacilante, o Ocidente deu à Ucrânia uma confiança ilusória de que pode enfrentar os russos, e se houver problemas, o Ocidente está pronto para proteger o país.

Mas é aí — adverte Mearsheimer — que o realismo entra em ação. Na realidade, nem os Estados Unidos nem a Europa Ocidental têm a motivação de enviar tropas para resgatar a Ucrânia. Quando a luta começa, os ucranianos têm que lutar sozinhos. Claro, o Ocidente pode enviar alguma ajuda letal, mas mesmo essa ajuda pode fazer pouco para proteger um pequeno país como a Ucrânia de um gigante agressor russo. As estimativas de inteligência mais prudentes afirmam que a Ucrânia só pode resistir por alguns dias.

Então, quem é o culpado pelo desastre na Ucrânia? Putin, principalmente, porque ele é o agressor. Mas uma análise realista, ou seja, maquiavélica, também atribui parte da culpa a uma Ucrânia que pensou que poderia escapar das regras da política de poder e a uma elite irresponsável de liderança ocidental que sustentou a Ucrânia nesta perigosa ilusão.

Mearsheimer está se mostrando certo: a realidade pode ser ignorada por um tempo, mas as consequências de ignorar a realidade não podem, no final, ser ignoradas.

As opiniões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times.

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