Aparentemente, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que a questão da Venezuela era de uma narrativa construída no cenário internacional, não era uma intenção passageira. Na manhã de quinta-feira (29), durante uma entrevista à Rádio Gaúcha, Lula ignorou a extensa lista de sanções, violações de direitos humanos e ausência de liberdades essenciais no país vizinho para proteger seu aliado de longa data, o ditador Nicolás Maduro.
Quando o Jornalista Rodrigo Lopes indagou sobre a dificuldade que o governo de Lula — e parte da esquerda brasileira — têm para considerar a Venezuela uma ditadura, o presidente respondeu que a “Venezuela tem mais eleições do que o Brasil. A Venezuela desde que Chávez tomou posse…” até ser interrompido pelo jornalista que questionou: “Mas eleições não garantem a democracia, né presidente?”
Lula prontamente respondeu: “deixa eu lhe falar uma coisa, o conceito de democracia é relativo para você e para mim. Eu gosto de democracia, porque a democracia que me fez chegar à presidência da República pela terceira vez”. Acrescentou: “Vai ter eleição nesse próximo ano na Venezuela, vai ter eleição. Rádio Gaúcha pode mandar lá uma equipe para saber se ela vai ser legítima ou não”
Lopes recordou ao presidente que em 2019 ele foi preso pelo regime de Maduro e teve seu celular e passaporte apreendido por agentes do Estado, sendo liberado sob ameaças.
“Presidente, eu fui preso na Venezuela três anos atrás. Então acho que… o senhor diria hoje que a Venezuela é uma democracia?”
Lula ignorou a pergunta do jornalista e seguiu afirmando que foi a oposição que não aceitou o resultado das eleições, novamente descartando todos os organismos nacionais e internacionais que apontaram as irregularidades nas supostas “eleições venezuelanas”, sendo uma das principais a impossibilidade de participação de qualquer opositor do regime.
Nas palavras do presidente Lula para Nicolás Maduro quando o venezuelano foi convidado e recebido com todas as honras em maio: “Acho que cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa, para que possa efetivamente fazer pessoas mudarem de opinião. […] É preciso que você construa a sua narrativa, e eu acho que por tudo que conversamos, a sua narrativa vai ser melhor do que a narrativa que eles têm contado contra você”,
Na ocasião, outras lideranças latinoamericanas, como o chileno Gabriel Boric e o uruguaio Luis Alberto Lacalle Pou, discordaram e expressaram consternação diante das palavras de Lula.
“Não é uma construção narrativa, é uma realidade, é séria”, afirmou Boric.
O presidente Lula parece estar fazendo mais do que aconselhar Maduro sobre a construção de uma narrativa que mude efetivamente a opinião sobre o que a Venezuela realmente é: uma ditadura.
Simpatia pelo regime de Ortega
A “relativização” da democracia não está limitada à Venezuela. Em 14 de junho, o governo Lula apresentou um documento de observações no qual propõe suavizar várias referências à repressão e às detenções arbitrárias na Nicarágua.
A representação brasileira na OEA pede que uma referência ao “retorno à democracia” na Nicarágua seja substituída por uma referência ao “fortalecimento da democracia”.
Também propõe a remoção de referências que presumem ou insinuam que o regime de Ortega reprimiu a população e cometeu detenções arbitrárias e, em vez disso, pede que o governo “se abstenha de repressão e detenções arbitrárias”.
A proposta do governo Lula também exclui um parágrafo que expressava “preocupação com os relatórios sobre a deterioração da situação dos direitos humanos das mulheres, dos povos indígenas e dos afrodescendentes na Nicarágua, muitos dos quais estão enfrentando uma repressão crescente”.
Foi excluída na sugestão ainda uma menção de que “a piora das condições fez com que centenas de milhares de nicaraguenses deixassem o país desde 2018”.
Até o regime comunista chinês…
Em uma entrevista ao jornal chinês Guancha em julho de 2021 — na qual presidente Lula elogiou diversas vezes o Partido Comunista Chinês e seu regime, e que os checadores de fatos trabalharam incansavelmente para reduzir os danos das declarações — Lula já mostrava que nem o regime mais perverso da história ficaria de fora das suas relativizações.
São vários os trechos que merecem ser mencionados, mas com certeza este é digno de destaque pelo impacto do seu significado. Aos 21 minutos e 25 segundos da entrevista, enquanto Lula respondia sobre o crescimento chinês em comparação com os outros países do BRICS, o presidente afirma que “a China é um exemplo de desenvolvimento para o mundo” e que esperava que outros países aprendessem a lição com a China “para que a gente possa ser mais rico, ser mais forte, ter mais distribuição de riqueza e ter um mundo mais humano”.
Para completar o seu entendimento sobre o regime do Partido Comunista Chinês (PCCh), ao ser questionado sobre as violações dos direitos humanos, presos políticos e de consciência e restrição de liberdades em entrevista ao canal português RTP1, em 22 de abril, o presidente afirmou que “todos os países do mundo têm problemas. Nós precisamos aprender a respeitar a autodeterminação dos povos. A China encontrou um jeito de resolver os seus problemas, e um jeito que permitiu que a China logo logo se transforme na primeira economia do mundo.”
Diante de tais declarações, é inevitável nos perguntarmos o que o nosso atual presidente acha que é preciso e aceitável para alcançar o que a China alcançou, porque desde a Revolução Cultural até hoje, o suposto crescimento econômico da China comunista veio através de milhões de mortes, genocídio, roubo e escravidão. Da Grande Fome provocada diretamente pelos planos de Mao Tsé-Tung e do PCCh, ao massacre da Praça da Paz Celestial, milhões de chineses foram assassinados pela ditadura do regime chinês.
Tibetanos, muçulmanos uigures e praticantes do Falun Dafa são perseguidos, colocados em campos de trabalho forçado e em condições análogas à escravidão para enriquecer o PCCh. No caso dos praticantes do Falun Dafa, uma prática espiritual baseada nos princípios de verdade, compaixão e tolerância, amplamente difundida na década de 90 e com 100 milhões de adeptos estimados em 1999, a perversidade do regime além das questões já citadas, passou a tratar pessoas inocentes perseguidas por sua fé como bancos de órgãos vivos, promovendo a extração forçada de órgãos, um negócio macabro e milionário para o PCCh e que acontece até hoje, mesmo com denúncias documentadas e protocolados na ONU.
Então, como considerar questões tão sérias apenas como “problemas” ou “autodeterminação dos povos”? Como isso pode ser visto como um “exemplo de desenvolvimento para o mundo”? Como podemos olhar para tudo isso e sequer imaginar que essa é uma forma “ para que a gente possa ser mais rico, ser mais forte, ter mais distribuição de riqueza e ter um mundo mais humano”?” Novamente é inevitável o questionamento — e é inevitável negar a extrapolação do comum.
E talvez por inspiração em nosso presidente, ou por uma convergência global sobre distorção do que é democracia, o Partido Comunista Chinês também relativizou o conceito e se autoproclamou uma democracia. Não uma qualquer! Uma democracia mais democrática do que os Estados Unidos da América.
O protagonista da última iteração da narrativa de “ditadura democrática” maoísta, foi o embaixador da China nos Estados Unidos, Xie Feng, que participou de uma conferência em Washington no último final de semana de junho. Xie afirmou que: “A China tem continuamente desenvolvido a democracia popular de processo integral. É a democracia popular por natureza e também representa a vontade do Estado. É, por tanto, a democracia extensa e genuína que realmente funciona”. Ratificou com a clássica “falar tudo para não dizer nada”: “A China está comprometida com um caminho para o desenvolvimento de direitos humanos que atenda à tendência dos tempos e se adapte às nossas condições nacionais.”
Não sei se Xie Feng ouviu as declarações do presidente Lula antes de preparar seu discurso, mas a ditadura de onde vem mostra a consequência de suas palavras.
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