Matéria traduzida e adaptada do inglês, publicada pela matriz americana do Epoch Times.
Na semana passada, ocorreu uma cúpula histórica do grupo BRICS, um bloco econômico de nove países liderado por Moscou e Pequim, que reuniu representantes de 36 países, incluindo 22 chefes de estado.
Realizado de 22 a 24 de outubro na cidade russa de Kazan, o evento teve como foco principal a “desdolarização” — a ideia de substituir gradualmente o dólar americano como moeda de reserva e meio preferido de troca global.
“Não rejeitamos o dólar”, disse o presidente russo, Vladimir Putin, na cúpula. “Mas se nos impedirem de trabalhar com ele, o que temos que fazer? Temos que buscar alternativas. E é isso que está acontecendo”.
A maioria dos especialistas ocidentais, no entanto, descarta a ideia de desdolarização como irrealista, senão totalmente impossível, dado o papel duradouro do dólar como a moeda padrão mundial para transações comerciais.
“Construir um sistema de compensação financeira alternativo para acomodar transações em rublos ou yuan pode ser possível para membros do BRICS — mas é algo improvável”, disse Ariel Cohen, membro sênior do Atlantic Council, um think tank em Washington dedicado a assuntos internacionais, ao jornal Epoch Times.
Matthew Bryza, ex-funcionário da Casa Branca e alto funcionário do Departamento de Estado, concordou.
Bryza, ex-embaixador dos EUA no Azerbaijão e membro do conselho da Jamestown Foundation, com sede em Washington, disse ao Epoch Times que a noção de desdolarização — defendida por Moscou e Pequim — “não tem perspectiva de avançar como resultado do BRICS”.
“É possível que os Estados Unidos abusem das sanções e acabem deixando uma massa crítica de países querendo desdolarizar a economia”, afirmou ele.
“Mas, no momento, a decisão de usar ou não o dólar é guiada pela utilidade financeira que a maioria do mundo vê no uso do dólar”.
Outros, no entanto, têm uma visão diferente.
“O objetivo do BRICS não é substituir o dólar como moeda global”, disse Mamdouh Salameh, especialista em energia global baseado no Reino Unido, ao Epoch Times.
Em vez disso, ele disse: “[Os países do BRICS visam] criar seu próprio sistema financeiro com base em uma moeda comum para transações entre si, evitando assim o impacto adverso do dólar sobre suas economias, comércio e finanças”.
Segundo Salameh, ex-professor visitante de economia de energia na ESCP Business School, em Londres, os membros do BRICS acreditam que o dólar americano “pode estar prestes a sofrer uma desvalorização significativa — ou até mesmo um colapso — devido a uma dívida nacional crescente que chegou a quase US$ 37 trilhões em 2024”.
Cohen descartou esses temores, afirmando que a posição de liderança do dólar está enraizada na força da economia americana — e no poder militar dos Estados Unidos.
“Enquanto os Estados Unidos desempenharem um papel econômico e financeiro global, apoiado por poder militar, as pessoas não devem se preocupar com o dólar”, afirmou.
“No entanto, se o aumento da dívida nacional ou uma fraqueza militar continuar, aí sim, todas as previsões podem mudar — especialmente se os Estados Unidos começarem a se desvincular de seu papel global”.
O BRICS foi fundado em 2006 por Brasil, Rússia, Índia e China, com a África do Sul juntando-se em 2010. Este ano, Irã, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos também aderiram ao clube em expansão. A Arábia Saudita foi convidada a se juntar, mas atualmente não é membro.
Atualmente, acredita-se que o bloco de nove membros representa entre 40% e 45% da população mundial e cerca de um terço da economia global.
“Transformando o dólar em arma”
Sob o sistema de Bretton Woods, o dólar americano tornou-se o principal meio de troca comercial mundial após a Segunda Guerra Mundial.
O BRICS busca desafiar a posição de liderança do dólar ao reduzir seu uso em transações financeiras, favorecendo as moedas nacionais de seus estados-membros.
Falando na cúpula, Putin afirmou que cerca de 95% de todo o comércio entre Rússia e China agora é realizado em rublos e yuanes chineses.
Em seu discurso aos participantes em 24 de outubro, ele comentou que o sistema de Bretton Woods garantiu a supremacia do dólar na ordem global do pós-guerra.
“Naquela época, a estabilidade do dólar era garantida… por sua ligação ao ouro”, disse ele, acrescentando que essa ligação foi rompida na década de 1970, quando o dólar foi desvinculado do padrão ouro.
“Agora, a única garantia da estabilidade desta moeda mundial [ou seja, o dólar] é a estabilidade de uma economia: a economia dos EUA”, afirmou Putin.
Alguns membros do BRICS veem a desdolarização como uma forma de se protegerem de sanções lideradas pelos EUA, que incomodam a Rússia há mais de dez anos.
Uma declaração conjunta emitida em Kazan condenou o “efeito disruptivo de medidas coercitivas unilaterais ilegais, incluindo sanções ilegais, na economia mundial [e] no comércio internacional”.
Durante seu discurso na cúpula em 23 de outubro, o presidente iraniano Masoud Pezeshkian, cujo país tem sido alvo de sanções dos EUA há muito tempo, acusou os Estados Unidos de “usar o dólar como uma arma… para controlar outras nações”.
Mas, segundo Bryza, até que ponto a desdolarização protegeria os estados do BRICS de possíveis sanções dependeria de “quantos países aderirem à união monetária ‘desdolarizada’”.
“Não importa se a Rússia e outros países do BRICS inventarem uma maneira de realizar seu comércio com base em algo diferente do dólar”, disse ele, “enquanto o resto do mundo continuar usando o dólar.
“E o resto do mundo não quer arriscar estar sujeito a sanções dos EUA, ou ser proibido de usar o sistema financeiro dos EUA”.
Ignorando o SWIFT
A ideia de desdolarização também envolve a criação de métodos alternativos de pagamento transfronteiriço para alcançar a independência dos sistemas ocidentais.
Atualmente, o principal sistema para pagamentos internacionais é o SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication), baseado na Bélgica e criado em 1973.
Como o Departamento do Tesouro dos EUA tem considerável supervisão sobre o SWIFT, a Rússia, juntamente com outros estados do BRICS, alega que o sistema foi “transformado em arma” por Washington e seus aliados.
Assim, os estados do BRICS esperam criar um sistema alternativo que, teoricamente, protegeria seus membros da ameaça de sanções lideradas pelos EUA.
A declaração conjunta emitida em Kazan pede “instrumentos de pagamento transfronteiriços mais eficientes, transparentes, seguros e inclusivos, baseados no princípio de minimizar barreiras comerciais e acesso não discriminatório”.
Ferit Temur, analista político turco especializado em assuntos russos, observou que a Rússia já lançou seu próprio sistema de pagamento “Mir”, embora tenha tido sucesso limitado.
“Mas, seja com o sistema Mir ou outro, não é um objetivo realista para os países do BRICS eliminarem rapidamente o SWIFT”, disse Temur ao Epoch Times.
“Isto se deve à alta taxa de uso do sistema SWIFT, tanto entre os estados do BRICS quanto no comércio com o resto do mundo”.
No entanto, a desdolarização, conforme idealizada por Moscou e Pequim, “pode encontrar uma resposta em uma parte significativa do mundo nos próximos 10 a 15 anos”, afirmou.
De acordo com Bryza, um sistema alternativo tem “zero chance de sucesso, porque o SWIFT funciona muito bem — enquanto você não invade outro país”.
“As ambições políticas da Rússia nunca conseguirão superar o enorme benefício financeiro e econômico que o sistema SWIFT proporciona”, ele disse.
“Eles podem tentar desdolarizar o quanto quiserem.
“Mas, até que o mundo inteiro tenha uma economia desdolarizada, isso não terá muito impacto em proteger esses países de sanções”.
Por outro lado, Salameh descreveu a desdolarização como uma “abordagem muito realista” para os problemas econômicos que alguns estados do BRICS enfrentam.
Os membros do BRICS, ele disse, querem proteger suas economias da “transformação do dólar em arma, das sanções dos EUA e da rápida perda de poder de compra do dólar”.
“Eles também são incentivados pela redução de reservas em dólar nos bancos centrais e pela compra de ouro devido à falta de confiança no dólar”, afirmou Salameh.
Cohen admitiu que um sistema rival desdolarizado “pode ser uma possibilidade” e que tal medida “dificultaria a aplicação de sanções”.
“No entanto”, ele disse, “isso não tornará o dólar obsoleto”.
Cohen acrescentou que a Rússia está “liderando” o esquema de desdolarização, “mas o país que realmente pode fazer isso acontecer — em termos do tamanho de sua economia — é a China”.
Wesley Alexander Hill, analista-chefe e gerente de programas internacionais de energia, crescimento e segurança no International Tax and Investment Center, descreveu as discussões sobre desdolarização como “totalmente exageradas”.
Rússia e China, ele disse, estão plenamente cientes de que “os sistemas que criaram não podem competir com o dólar”.
“A China tem a capacidade teórica de desafiar o dólar no sistema financeiro global”, Hill disse ao Epoch Times. “Mas este é um projeto extremamente de longo prazo — algo para 20 a 30 anos”.
As opiniões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times