Zimbábue: Será realmente um novo começo?

05/12/2017 19:45 Atualizado: 08/05/2018 11:53

Por David T. Jones

O longo pesadelo nacional acabou, será verdade?

Há um sentido moderado de exultação pública que a remoção do presidente Mugabe do poder em 15 de novembro é o equivalente a cantar “A bruxa malvada está morta” em o “Mágico de Oz”, com um “mago perverso” esperando nas proximidades.

Os zimbabuenses fizeram o equivalente a trocar o “rei Cepo pelo rei Cegonha”? [uma referência às Fábulas de Esopo, ou a um líder passivo e outro energético porém cruel]

Quando o apelido do novo substituto de Robert Mugabe é “O Crocodilo”, isso não sugere uma pessoa agradável e calorosa comprometida com a democracia, os direitos humanos, a honestidade no governo e a reforma econômica. Na verdade, parece ser mais um golpe palaciano quando Emmerson Mnangagwa, há muito tempo um apoiador de Mugabe e vice-presidente, decidiu agir após Mugabe, de 93 anos, demiti-lo e ter tentado instalar sua esposa Grace Mugabe como seu sucessor. Parecia que a longa e paciente espera de Mnangagwa para assumir o poder em seu próprio direito não ia vingar; então, temendo as consequências, ele rapidamente saiu do país, mas não antes de mobilizar seus próprios aliados nas forças armadas.

Zimbábue, Mugabe - A esposa do presidente Robert Mugabe, Grace Mugabe, e o vice-presidente Emmerson Mnangagwa participam de um encontro do principal órgão decisório do partido ZANU-PF, o Politburo, na capital de Harare, Zimbábue, em 10 de fevereiro de 2016 (Philimon Bulawayo/Reuters)
A esposa do presidente Robert Mugabe, Grace Mugabe, e o vice-presidente Emmerson Mnangagwa participam de um encontro do principal órgão decisório do partido ZANU-PF, o Politburo, na capital de Harare, Zimbábue, em 10 de fevereiro de 2016 (Philimon Bulawayo/Reuters)

Para muitos, o esforço de Mugabe para instalar sua esposa, Grace Mugabe, como seu sucessor foi a última gota. Uma cleptomaníaca com fome de poder e interesses apenas na autopromoção, ela era amplamente impopular. Mugabe manteve a alcunha de “Pai do seu país”, como o indivíduo que mudou o país do controle britânico/branco da “Rodésia” para o controle africano como “Zimbábue”.

Mas, enquanto sua longa vida prosseguia, ele supervisionou a destruição econômica do país e sua transformação em essencialmente uma ditadura de partido único, e perdeu o apoio de todos, exceto daqueles que continuaram a se beneficiar do saque sistemático do país.

Um breve histórico

O Zimbábue foi uma exceção à maioria das colônias europeias na África que ganharam independência com mínima violência. Fundado essencialmente pelo empresário britânico Cecil Rhodes, a área era rica em minerais e adequada à agricultura. Muitos brancos britânicos se instalaram na região para tornar possível a resistência armada, e em 1965 anunciaram uma Declaração de Independência Unilateral para a “Rodésia”, liderada por Ian Smith, mas sem qualquer reconhecimento internacional.

Uma guerra do tipo guerrilha se seguiu com Mugabe liderando um dos dois grupos de tendência comunista. Eles se tornaram suficientemente efetivos e, em combinação com extensas sanções internacionais, forçaram Smith a mesa de negociações em 1980 e derrubaram seu governo.

Em continuação, Mugabe e seu partido saquearam os fundos públicos e despojaram 4 mil agricultores brancos que haviam sido gerentes produtivos de terras cultivadas, fazendo do Zimbábue “o celeiro da África”. Entre 2000 e 2016, após a apreensão das terras de propriedade branca, a produção anual de trigo caiu de 250 mil toneladas para 60 mil toneladas, o milho caiu de 2 milhões de toneladas para 500 mil toneladas e a produção de café praticamente interrompeu-se. A inflação anual atingiu 11.200.000% em agosto de 2008, e em janeiro de 2009 o governo autorizou transações em moeda estável, como o dólar americano.

Zimbábue, Mugabe - Soldados são vistos ao lado e num veículo blindado numa rua no centro de Harare, no Zimbábue, em 16 de novembro de 2017 (Philimon Bulawayo/Reuters)
Soldados são vistos ao lado e num veículo blindado numa rua no centro de Harare, no Zimbábue, em 16 de novembro de 2017 (Philimon Bulawayo/Reuters)

A dívida subiu numa espiral fora do controle, e ações como a desapropriação não compensada de fazendas/propriedades resultou na redução do acesso do país a instituições de crédito como o Banco Mundial e o FMI.

Politicamente, Mugabe e seu partido foram classicamente autoritários. Cada eleição desde 1980 caracterizou-se por fraude e corrupção. Os esforços dos partidos da oposição de fazerem acordos com Mugabe simplesmente se tornaram armadilhas políticas que desacreditaram aqueles que participaram sem alterar as ações e as políticas do governo.

Cathy Buckle, uma observadora do país e autora de longa data, forneceu relatos frequentes sobre o estado patético no qual a economia e a sociedade do país caíram e a brutalidade da repressão política de Mugabe.

O presente

O Sr. Crocodilo em seu discurso inaugural sugeriu mudanças econômicas e políticas para mover o Zimbábue adiante novamente. Ele ofereceu três meses de anistia pelo retorno dos fundos estatais depositados no estrangeiro. E prendeu alguns criminosos óbvios, por exemplo, o ex-ministro das finanças.

Mas ele precisará fazer muito mais para reaver o dinheiro evadido com empréstimos e perdão de dívidas.

De qualquer forma, o Sr. Crocodilo enfrentará eleições presidenciais em agosto de 2018. Seu oponente principal seria Morgan Tsvangirai, liderando o Movimento pela Mudança Democrática, a menos que o Crocodilo orquestre o atraso prolongado da eleição.

Um dos elementos patéticos do colapso duradouro do Zimbábue é que ele tenha durado tanto tempo. Os Estados africanos circundantes simplesmente ignoraram a depredação sob Mugabe, mostrando-se relutantes em agir contra uma figura de libertação nacional. O grande êxodo da população branca e a saída de cidadãos talentosos (que ajudam a manter a sociedade à tona com remissões de seus trabalhos no exterior) aparentemente também não se enquadram no princípio de “responsabilidade de proteger”.

Nenhuma coalizão ocidental se mostrou disposta a reunir um punhado de batalhões de infantaria leve (tudo o que teria sido necessário) para acabar com o desastre.

Então, o Zimbábue está no fosso, e levará anos, talvez décadas, para se recuperar.

David T. Jones é um oficial de carreira sênior aposentado do serviço estrangeiro do Departamento de Estado dos Estados Unidos que publicou inúmeros livros, artigos, colunas e análises sobre questões bilaterais estadunidense-canadenses e política externa em geral. Durante sua carreira de mais de 30 anos, seu foco foram questões político-militares, servindo como conselheiro de dois generais do Exército. Entre seus livros, está “Alternative North Americas: What Canada and the United States Can Learn from Each Other