Por Brittany Hunter, Instituto Mises Brasil
Nota do editor
Em novembro de 2017, publicamos um artigo saudando a decisão do governo norte-americano de revogar a lei da “neutralidade de rede”, a qual havia sido implantada em fevereiro de 2015.
Apresentamos números que mostravam que o investimento em internet, que até então subia continuamente, não apenas foi interrompido em 2015, exatamente quando da implantação da neutralidade de rede, como ainda retrocedeu 6% em relação ao ano anterior pela primeira vez na história. Apresentamos os argumentos teóricos que explicavam o porquê desta súbita interrupção (as regulações da neutralidade de rede eram uma espécie de controle de preços). E argumentamos que o fim da neutralidade de rede seria positivo, pois, com a abolição deste controles de preços, haveria novos entrantes no mercado, pois agora faria sentido investir para inovar.
Não foram poucos os leitores que nos xingaram de ingênuos, dizendo que o fim da neutralidade de rede seria uma catástrofe que geraria exatamente o contrário do que prevíamos, com a internet sendo “dominada pelas grandes corporações” (que, na realidade, eram a favor da neutralidade de rede, como mostramos no artigo) e com os consumidores sendo prejudicados. Não foram poucos os que disseram que a abolição da neutralidade de rede — que, atenção!, só foi implantada em 2015 — representaria o fim da internet como a conhecíamos.
Pois bem.
No último dia 14 de dezembro de 2018, completou-se um ano da abolição da neutralidade de rede nos Estados Unidos. O que ocorreu? Exatamente o que previmos no artigo: segundo a revista PC Magazine, a velocidade de download cresceu 35% ao longo de 2018. Já a taxa de download em redes fixas nos Estados Unidos passou para, na média, 92 Mbps. Nada mau.
A seguir, um artigo sobre isso.
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Este mês completa um ano desde que a FCC (Federal Communications Commission, agência do governo norte-americano que regulamenta a área de telecomunicações e radiodifusão) revogou as controversas regras da neutralidade de rede nos Estados Unidos, oficialmente matando a internet — ou, ao menos, era isso o que os defensores da neutralidade de rede juravam que ia acontecer.
Porém, se analisarmos o que realmente aconteceu desde que as regras foram abolidas, iremos constatar que a retórica (quase sempre histérica) não se converteu em realidade. Ao contrário: a internet melhorou desde que as regulações foram relaxadas.
A criação da histeria
A internet tem sido uma mercadoria familiar disponível para o público desde o dia 6 de agosto de 1991. No entanto, de acordo com os mais fervorosos defensores da neutralidade de rede, a internet só foi realmente decolar em fevereiro de 2015, quando a FCC aprovou e adotou as novas regras. Até então — a julgar pela retórica dessas pessoas —, era como se a internet mal funcionasse.
O período que antecedeu a votação sobre a neutralidade de rede, bem como o período de sua subsequente revogação, foi palco de uma incrível histeria em massa, em que várias pessoas estavam honestamente convencidas de que, sem as intervenções estatais, todos os serviços online que até então usufruíamos deixariam de existir.
Em um artigo intitulado “Como a abolição da neutralidade de rede irá arruinar a internet para sempre”, a revista GQ chegou até mesmo a dizer o seguinte:
“Pense em tudo que você sempre amou na internet. Aquele website que lhe fornece todos os códigos para trapacear em Grand Theft Auto: Vice City. Vídeos fofinhos de animais no YouTube. A música ilegal que você baixava no Napster e no Kazaa. A música legal que você escuta no Spotify. …Os filmes e seriados que você vê no Netflix, na Amazon e no Hulu em intermináveis maratonas. O site de namoros que ajudou você a encontrar a pessoa com quem agora você está casado. Todas essas coisas só existem graças à neutralidade de rede.”
É bastante espantoso que este raciocínio — na verdade, que este sentimento — tenha sido tão amplamente aceito como verdadeiro, considerando que absolutamente todos os exemplos citados acima já existiam antes das leis de neutralidade de rede.
Com efeito, a única razão de a internet ter se tornado uma parte tão integral de nossas vidas foi o fato de ela ter se mantido praticamente intocada pelas forças regulatórias. A internet, até então, nunca havia sido regulada pelo governo.
E desde que essa ordem espontânea foi permitida, os usuários de internet foram abençoados com contínuas e desenfreadas inovações geradas por uma robusta variedade de serviços, os quais a revista GQ estranhamente atribui a uma ação governamental que só ocorreu 24 anos após o uso da internet ter se tornado uma norma.
Estes pequenos detalhes foram, obviamente, ignorados por grande parte do público, e o pânico com a notícia da revogação continuou. Até mesmo instituições defensoras das liberdades civis se juntaram ao frenesi, dizendo que sem a neutralidade de rede “corremos o risco de cairmos vítimas dos caprichos gananciosos das poderosas gigantes das telecomunicações”.
Hoje já é possível ver com mais clareza quão absurdos eram os argumentos em prol da neutralidade de rede.
O que é a neutralidade de rede?
A neutralidade de rede foi uma política que queria definir a internet como um “serviço de utilidade pública”, o que a colocava na mesma categoria de eletricidade, saneamento, água encanada e serviços telefônicos. Tal medida tornava a internet totalmente vulnerável a políticas de “fiscalização regulatória”, especificamente no que diz respeito a velocidades de conexão e aos preços que os provedores podiam cobrar dos consumidores. Estes passariam a ser tabelados por burocratas.
Na teoria, a ideia da neutralidade de rede soava bonita aos ouvidos dos leigos: o governo passaria a regular os provedores de serviços de internet (os ISPs) para que eles não impedissem o livre acesso das pessoas à rede. Isso, inevitavelmente, gerou a pergunta: quem estava tendo seu acesso à rede negado? Ninguém.
A ideia vendida ao público era a de que os provedores estariam proibidos de discriminar e restringir o conteúdo que trafegava nos cabos, e não podiam cobrar preços diferenciados para cada conteúdo. Assim, uma pessoa que usa a internet apenas para checar emails deveria pagar o mesmo tanto pelos serviços do que aquela que usa a internet para ver filmes, ouvir musica e baixar volumosos dados.
Na prática, os provedores de serviços de internet ficaram proibidos de oferecer planos de acesso específicos, ao gosto do consumidor. E ficaram também proibidos de cobrar das empresas geradoras de tráfego (como Netflix, Skype, Youtube, Facebook, Twitter, Amazon etc.) por esse serviço, o qual exige uma grande largura de banda.
A neutralidade de rede, portanto, determinou que os próprios provedores de serviços de internet (ISPs) deveriam arcar com os altos custos desse serviço.
Por isso, a medida contou com o entusiasmado e irrestrito apoio de todos os principais nomes do ramo de disponibilização de conteúdo: Amazon, eBay, Facebook, Google, Microsoft, Netflix, Twitter e Yahoo.
O então presidente Obama teceu louvores à neutralidade de rede, dizendo:
“Por quase um século, nossas leis sempre estipularam que as empresas que conectam você ao mundo têm obrigações especiais para não explorarem o monopólio que elas possuem sobre o acesso para dentro e para fora de sua casa ou de sua empresa. É sensato que esta mesma filosofia seja utilizada para nortear qualquer serviço que se baseie na transmissão de informação — seja uma chamada telefônica ou um pacote de dados.”
Para aqueles que pensam que as regras de neutralidade de rede são uma boa ideia, a indústria ferroviária norte-americana serve como um perfeito exemplo prático do quão danoso é declarar que bens de consumo são “serviços de utilidade pública”. Assim como a internet, as ferrovias mudaram o mundo ao conectar pessoas, ideias e bens de uma maneira até então inédita. Em 1887, a agência reguladora Interstate Commerce Commission foi criada especificamente para regular o setor ferroviário, controlando preços e estipulando serviços com o intuito de “proteger” os consumidores, para que “não caíssem vítimas dos caprichos gananciosos das poderosas gigantes” da indústria ferroviária.
Assim como hoje, a preocupação era que as poderosas empresas ferroviárias iriam arbitrariamente aumentar as tarifas ou fazer conluio com outras empresas para prejudicar os consumidores. Como consequência, a ICC classificou as ferrovias como um “serviço de utilidade pública”. Porém, é claro, os resultados foram mais maléficos do que benéficos.
Como escreveu Robert J. Samuelson no Washington Post:
“As empresas ferroviárias tinham de recorrer à ICC para conseguir aprovação para tudo: tarifas, fusões, alterações de rota e de itinerário, e abandonar linhas secundárias pouco usadas. De um lado, quem enviava mercadorias se opunha a mudanças que poderiam aumentar os custos. De outro, as ferrovias não conseguiam fazer frente à nova concorrência que surgia no formato de caminhões e barcas. Em 1970, a mastodôntica ferrovia Penn Central — que atuava no nordeste dos Estados Unidos — foi à falência e acabou sendo incorporada pelo governo.”
Negada a liberdade de inovar e fornecer os melhores serviços possíveis aos consumidores sem antes de ter de cumprir uma série de requisitos burocráticos e regulatórios, a indústria ferroviária ficou amarrada e definhou.
Em 1980, os impactos negativos já eram visíveis demais até mesmo para o governo, que não mais podia ignorá-los. A ICC foi abolida. Imediatamente em seguida, a indústria ferroviária se recuperou. Não apenas as tarifas de frete e os custos operacionais gerais diminuíram, como também as ferrovias finalmente conseguiram voltar a apresentar lucros — algo que havia se tornado raro após a criação da ICC.
Em outras palavras, a abolição da agência reguladora resultou em uma situação de ganhos mútuos para todos os lados envolvidos. E parece que o mesmo está acontecendo com a revogação da neutralidade de rede.
Vamos confessar que melhorou
Se fôssemos levar a sério toda a azáfama feita no fim de 2017, era para hoje o céu já ter desabado e a internet estar ou obsoleta ou exorbitantemente cara devido à falta de regulação.
No entanto, em vez de custos disparando ou velocidades de conexão diminuindo, as coisas na verdade melhoraram bastante.
De acordo com o site Recode, de notícias sobre tecnologia, as velocidades de internet aumentaram aproximadamente 40% desde que a neutralidade de rede foi abolida. Não mais restringidas pelas regulações estatais, os provedores de internet ficaram livres para expandir suas redes de fibra ótica, o que permitiu maiores velocidades:
“Finalmente boas notícias: a internet está se tornando mais rápida, especialmente a internet de banda larga fixa. Desde o ano passado, as velocidades de download em banda larga aumentaram 35,8% e as velocidades de upload aumentaram 22%, de acordo com o ultimo relatório da empresa Ookla, que testa velocidades de internet.”
Agora, seria de se esperar que esse tipo de notícia faria com que aquelas pessoas que trabalharam tão diligentemente para espalhar o medo tivessem a humildade de vir a público e escrever artigos dizendo “oops, estávamos errados, desculpe”. Mas não, isso não ocorreu.
A revista Wired, que publicou vários artigos defendendo a neutralidade de rede e espalhando temores, de fato publicou um artigo intitulado “Um ano sem a Neutralidade de Rede: sem grandes mudanças (ainda)“, no qual admite que nenhuma das previsões catastrofistas se tornou realidade. Porém, ela ainda se apega à paradoxal crença de que uma internet livre de regulações e burocracias não é uma internet realmente livre.
Para concluir
Como disse Jeffrey Tucker em seu artigo de novembro de 2017, “o fim da neutralidade de rede é, até então, a melhor iniciativa de desregulamentação já tomada pelo governo Trump. Devemos sempre aproveitar toda e qualquer desregulamentação que eventualmente ocorra. É algo raro.”
Estejam os negacionistas dispostos ou não a admitir, menos regulações governamentais resultam em melhores arranjos tanto para empresas quanto para consumidores. Logo, da próxima vez que você ouvir alguém dizendo que a falta de regulação será o fim da vida como a conhecemos, lembre-se do que realmente ocorreu quando o governo finalmente libertou a internet de suas garras regulatórias.
Britanny Hunter é fundadora do website generationopportunity.org e membro da Foundation For Economic Education
O conteúdo desta matéria é de responsabilidade da autora e não reflete necessariamente a opinião do Epoch Times