Senadores da Califórnia ameaçados pelo consulado chinês por resolução de direitos humanos

19/09/2017 15:46 Atualizado: 19/09/2017 20:58

SACRAMENTO, Califórnia — Discursos apaixonados convocando os californianos a lutarem juntos contra a tirania foram ouvidos no capitólio estadual, em 31 de agosto, quando 200 ativistas de direitos humanos se reuniram para demonstrar o seu apoio à SJR 10 – uma resolução estadual que condena o Partido Comunista Chinês, por continuar com a repressão ao Falun Gong.

Legisladores estaduais, bem como três sobreviventes da repressão brutal, pediram aos californianos que permaneçam unidos contra essa “grave violência estatal”, como afirmou um dos senadores, que ocorre agora na China.

Em 29 de agosto, a resolução foi aprovada por unanimidade da Comissão Jurídica. Mas, no dia 1º de setembro, no dia anterior ao comício, o Senado do estado da Califórnia votou, inesperadamente, para devolver a SJR 10 à Comissão de Regras – na prática, impedindo que ela seja posta para votação no Senado.

Interferência estrangeira

O ocorrido parece ser resultado de interferência direta do regime comunista chinês em assuntos do governo norte-americano.

Naquele dia, membros do Senado receberam, por e-mail, uma carta do consulado chinês em São Francisco.

“Gostaríamos de, urgentemente, chamar a atenção dos legisladores da Califórnia para a SJR-10”, a carta assinada começa.

“Isso pode prejudicar profundamente a cooperação entre o estado da Califórnia e a China”, o texto continua.

Posteriormente, a carta ressalta os valores elevados de comércio entre a China e a Califórnia e de turistas chineses que visitam a região e o fato de que a China é a maior fonte de estudantes estrangeiros que frequentam as faculdades e universidades californianas.

Em seguida, a carta pede aos legisladores que não aprovem a resolução, “para não sabotar a amizade e o desenvolvimento sustentável entre a China e a Califórnia”.

O autor da resolução, Senador Estadual Joel Anderson (Republicano), já sabia que aprovar uma condenação oficial dos abusos de direitos humanos na China não seria fácil.

Na manifestação, Anderson discursou: “Orgulhosamente, eu estou firme aqui com todos, para condenar a repressão aos praticantes do Falun Gong pelo governo chinês. […] É preciso de grande coragem para se opor à repressão, para se opor a uma das maiores nações do mundo – a China – e denunciá-los pelos crimes de extração forçada de órgãos e de genocídio contra o Falun Gong. Juntos, demos nossos primeiros passos para defender a liberdade e os direitos humanos”.

Falun Dafa, também conhecido como Falun Gong, é um caminho espiritual tradicional chinês que consiste em fazer exercícios suaves e viver pelos princípios de verdade, benevolência e tolerância. Tornada pública pela primeira vez em 1992, espalhou-se rapidamente por toda a China, e, em 1999, havia em torno de 70 a 100 milhões de chineses praticando-a.

Temendo a sua popularidade – havia mais praticantes do Falun Gong do que membros do Partido Comunista Chinês –, o então líder chinês Jiang Zemin baniu a prática e convocou todo o aparato de segurança do país, a imprensa e o judiciário, para participarem de uma imensa campanha de repressão que continua até os dias de hoje.

Extração forçada de órgãos

Durante esses 18 anos, a repressão atingiu a escala de genocídio. Na manifestação, Anderson usou essa palavra de peso e pediu para que esse crime parasse.

“Na Segunda Guerra Mundial, houve pessoas que negaram a existência do Holocausto, que disseram que ele não estava ocorrendo. Agora sabemos que o Holocausto aconteceu e que milhões de judeus perderam suas vidas. Eu não vou cruzar meus braços, enquanto milhões de praticantes do Falun Gong são assassinados”, Anderson afirmou.

“Se você acredita com firmeza que ninguém deve ser perseguido e morto por seus órgãos, porque são adeptos de uma fé, então você precisa telefonar para o seu parlamentar e dizer a ele que é preciso pôr fim ao genocídio na China”, ele disse.

Anderson estava fazendo referência ao assassinato de praticantes do Falun Gong, para abastecer a crescente indústria de transplante de órgãos na China.

Em julho de 2006, o ex-secretário canadense de estado (Ásia-Pacífico) David Kilgour e o advogado internacional de direitos humanos David Matas publicaram um relatório, “Bloody Harvest”, no qual se investigou as alegações que as instituições chineses estão “extraindo à força os órgãos de praticantes do Falun Gong, matando-os no processo”.

Kilgour e Matas concluíram que as acusações são verdadeiras.

Em 2016, Kilgour e Matas, unindo esforços a Ethan Gutmann – autor do “The Slaughter: Mass Killings, Organ Harvesting, and China’s Secret Solution to Its Dissident Problem” –, publicaram um relatório atualizado.

O novo relatório explica que realizaram “uma análise meticulosa da situação dos transplantes em centenas de hospitais na China, com base em reportagens, propaganda governamental, periódicos de medicina, websites de hospitais e uma imensa quantidade de websites deletados encontrados em arquivos.

Os investigadores analisaram a receita hospitalar, a quantidade de leitos, a taxa de uso das camas, as equipes de cirurgia, os programas de treinamentos, financiamento estatal, entre outras coisas, concluindo que a China realiza de 60 mil a 100 mil transplantes por ano – e não apenas os 10 mil alegados pelo governo.

Os autores apuraram que a maioria dos órgãos são extraídos de praticantes do Falun Gong, com uma quantidade menor sendo retirados de outros prisioneiros de consciência, como tibetanos, uigures e cristãos independentes.

Convocando à ação

Em parte, a manifestação foi uma comemoração pela resolução ter sido aprovada na Comissão Jurídica, por outro lado, foi uma forma de encorajar os parlamentares, ajudando a promover o apoio à resolução no Senado da Califórnia.

No cerne da resolução apresentada por Anderson, há três afirmações:

“Juntos, o Senado e a Assembleia Legislativa do Estado da Califórnia, resolvem que a Legislatura expressa o seu apoio aos 18 anos de resistência pacífica dos praticantes do Falun Gong contra a repressão, que demonstra coragem e espírito humano resolutos; e, além disso

Resolvem que a Legislatura condena qualquer repressão autorizada pelo Estado aos praticantes do Falun Gong, na República Popular da China, ou em qualquer outro lugar;

Resolvem que a Legislatura exorta o Presidente e o Congresso dos Estados Unidos a condenar qualquer repressão autorizada pelo Estado aos praticantes do Falun Gong na República Popular da China, ou em qualquer outro lugar […]”

Uniram-se a Anderson, na autoria da SJR 10, quatro deputados estaduais – os Democratas Adrin Nazarian e Cristina Garcia e os Republicanos Randy Voepel e Tom Lackey – tornando a resolução em um trabalho bipartidário.

Voepel discursou também na manifestação, ressaltando a importância da resolução e a mensagem que ela envia ao governo chinês.

“Essa resolução faz uma declaração essencial de que nós somos contra a opressão – contra um regime que quer controlar as mentes e os corpos de seu próprio povo”, Voepel afirmou. “Extração forçada de órgãos faz muito dinheiro por lá – é uma economia paralela”.

“Isso é completamente maligno, e eu me oporei ao mal de qualquer maneira que eu puder”.

Três praticantes do Falun Gong que agora vivem na Califórnia também discursaram, compartilhando suas histórias dolorosas de como foram presos, submetidos à lavagem cerebral e torturados brutalmente, simplesmente porque não desistiram de suas crenças.

Eles também relataram como, enquanto prisioneiros nos campos de trabalho forçado, os praticantes do Falun Gong eram rotineiramente alvos de exames médicos e de sangue – o que é fora do comum, pois o governo não se preocupa com a saúde dos prisioneiros que tortura. Eles acreditam que esses exames tinham como objetivo criar um banco de doadores de órgãos. Um pesquisador médico comparou os praticantes detidos com lagostas em um tanque de um restaurante de frutos do mar, prontos para serem colhidos sempre que necessário.

David Xu era engenheiro de softwares de finanças, na China. Um grande amigo dele foi torturado até a morte, enquanto estave preso em 2011. Em abril de 2016, Xu temia que sua vez tivesse chegado.

Sequestrado em casa, ele foi levado a um centro de lavagem cerebral no qual foi torturado intensamente. Para Xu, o momento mais assustador foi quando colheram o seu sangue. Ele conhecia bem a prática do governo de extrair à força os órgãos de praticantes do Falun Gong, por isso passou a temer por sua vida. Então Xu fez greve de fome durante 18 dias, até ser libertado.

Agora em segurança nos Estados Unidos, ele não consegue deixar de se preocupar com seus amigos e familiares que ficaram na China. “Apesar de eu ter escapado, é difícil encontrar paz no meu coração, porque, nas prisões, ainda há muitos praticantes do Falun Gong.

A história se repete com Jie Li e Yolanda Yao. Se dirigindo ao público, ambas compartilharam histórias arrepiantes de encarceramento, tortura e testes misteriosos de sangue. Elas viram colegas praticantes serem espancados sem piedade, antes de eventualmente desaparecerem.

Yolando Yao, agora morando em Sunnyvale, abandonou o seu doutorado, por causa da perseguição. Ela foi presa em 2011 e ficou encarcerada por dois anos. “Palavras não conseguem descrever a dor que senti. Eu vivi, em primeira mão, a brutalidade da perseguição aos praticantes do Falun Gong. Aqueles foram os momentos mais sombrios da minha vida”.

Ela falou sobre como foi submetida a sessões de lavagem cerebral extremamente longas e incessantes torturas mentais e físicas, enquanto presa no Campo de Trabalhos Forçados de Pequim para Mulheres. Quando foi obrigada a se sentar em uma cadeira infantil por mais de 10 horas, todos os dias, suas pernas e pés inchavam imensamente, tendo como resultado severas hemorragias e ulcerações nas costas e no quadril.

Ela foi forçada a trabalhar como escrava, em um verão no qual a temperatura ultrapassava os 37,5 ºC. Em outro momento, ficou encharcada de pesticida, quando um tambor de 31 Kg, que carregava nas costas, derramou-se sobre ela.

No entanto, a experiência mais assustadora foram os exames de sangue a que ela e outros praticantes do Falun Gong eram submetidos três vezes ao ano. Assim como Xu, ela tinha consciência da extração forçada de órgãos e tinha certeza que o sangue deles estava sendo examinado, para avaliá-los como alvos em potencial.

Embora ela esteja em segurança na Califórnia, o coração dela ainda está na China com seus pais idosos, ambos presos por causa de suas crenças. “O sofrimento e tormento pelo qual passei no campo de trabalho forçado me assombra até hoje. Me deixa horrorizada, saber que meus pais estão sofrendo o mesmo destino”, ela disse.

Seu único consolo é a esperança de que a pressão internacional e ações individuais levarão à liberdade deles. Ela encerrou o discurso com uma súplica:

“Eu humildemente peço que ajudem a conscientizar as pessoas, sobre essa perseguição brutal, e torço para que, juntos, possamos pôr um fim a 18 anos de abuso, tortura, assassinatos e, a mais hedionda de todas, a extração forçada de órgãos de praticantes do Falun Gong.”

O Deputado Estadual Tom Lackey compartilhou sua esperança de que o povo da Califórnia lutará junto, para se opor a esses crimes. “Existir um governo que realmente aprove uma prática tão prejudicial e perversa é, simplesmente, inimaginável”, Lackey disse. “Aquelas pessoas estão descontroladas. Nós precisamos falar sobre isso o mais alto possível, para influenciarmos o governo e pressioná-lo a mudar essa política e, assim, salvar vidas”.

Colaborou: Stephen Gregory

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