Retrospectiva 2018: mudanças políticas no Brasil preocupam Havana

O posicionamento de Bolsonaro contra as ditaduras de Cuba e da Venezuela desencadeou a partir de Havana uma campanha aberta para desacreditar o novo governo brasileiro, que tenderia a tornar-se em ações de desgaste político dentro do Brasil

31/12/2018 15:34 Atualizado: 31/12/2018 15:34

Por Edgar Otalvora, Defesanet

Brasil e Colômbia serão os dois destinos de uma turnê antecipada a ser realizada pelo secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, no início de 2019, em que o “tema Venezuela” estará na mesa em várias reuniões.

Pompeo é o enviado de Donald Trump para liderar a delegação norte-americana nos atos de posse presidencial de Jair Bolsonaro em Brasília, no dia 1º de janeiro de 2019. Além de participar das cerimônias de posse de Bolsonaro, Pompeo e sua equipe realizarão uma reunião privada com o novo presidente brasileiro que espera estabelecer um relacionamento privilegiado com Washington. A primeira reunião de alto nível ocorreu em 29 de novembro de 2018, quando o Conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, visitou Bolsonaro no Rio de Janeiro. A sessão de trabalho de Bolsonaro com Pompeo será a continuação de um diálogo que o brasileiro aspira converter em ações conjuntas.

A atual linha da Casa Branca, promovida por Pompeo e Bolton para homogeneizar a política dos Estados Unidos em relação a Cuba, Venezuela e Nicarágua, será abordada na conversa com Bolsonaro. Segundo o comunicado do Departamento de Estado norte-americano de 28 de dezembro, no qual ele confirmou a viagem de Mike Pompeo, “Os Estados Unidos vão trabalhar com o Brasil para apoiar o povo da Venezuela, Cuba e Nicarágua lutando para viver em liberdade contra regimes repressivos.” Anteriormente, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro, por indicação de Bolsonaro, retirou o convite para Nicolás Maduro (Venezuela), Miguel Díaz Canel (Cuba) e Daniel Ortega (Nicarágua), para os atos de 1º de janeiro em Brasília.

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Em sua agenda na capital brasileira, Pompeo também incluiu um encontro com o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e outro com o presidente peruano, Martin Vizcarra.

Enquanto Pompeo estiver em Brasília, cruzará com Ivan Duque, porém na manhã de 2 de janeiro, o secretário de Estado chegará a Cartagena de Indias, na Colômbia, para a realização de uma reunião de trabalho com o presidente colombiano. A reunião, marcada para o início de dezembro, será realizada na residência presidencial na costa caribenha e contará com a presença dos ministros colombianos de Defesa e Relações Exteriores, Guillermo Botero e Carlos Holmes Trujillo. A implementação de acordos de paz com as FARC, ações do ELN dentro e fora da Colômbia, tráfico de drogas, acordos comerciais e políticas coordenadas com a ditadura comunista de Maduro estão na lista de pontos que os Estados Unidos querem analisar com Duque.

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A posse de Jair Bolsonaro tornou-se uma questão importante na política regional.

A lista de líderes que já confirmaram presença incluem os presidentes do Chile, Colômbia, Cabo Verde, Bolívia, Honduras, Paraguai, Peru, Portugal e Uruguai, assim como os primeiros-ministros de Israel e Hungria. A Espanha será representada pela presidente do Congresso, Ana Pastor. O regime comunista chinês, cujos diplomatas no Brasil tem trabalhado nas proximidades de Bolsonaro para abrir pontes, estará enviando Ji Bingxuan, “vice-presidente do Comitê Permanente do Congresso Nacional do Povo”, que já representou o seu país na inauguração do governo Mauricio Macri, em 2015. Macri não vai participar das cerimônias em Brasília e é esperado para viajar ao Brasil em meados de janeiro para um primeiro encontro com Bolsonaro que, por sua vez, teria incluído Argentina e Chile em sua futura primeira viagem presidencial ao exterior.

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Dois nomes se destacam na lista de líderes que chegam a Brasília: o húngaro Viktor Orbán e o israelense Benjamin Netanyahu.

A presença incomum do presidente da Hungria no Brasil mostra claramente as abordagens internacionais da família Bolsonaro com tendências de direita dentro do qual Steve Bannon, o ex-conselheiro de Donald Trump, atua como um elo de ligação. Bannon que age como um conselheiro para Orbán, ele visitou o Brasil durante a recente campanha eleitoral e Eduardo Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, durante sua recente viagem aos Estados Unidos, participou da celebração de aniversário de Bannon, em 28 de novembro , em Washington.

A presença de Netanyahu no Brasil parece mostrar o interesse de Israel em expandir sua lista de amigos em um continente onde o Irã, com a ajuda de Hugo Chávez, estendeu suas ramificações e ganhou influência na década passada. O primeiro ministro de Israel chegou ao Rio de Janeiro em 28 de dezembro, onde permanecerá até hoje, quando se mudará para Brasília para participar de eventos oficiais. Sua primeira atividade no Rio foi na instalação militar “Forte de Copacabana”, para uma reunião formal, uma coletiva de imprensa conjunta e um almoço privado com Bolsonaro. Após a reunião oficial, Bolsonaro, que é cristão católico, acompanhou Netanyahu a uma sinagoga próxima.

Uma aliança política parece estar se forjando entre Israel e o Brasil, o que se materializaria tanto na coordenação de ações internacionais quanto em acordos de cooperação militar, de segurança e comercial. Bolsonaro sinalizou sua intenção de transferir a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém. Além disso, a chancelaria brasileira, mesmo antes da mudança de governo, já modificou sua linha na ONU, referente à questão palestina. Pela primeira vez o Brasil acompanhou os Estados Unidos em uma votação da ONU condenando o grupo palestino Hamas, em 6 de dezembro.

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O triunfo de Jair Bolsonaro e sua posição contra os governos de Cuba e da Venezuela desencadeou a partir de Havana uma campanha aberta para desacreditar o novo governo brasileiro, que tenderia a tornar-se em ações de desgaste político dentro do Brasil.

Na sua conta no Twitter, o ministro cubano das Relações Exteriores, Bruno Rodríguez (19/12), atacou Bolsonaro e em seu Twitter escreveu: “Lula Libre! No Bolton-aros goebbelianos. No neoliberalismo/neofascismo”. O embaixador de Cuba no Japão, Carlos Pereira, rapidamente retuitou a mensagem de seu chefe e acrescentou: “Bolsonaro mostrou ao mundo sua natureza profundamente reacionária, sua nostalgia para as ditaduras latino-americanas, a visão racista, sexista, misógina, homofóbica, anticomunista e militarista” (sic). Rodríguez, por sua vez, retuitou seu embaixador no Japão, convertendo os ataques contra Bolsonaro em uma versão oficial do regime de Castro.

Vários dias antes, em 14 de dezembro, foi realizada em Havana uma cúpula da ALBA, a organização criada por Fidel Castro e Hugo Chávez que reúne os governos de orientação Castrista. Em seu discurso de abertura, Miguel Diaz-Canel fez referência ao Brasil e disse que no Brasil “juízes venais associados com a direita insistem na prática de acusar e condenar os líderes progressistas”, em referência óbvia ao seu parceiro político Lula da Silva, preso por corrupção desde abril passado. Cuba, na presença de Nicolás Maduro, Evo Morales e Daniel Ortega, explicita a linha política: “devemos construir a mais ampla frente possível, reunindo forças de esquerda e movimentos sociais e organizações progressistas na região para abordar estes desafios”. As direrizes de Díaz-Canel, coincidem com as anunciadas contra o governo de Bolsonaro pelas ex-presidentes Dilma Rousseff e Cristina Kirchner, em Buenos Aires em 19 de novembro, durante o “Foro Mundial de Pensamento Crítico”, evento organizado como “anti-cúpula ao G20”.

O tom cubano diante do novo governo brasileiro é compartilhado pelo regime Chavista e pelos seguidores de Lula da Silva. Em 12 de dezembro, o chanceler de Maduro, Jorge Arreaza, enviou comunicação ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil, em que qualificou Bolsonaro como “um presidente que é uma expressão de intolerância, fascismo e da entrega aos interesses contrários à integração latino-americana”.

O partido de Lula da Silva, PT, por sua vez, já acusou o governo Bolsonaro de “autoritário, anti-popular e anti-patriota, marcado por racismo aberto e posições misóginas”, segundo um comunicado de 28 de dezembro, em que informou que seus deputados não participarão da sessão de juramento do novo presidente no Congresso do Brasil. O partido PSOL, liderado por Guilherme Boulos, não comparecerá aos eventos de 1º de janeiro, alegando que Bolsonaro “não respeita os direitos humanos”. Boulos acompanhou Lula da Silva em sua última visita a Cuba, em dezembro de 2016.

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A propósito, a posse de Bolsonaro ocorrerá com um esquema de segurança sem precedentes no Brasil. Brasília estará sob vigilância aérea especial, pois desde a madrugada de 1º de janeiro de 2018, a Força Aérea foi autorizada, por um decreto de Michel Temer, a derrubar qualquer aeronave que represente perigo para a segurança dos participantes das cerimônias. Bolsonaro foi alvo de um ataque em 6 de dezembro, quando foi seriamente ferido a faca por um atacante solitário. Vários meios de comunicação deixaram claro que após sua eleição, Bolsonaro recebeu novas ameaças contra sua vida.

Publicado originalmente no site https://www.diariolasamericas.com