Retrospectiva 2018: EUA mudam as regras do jogo com a China

Principais tomadores de decisão dos EUA estão apoiando uma postura mais dura em relação à China, depois de décadas esperando pela liberalização econômica que traria maiores liberdades políticas à população chinesa

31/12/2018 13:38 Atualizado: 31/12/2018 13:38

Por Annie Wu, Epoch Times

Este foi o ano em que os Estados Unidos repensaram sua relação com a China.

Tudo começou com a decisão do presidente Donald Trump de enfrentar o roubo de propriedade intelectual (PI) praticado pelo regime chinês.

Trump usou tarifas para punir a China por seus crimes comerciais de longa data e expor o plano econômico “Made in China 2025” de Pequim, o ambicioso plano chinês para dominar várias indústrias de tecnologia de ponta e se tornar uma potência industrial avançada até o ano 2025.

Mas trabalhar de modo a forçar a China a mudar suas práticas de negócios foi apenas o começo.

Assim como o vice-presidente Mike Pence delineou em um discurso no Instituto Hudson em outubro, Pequim implementa um “método que inclui todo o governo, usando ferramentas políticas, econômicas e militares, bem como propaganda, para promover sua influência e beneficiar seus interesses sobre os dos Estados Unidos”.

A mensagem foi clara: os Estados Unidos não ficarão mais de braços cruzados enquanto a China prejudica os interesses do país, tanto no território norte-americano quanto no exterior. Pence insinuou o alcance geral de uma política mais rígida dos Estados Unidos para a China nos próximos anos. Governos anteriores ignoraram o mau comportamento da China, “mas esses dias acabaram”, disse Pence.

Em 2018, a administração Trump e o Congresso dos Estados Unidos — em uma demonstração de bipartidarismo — enfrentaram o agressivo roubo de propriedade intelectual cometido pela China; as campanhas de espionagem e influência; a fabricação de fentanil, um opioide altamente tóxico, responsável por dezenas de milhares de mortes anuais nos Estados Unidos; e a expansão dos interesses geopolíticos em todo o mundo. Foi uma tentativa sem precedentes de forçar a China a jogar de forma justa.

Até agora, o regime chinês fez pouco para convencer o mundo de que pretende seguir as regras, apesar dos clichês de prometer abrir seus mercados e liberar sua economia.

Por enquanto, a atual disputa comercial afetou uma economia chinesa já desacelerada, pressionando o líder comunista chinês Xi Jinping e seu regime a fazer as concessões apropriadas.

Uma trégua de 90 dias começou, com a China cedendo em alguns pontos, como a redução das tarifas sobre as importações de automóveis de fabricação norte-americana. Resta saber se o regime chinês introduzirá mudanças fundamentais em suas políticas econômicas que apoiem e garantam os setores nacionais em detrimento dos Estados Unidos e de outros concorrentes ocidentais.

Propriedade intelectual

Este ano, o governo Trump decidiu que os Estados Unidos deviam lançar uma ofensiva tática para combater o roubo de PI patrocinado pelo Estado chinês.

O Departamento de Justiça (DOJ, na sigla em inglês) denunciou supostos infratores acusados de espionagem econômica. No caso mais recente, ocorrido em 20 de dezembro, dois cidadãos chineses — supostamente hackers que trabalham para a principal agência de inteligência da China, o Ministério de Segurança do Estado (MSE) — foram acusados de roubar propriedade intelectual e informações confidenciais de empresas em todo o mundo. Os alvos pertencem a uma ampla rede de indústrias, todas pertencentes a setores em que Pequim quer se desenvolver de forma agressiva.

Em novembro, o DOJ anunciou um caso bombástico como parte de uma nova iniciativa para combater a espionagem chinesa. Os promotores alegaram que a empresa chinesa de semicondutores Fujian Jinhua havia roubado informações da fabricante de chips norte-americana Micron sobre como fabricar chips avançados.

Ao mesmo tempo, o Departamento de Comércio proibiu os fabricantes norte-americanos de exportar componentes tecnológicos para a Fujian Jinhua, o que efetivamente paralisou suas operações, já que as empresas chinesas de tecnologia dependem muito das importações estrangeiras porque os setores domésticos da China estão ficando para trás quanto à inovação da tecnologia de chips.

Em outra rara demonstração de força, um suposto espião do MSE foi extraditado em outubro da Bélgica — onde tinha sido preso — para os Estados Unidos, a fim de enfrentar as acusações de montar um plano para roubar segredos industriais de empresas aeroespaciais norte-americanas e europeias. Essa é a primeira vez em que um funcionário do MSE é extraditado para ser julgado nos Estados Unidos.

A administração Trump deixou claro que a propriedade intelectual é fundamental para o progresso econômico dos Estados Unidos, e a China precisa ser confrontada diretamente, já que procura roubar informações valiosas por qualquer meio disponível.

E como está claramente indicado no plano “Made in China 2025“, a China está desesperada para ficar em dia com as mais recentes tecnologias e acabar com sua dependência de importações estrangeiras, como na fabricação de semicondutores.

Em meio a uma série de reportagens dizendo que a China intensificou os ataques cibernéticos nos últimos meses, o Pentágono também resolveu pisar no acelerador para enfrentar a ameaça chinesa e revelou uma nova estratégia que dificulta ou interrompe mais efetivamente a atividade cibernética maliciosa que prejudica os interesses militares e econômicos dos Estados Unidos.

Trump também cancelou o acordo feito por uma empresa de Broadcom, sediada em Singapura, para adquirir a Qualcomm, uma inovadora fabricante de chips norte-americana, alegando preocupação de que a empresa acabasse ficando sob controle chinês.

Campo acadêmico

O governo também reconheceu que a espionagem ocorre em universidades e laboratórios, onde cientistas chineses são recrutados pelo Partido Comunista, e em empresas para transferir inovações de ponta para a comercialização na China.

A Casa Branca tomou providências para limitar a duração dos vistos concedidos a cidadãos chineses que estudam em áreas específicas que o regime chinês está decidido a se desenvolver, como a robótica, a aviação e a produção de alta tecnologia.

Em seguida, os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) tomaram medidas, primeiramente dizendo às organizações de pesquisa dos Estados Unidos para entrar em contato com o FBI a fim de obter assessoramento sobre como detectar espionagem e alertando-as sobre o programa de recrutamento “Mil Talentos” da China, concebido para trazer de volta à China os melhores cientistas e engenheiros chineses que trabalham no exterior.

Preocupados com a possibilidade de governos estrangeiros obterem acesso a importantes pesquisas financiadas pelo NIH ou outras agências federais, o NIH recomendou mudanças no processo de revisão por pares e formulários de divulgação de informações financeiras para projetos de pesquisa.

A administração Trump também chamou a atenção para a questão da influência chinesa nas universidades norte-americanas, que é frequentemente negligenciada, através dos Institutos Confúcio financiados por Pequim, e as associações estudantis chinesas que, segundo analistas, estão reprimindo a liberdade acadêmica e difundindo propaganda de Pequim. Parlamentares apresentaram projetos de lei destinados a restringir o financiamento dos Institutos Confúcio.

Como parte da campanha do Departamento de Justiça, o governo também está examinando a mídia em língua chinesa que divulga propaganda de Pequim em solo norte-americano. O DOJ quer garantir que esses meios de comunicação sejam registrados como agentes estrangeiros e revelem abertamente seus vínculos.

Opondo-se ao OBOR

Um emblemático projeto da China criado para expandir sua influência geopolítica é a iniciativa “Um Cinturão, Uma Rota” (OBOR, na sigla em inglês). Por meio do financiamento de projetos de infraestrutura e acordos comerciais, o regime tem pressionado países — principalmente no Sudeste Asiático e na África — a cumprir seus planos. Muitos países se endividaram como resultado dos projetos OBOR, e alguns foram forçados a abrir mão do controle de portos estratégicos e outros ativos porque não podem pagar os empréstimos.

Trabalhadores chineses montam componentes eletrônicos em uma fábrica na cidade de Shenzhen, na província de Guangzhou, China, em 26 de maio de 2010 (AFP/Getty Images)
Trabalhadores chineses montam componentes eletrônicos em uma fábrica na cidade de Shenzhen, na província de Guangzhou, China, em 26 de maio de 2010 (AFP/Getty Images)

As autoridades norte-americanas perceberam que devem oferecer uma alternativa. O secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, revelou uma estratégia que dedica US$ 113 milhões a projetos de tecnologia, energia e infraestrutura no sudeste da Ásia. O plano inclui trabalhar com parceiros como a Índia e o Japão para criar alianças mais saudáveis na região.

Este mês, o conselheiro de Segurança Nacional John Bolton explicou que a nova estratégia para a África visa impulsionar a crescente classe média do continente, ajudar nos esforços de combate ao terrorismo e estimular as empresas norte-americanas a investir em nações africanas.

Fentanil

A China é a maior fonte de fentanil, um opioide sintético que está causando dezenas de milhares de mortes nos Estados Unidos a cada ano. A droga está no centro da atual crise de dependência de opiáceos no território norte-americano.

Desde que se reuniu com o líder comunista chinês, Xi Jinping, em novembro do ano passado em Pequim, Trump colocou a questão no topo de sua agenda. Por muito tempo, as autoridades chinesas pouco fizeram para impedir a fabricação da droga dentro de suas fronteiras. Trump convenceu Xi a controlar as exportações e compartilhar informações sobre o tráfico de drogas.

Polícia local e paramédicos administram Narcan, um bloqueador de opioides, para ressuscitar um homem em estado de overdose no bairro de Drexel em Dayton, Ohio, em 3 de agosto de 2017 (Benjamin Chasteen/Epoch Times)
Polícia local e paramédicos administram Narcan, um bloqueador de opioides, para ressuscitar um homem em estado de overdose no bairro de Drexel em Dayton, Ohio, em 3 de agosto de 2017 (Benjamin Chasteen/Epoch Times)

Durante as últimas negociações comerciais realizadas à margem da cúpula do G20 na Argentina, Xi concordou em classificar a droga como uma substância controlada, sujeita às penalidades máximas previstas no código penal chinês. Resta saber se alguma medida significativa será aplicada.

O futuro

Desde políticos até estudiosos de questões da China, os principais tomadores de decisão dos Estados Unidos estão apoiando uma postura mais dura em relação à China, depois de décadas esperando pela liberalização econômica que traria maiores liberdades políticas à população chinesa.

 

Vice-presidente Mike Pence discursa no Instituto Hudson sobre a política da administração Trump para a China em Washington, em 4 de outubro de 2018 (Jim Watson/AFP/Getty Images)
Vice-presidente Mike Pence discursa no Instituto Hudson sobre a política da administração Trump para a China em Washington, em 4 de outubro de 2018 (Jim Watson/AFP/Getty Images)

Em vez disso, “nos últimos anos, a China deu uma guinada forte em direção ao controle e à opressão de seu próprio povo”, disse Pence em seu discurso.

Está bem claro que uma nova abordagem é necessária para impulsionar a mudança na China.

Em meio a um ano de dura ação legal, o Departamento de Justiça deu talvez o mais ousado passo até agora: solicitar a prisão e a extradição de Meng Wanzhou, diretora financeira da gigante de telecomunicações chinesa Huawei.

Quando estava prestes a embarcar em um voo em Vancouver, no Canadá, Meng foi presa sob a acusação feita pelos Estados Unidos de cometer fraudes bancárias para escapar de sanções contra o Irã. Como a Huawei é uma empresa-chave financeiramente apoiada pelo regime chinês para cumprir suas ambições tecnológicas — incluindo a planejada implementação global da tecnologia 5G — sua prisão provocou reações rápidas e enraivecidas de Pequim.

Três canadenses já foram presos na China após a prisão de Meng, e a mídia estatal pediu aos cidadãos chineses que boicotem marcas canadenses. Como filha do fundador da Huawei, Meng é um dos executivos de mais alto escalão da empresa já detido por autoridades norte-americanas nos últimos anos.

De forma semelhante a quando os Estados Unidos impuseram uma proibição às exportações da ZTE, empresa de telecomunicações chinesa (e concorrente da Huawei), depois que aquela não cumpriu os acordos judiciais relacionados à violação de sanções contra o Irã, a acusação de Meng pode ser um sinal do que está por vir se a China continuar a ignorar flagrantemente as normas internacionais estabelecidas.

Siga Annie Wu no Twitter: @annieeenyc