A queda em desgraça do popular general Ivan Popov, preso por suposto desvio de fundos destinados à construção de fortificações na Ucrânia, dividiu as elites da Rússia sobre o destino do militar apelidado de “Spartacus” pelos seus soldados.
“Os superiores aparentemente sentiram que eu era um perigo e rapidamente, em um único dia, redigiram uma ordem às pressas (…) e livraram-se de mim”, disse Popov em um áudio que lhe custou o cargo de comandante do 58º Exército das Forças Armadas russas.
A fatídica gravação foi divulgada em meados de 2023, mas as consequências para o general podem não se limitar à sua defenestração.
Sua prisão preventiva em maio desencadeou uma disputa sem precedentes entre os apoiadores do militar condecorado e os defensores da sua acusação, liderada pelas elites e vista pelos russos com uma boa dose de espanto.
Famoso contra sua vontade
Popov, de 49 anos, ficou famoso no ano passado, quando vazou na internet uma gravação destinada a seus subordinados, na qual relatava que havia sido substituído por ter contado a verdade sobre a situação na frente de batalha ucraniana.
“Estou lhes dizendo honestamente, tive um problema com os chefes: tinha que ser um covarde, ficar quieto e dizer o que eles queriam ouvir ou chamar as coisas pelo seu nome”, declarou Popov na fatídica mensagem de voz.
O general relatou que chamou a atenção do alto comando para a “principal tragédia” da guerra, que definiu com as seguintes palavras: “É a ausência de fogo de contra-bateria, a falta de exploração de artilharia e a morte massiva dos nossos irmãos nas mãos da artilharia inimiga”.
Após o vazamento do áudio, Popov, segundo diversas fontes, foi enviado para a Síria, longe dos holofotes da mídia e onde a Rússia tem um contingente mobilizado.
Em um passo sem precedentes, o vice-presidente do Senado russo, Andrei Turchak, saiu em defesa do militar que caiu em desgraça.
“Ivan está com a consciência tranquila. A pátria pode se orgulhar de comandantes como ele”, afirmou Turchak.
Da Síria à prisão
Os problemas para Popov começaram após seu retorno à Rússia, no início deste ano, embora a prisão ordenada pela Justiça tenha ocorrido apenas no mês passado.
Segundo a família do general, os oficiais superiores do Estado-Maior não o perdoaram pelo inusitado ato de rebelião e tomaram medidas retaliatórias.
“Fizeram a cama dele (…) Meu filho disse a verdade, mesmo que eles não gostem”, comentou o pai de Popov em comunicado transmitido pelo popular canal de Telegram Baza.
A prisão do general, muito popular entre os seus ‘gladiadores’, não passou despercebida e provocou uma enxurrada de críticas tanto na mídia como entre blogueiros militares.
O alvoroço levou os investigadores russos a pedir ao tribunal que alterasse a medida cautelar de Popov de prisão preventiva para prisão domiciliar, pedido que foi negado duas vezes para surpresa de muitos juristas que confessaram em declarações à imprensa que até agora não tinham sido confrontados com uma situação como essa.
A titular da Defensoria Pública da Rússia, Tatiana Moskalkova, também se mostrou “surpresa” com a decisão dos juízes.
Expurgo de generais
Segundo especialistas como Abbas Gallyamov, antigo redator de discursos do Kremlin, a prisão de Popov faz parte de uma campanha de “limpeza” nas Forças Armadas, que coincidiu com a demissão do ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu.
Pouco antes da demissão do ministro e depois de a notícia ter se tornado pública, as autoridades policiais detiveram vários funcionários de alto escalão, incluindo um vice-ministro, por aceitarem subornos avultados.
Nestas circunstâncias, a prisão de Popov poderá tornar-se mais um caso de corrupção se os seus defensores não conseguirem provar a sua inocência.
Se “Spartacus” for considerado culpado, poderá ser condenado a até 10 anos de prisão.