O presidente estadunidense Harry Truman às vezes costuma ser alvo de críticas por ter estabelecido a Agência Central de Inteligência, ou CIA, há 69 anos. No entanto, ele mesmo fez comentários décadas atrás que parecem mais pertinentes hoje do que nunca.
Depois que o WikiLeaks divulgou recentemente vários supostos documentos da CIA que descrevem ferramentas e técnicas de ciberpirataria, ou hacking, usadas pela agência de inteligência, alguns disseram que isso foi longe demais. Os documentos indicam que a CIA pode violar iPhones, telefones Android, roteadores de internet, as chamadas “TVs inteligentes” (smart TVs) e computadores Windows, Linux e Mac. Edward Snowden, o analista de sistemas e ex-contratado da Agência de Segurança Nacional (NSA) que fez revelações contundentes sobre o sistema de vigilância global da NSA, disse que o vazamento do WikiLeaks “é realmente significante” e “parece autêntico”.
Truman, um democrata, não previu que a CIA seria capaz de espionar os americanos por meio de suas TVs, mas ele fez uma série de avisos sobre possíveis abusos. “Penso que se tornou necessário dar uma outra olhada no propósito e nas operações de nossa Agência Central de Inteligência”, escreveu ele em 1963 para o Washington Post.
“Durante algum tempo, fiquei perturbado pela forma como a CIA foi desviada da sua designação original. Ela tornou-se um braço operacional e, por vezes, um formulador das políticas do governo. Isso levou a problemas e pode ter agravado nossas dificuldades em várias áreas explosivas”, escreveu Truman no artigo.
Ele estabeleceu a agência em 1947 quando a Lei de Segurança Nacional foi assinada em lei, mas, em termos inequívocos, ele indicou que no início da década de 1960 a CIA tinha se voltado para a condução de “operações de capa e espada em tempos de paz”.
Desde então, a CIA já tinha uma má reputação em países estrangeiros por espionar e espalhar desinformação, acrescentou Truman.
“Com todo o absurdo difundido pela propaganda comunista sobre o ‘imperialismo ianque’, ‘capitalismo explorador’, ‘promoção da guerra’, ‘monopolismo’, em seu ataque verbal ao Ocidente, a última coisa de que precisamos era que a CIA fosse cooptada a algo semelhante a uma influência subversiva nos assuntos de outras pessoas”, continuou ele.
Ao falar com um biógrafo, Truman, que estava sem dinheiro quando deixou o cargo e viveu com sua sogra no Missouri por um tempo, expressou pesar por ter criado a CIA. “Acho que foi um erro. E se eu soubesse o que iria acontecer, eu nunca teria feito isso”, disse ele.
Em suas palavras, a CIA foi criada numa época em que o presidente dos EUA precisava de uma organização centralizada que coordenasse vários relatórios de inteligência. Na época, havia cerca de uma dúzia de agências enviando dados de inteligência ao presidente.
Isso ficou fora de controle na administração seguinte, afirmou Truman.
“Agora, até onde eu consigo enxergar, esse pessoal da CIA não se limita a relatar sobre as guerras e coisas do gênero, eles vão a campo e fazem as suas próprias, e não há ninguém para acompanhar o que eles estão fazendo. Eles gastam bilhões de dólares provocando problemas para terem algo a relatar. Eles se tornaram… ela [a CIA] se tornou um governo em si mesmo e totalmente secreto. Eles não têm que prestar contas a ninguém”, escreveu Truman.
“Isso é uma coisa muito perigosa numa sociedade democrática e tem de ser parada. As pessoas têm o direito de saber o que essas aves estão fazendo. E se eu voltasse à Casa Branca, as pessoas saberiam. Entenda, a forma como funciona um governo livre, tem de haver uma faxina de tempos em tempos, e eu não me importo que ramo do governo está envolvido. Alguém tem que ficar de olho nas coisas.”
Em 1971, Truman afirmou novamente que a CIA é uma necessidade para a segurança nacional dos EUA e para a consolidação da inteligência.
“Então, em vez de o presidente ter que olhar um monte de pilhas de papéis, a informação foi coordenada para que o presidente pudesse chegar aos fatos. Isso ainda ocorre e está indo muito bem”, disse ele. No entanto, ele não elaborou mais sobre essas alegações.