Matéria traduzida e adaptada do inglês, publicada pela matriz americana do Epoch Times.
WASHINGTON — Os recentes comentários do presidente eleito Donald Trump sobre a possibilidade de usar medidas militares ou econômicas para controlar a Groenlândia geraram preocupações globais. Embora alguns considerem suas declarações extremas, há um consenso de longa data na comunidade de segurança nacional dos EUA de que a crescente influência da China e da Rússia no Ártico é preocupante e exige atenção imediata.
Trump também fez declarações semelhantes sobre o Canal do Panamá, expressando frustração com a crescente influência de empresas estatais chinesas em suas operações.
“Não vou me comprometer com isso”, disse Trump em 7 de janeiro, quando questionado se descartaria o uso de coerção militar ou econômica para controlar tanto a Groenlândia quanto o Canal do Panamá.
Seus comentários, feitos durante uma coletiva de imprensa no resort Mar-a-Lago, deixaram muitos repórteres confusos, levando a perguntas repetidas em busca de esclarecimentos.
Ele enfatizou que os Estados Unidos precisam de ambas as regiões por razões econômicas e de segurança nacional.
Um dos benefícios da abordagem de Trump, intencional ou não, é que ela cria um debate público sobre questões que normalmente seriam tratadas nos bastidores, disse Michael Walsh, especialista em política externa dos EUA, ao Epoch Times.
“Isso estimula a discussão e o debate. E você está vendo isso agora. As pessoas estão falando sobre a Groenlândia e o Panamá no metrô”, disse Walsh.
Para muitos, não está claro se Trump pretende usar força militar ou se está sugerindo isso como uma tática de negociação para alterar o status quo em ambas as regiões.
“Pode ser uma tática de negociação — quem sabe?”, acrescentou Walsh.
Ele destacou que compreender o contexto é essencial para que o público interprete os comentários de Trump.
“Um dos problemas com toda essa narrativa é que as pessoas não entendem o contexto. Mesmo a maioria dos líderes políticos não entende o contexto”, afirmou, referindo-se aos riscos crescentes na Groenlândia, a maior ilha do mundo.
Walsh, que atuou como conselheiro em questões de segurança na região Ásia-Pacífico durante a campanha presidencial de Joe Biden em 2020, destacou as preocupações dos EUA sobre a independência da Groenlândia e das Ilhas Faroé — dois territórios autônomos da Dinamarca.
Embora Trump tenha mencionado apenas a Groenlândia, os Estados Unidos estão preocupados com ambos os territórios, observou ele.
Durante o primeiro mandato de Trump, o Departamento de Estado trabalhou para estreitar os laços com ambas as ilhas para conter a atividade russa e chinesa no Ártico. Essas preocupações persistiram sob Biden, que introduziu uma estratégia para o Ártico em 2022, visando a crescente competição, especialmente a “Rota da Seda Polar” da China. Walsh observou que ambas as administrações compartilham pontos de vista semelhantes sobre os riscos na região.
“Não há uma grande diferença entre as duas administrações em termos da avaliação de que há um risco na região”, disse Walsh.
Apesar de a Dinamarca ser uma aliada próxima da OTAN, os Estados Unidos temem que a influência dinamarquesa sobre essas ilhas possa diminuir com o tempo, caso elas avancem rumo à independência.
Nos últimos oito anos, os riscos aumentaram, em parte devido às dinâmicas políticas internas na Dinamarca em relação às ilhas.
“Os EUA e a Dinamarca têm uma parceria de longa data, e isso tem funcionado muito bem”, disse Walsh. “Acho que a preocupação é que eles possam não ser parceiros dos Estados Unidos na Groenlândia ou nas Ilhas Faroé no futuro, caso se tornem independentes”.
O ministro das Relações Exteriores da Dinamarca, Lars Løkke Rasmussen, afirmou em 8 de janeiro que a Groenlândia pode se tornar independente, mas é improvável que se torne um estado dos EUA.
“Reconhecemos plenamente que a Groenlândia tem suas próprias ambições. Se elas se concretizarem, a Groenlândia se tornará independente, embora dificilmente com a ambição de se tornar um estado federal dos Estados Unidos”, disse Rasmussen.
Em 8 de janeiro, o governo da Groenlândia também respondeu aos comentários de Trump, afirmando que “a Groenlândia pertence aos groenlandeses” e que seu futuro será decidido pelo próprio povo.
No entanto, a Groenlândia expressou interesse em fortalecer os laços com os Estados Unidos, particularmente na cooperação econômica, mineração e desenvolvimento de seus recursos minerais. A Groenlândia também destacou seu compromisso de trabalhar com os Estados Unidos e aliados da OTAN para garantir segurança e estabilidade no Ártico, reconhecendo as mudanças na dinâmica política da região.
“O gabinete espera construir relações com o presidente eleito Donald Trump e sua administração”, dizia o comunicado.
Competição no Ártico
Nos últimos anos, a China tem desenvolvido ambiciosamente as suas capacidades comerciais e militares no Ártico. Além disso, os navios de guerra russos e chineses operam juntos com mais frequência na região.
“A Groenlândia é importante porque o Ártico se tornou importante”, disse Gordon Chang, comentarista político e especialista em China, ao Epoch Times. “E a China e a Rússia estão buscando controlar o Ártico”.
A região foi crucial durante a Guerra Fria devido às rotas marítimas estratégicas no Atlântico, mas, após a Guerra Fria, as pessoas em grande parte esqueceram sua importância, acrescentou Chang.
As tendências de aquecimento estão impulsionando mais atividades no Ártico, o que pode levar tanto a competição quanto a tensões na região, de acordo com um relatório de julho do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla em inglês).
Referenciando estimativas de 2008 do Serviço Geológico dos EUA, o relatório do CSIS destacou os vastos recursos da região, incluindo quase 90 bilhões de barris de petróleo e 47,26 bilhões de metros cúbicos de gás natural. Isso representa cerca de 22% do petróleo e gás natural convencionais inexplorados do mundo.
O Ártico também possui trilhões de dólares em minerais, incluindo prata, cobre, ouro, níquel, minério de ferro e elementos de terras raras.
Além disso, a Groenlândia abriga uma grande base militar dos EUA, com sistemas de alerta de mísseis e de vigilância espacial.
Chang discorda da sugestão de Trump de usar força militar para assumir o controle da Groenlândia, afirmando que não há justificativa para isso.
Ele observou que, embora o mundo não esteja pacífico, com Rússia e China já recorrendo ao uso da força, os comentários de Trump podem encorajar mais agressões globalmente.
O deputado Mike Waltz (R-Fla.), escolhido para servir como conselheiro de segurança nacional de Trump, defendeu os comentários do presidente eleito sobre a Groenlândia.
“Isso tem a ver com minerais críticos. Trata-se de recursos naturais”, disse ele à Fox News em 8 de janeiro. “Os chineses agora estão produzindo quebra-gelos e avançando por lá também. Então, é petróleo, gás e nossa segurança nacional”.
Waltz também afirmou que a Rússia está “tentando se tornar a rainha do Ártico”, destacando que o país possui mais de 60 quebra-gelos, enquanto os Estados Unidos têm apenas dois — um dos quais precisou retornar ao porto no verão passado devido a um incêndio elétrico.
Biden permaneceu em silêncio sobre os comentários de Trump até agora.
Durante uma ligação com repórteres em 8 de janeiro, John Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, evitou comentar diretamente, preferindo apontar para as respostas de líderes estrangeiros.
“Não seria apropriado para nós intervir e emitir um julgamento”, disse ele, optando por uma resposta mais contida em vez de criticar diretamente os comentários de Trump sobre aliados.
Infraestrutura de dupla utilização da China
Durante sua visita ao Capitólio em 8 de janeiro, Trump foi novamente questionado por repórteres sobre o possível uso de força militar na Groenlândia. Em resposta, mencionou uma recente viagem de seu filho mais velho, Donald Trump Jr., à Groenlândia.
“Recebemos aplausos ao pousar ontem”, disse o presidente eleito, descrevendo a recepção como “uma espécie de festival de amor”.
Trump Jr. visitou a Groenlândia em 7 de janeiro para uma viagem de um dia, supostamente para gravar conteúdo em vídeo para podcasts.
Trump também reiterou suas críticas às altas taxas que o Panamá impõe aos Estados Unidos e à sua marinha, especialmente considerando que os Estados Unidos originalmente construíram o Canal do Panamá. Ele também deixou claro que não permitirá que a China assuma o controle desse canal estrategicamente importante.
Empresas chinesas, incluindo o Landbridge Group e a CK Hutchison Holdings, sediada em Hong Kong, atualmente operam terminais em ambas as extremidades do Canal do Panamá.
Os comentários de Trump sobre o Canal refletem a crescente preocupação entre políticos norte-americanos com a expansão da influência da China na América Latina. O Departamento de Estado alertou em 2022 que a aquisição de tecnologias, instalações e infraestrutura na região por parte de Pequim pode ter propósitos duplos.
Em julho de 2022, a general Laura Richardson, então chefe do Comando Sul dos EUA, expressou preocupações sobre empresas estatais chinesas operando portos em ambos os lados do Canal do Panamá, afirmando que essas instalações poderiam ser rapidamente convertidas para capacidades militares.
“Acho que devemos estar preocupados, mas este é um problema global”, disse ela no Aspen Security Forum, no Colorado.
“É o mesmo manual que eles usaram na África, Ásia e Europa; não é novidade”.
Trump, em recentes postagens nas redes sociais, expressou frustração com a crescente influência da China no canal, apesar de ele ter sido construído pelos Estados Unidos há mais de 110 anos, a um grande custo financeiro e humano.
“Feliz Natal a todos, inclusive aos maravilhosos soldados da China, que estão amorosamente, mas ilegalmente, operando o Canal do Panamá… sempre garantindo que os Estados Unidos invistam bilhões de dólares em ‘reparos’, mas não tenham absolutamente nada a dizer sobre ‘nada’”, escreveu Trump em 25 de dezembro, referindo-se à forte influência do regime chinês sobre a via navegável.
Em uma longa postagem anterior, em 21 de dezembro, Trump afirmou que o Panamá, e não a China, deveria administrar a via de 51 milhas.
“Estou muito feliz que o presidente Trump tenha levantado a questão porque os chineses, por meio de vários meios, têm a capacidade de bloquear o canal em tempos de guerra”, disse Gordon Chang.
O Canal do Panamá, inaugurado em 1914 após uma década de construção liderada pelos Estados Unidos, foi gradualmente devolvido ao Panamá sob um tratado de 1977 assinado pelo presidente Jimmy Carter.
Em 1999, o Panamá assumiu o controle total do canal, que desde então se tornou uma das rotas marítimas mais movimentadas do mundo, conectando os oceanos Atlântico e Pacífico. Em 31 de dezembro, o Panamá comemorou o 25º aniversário da devolução do Canal.
Sob o Tratado de Neutralidade de 1977, separado do tratado principal, Panamá e Estados Unidos concordaram que a via navegável permaneceria permanentemente neutra, com acesso justo e tarifas equitativas para todos os países. Assim, qualquer desafio chinês a este pacto pode exigir que os Estados Unidos empreguem força militar.
“O Canal do Panamá é vital para o nosso país. Está sendo operado pela China. Nós entregamos o Canal ao Panamá. Não o entregamos à China, e eles abusaram disso. Abusaram desse presente”, disse Trump durante sua coletiva de imprensa em 7 de janeiro.
Crítica democrática
Durante sua coletiva de imprensa, Trump também sugeriu renomear o Golfo do México como “Golfo da América”, expressando sua frustração com o México em relação aos migrantes.
Muitos democratas, no entanto, criticaram esses comentários, descartando-os como distrações.
“Os democratas da Câmara acreditam que não fomos enviados a Washington para invadir a Groenlândia, renomear o Golfo do México ou tomar o Canal do Panamá à força”, disse o líder da minoria na Câmara, Hakeem Jeffries (D-N.Y.), durante uma coletiva de imprensa em 8 de janeiro. Ele afirmou que a prioridade é abordar o aumento dos custos que as famílias americanas estão enfrentando.
Em uma entrevista à CNN no mesmo dia, a senadora Elizabeth Warren (D-Mass.) criticou as declarações de Trump sobre o Canal do Panamá e a Groenlândia, argumentando que os Estados Unidos sempre respeitaram a soberania de outras nações. Ela destacou que os comentários serviram como uma distração de seus indicados controversos, incluindo Pete Hegseth, Tulsi Gabbard e Robert F. Kennedy Jr.
O senador Chris Murphy (D-Conn.) expressou um sentimento semelhante, classificando os comentários de Trump como uma tentativa de desviar a atenção de seus cortes de impostos.
“É bem simples para mim”, escreveu ele no X em 7 de janeiro. “Ele fala sobre invadir a Groenlândia e o Panamá para distrair você e a mídia do ROUBO que está prestes a acontecer bem diante dos seus olhos — o gigantesco corte de impostos para seus amigos bilionários e corporativos, pago com cortes massivos no Medicare e Medicaid”.
Intervenção militar anterior
Se Trump optar por usar força militar para defender o acordo de neutralidade, não seria a primeira intervenção dos EUA no Panamá.
O tenente-general aposentado Keith Kellogg, que deve servir como enviado especial de Trump para Ucrânia e Rússia, disse que foi comandante de uma brigada de assalto durante a invasão do Panamá em 1989, sob a presidência de George H. W. Bush. O objetivo da operação era remover o líder panamenho Manuel Noriega do poder.
“Nós realmente retomamos o Canal do Panamá no final dos anos 80, durante a Operação Just Cause, e três semanas depois o devolvemos a eles”, disse Kellogg à Fox News em 8 de janeiro.
“Eu acho que o ponto dele sobre os chineses operarem o canal é válido”, afirmou Kellogg. Mais de 70% do comércio que passa pelo canal é americano, disse ele, e “é de vital interesse nacional para nós que esse canal permaneça soberano”.