Por David T. Jones
Há quatro meses, o consenso global era que a chanceler alemã Angela Merkel estava a caminho de uma reeleição fácil como líder da Alemanha. As pesquisas (essas referências agora cada vez menos confiáveis da política) indicaram que Merkel ganharia, não uma maioria, mas uma pluralidade suficientemente forte para tornar a formação de um novo governo relativamente fácil.
Na verdade, Merkel parece ter herdado a alcunha previamente concedida à ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher (“Maggie de Ferro”) com a indicação de que ela era “Angela de Ferro”.
E, para praticamente todos os observadores, as circunstâncias político-econômicas de Merkel, com uma forte economia alemã, o primado na Comunidade Europeia e elogiada política externa, seriam os “vencedores” certos. Além disso, ela pareceu ter diluído o crescente descontentamento sobre o milhão de refugiados da Síria, Iraque, Líbia e assim por diante, que haviam turvado as águas sociais em muitas localidades alemãs.
Muitos desses refugiados pareciam ingratos e desagradáveis, e uma quantidade desconcertante de crimes foi atribuída à multidão de jovens do sexo masculino que pareciam caracterizar grande parte da incursão de refugiados e apresentavam sensibilidades distintamente não alemãs. Merkel se moveu habilmente para cortar esses números de forma significativa, e o furor sobre os refugiados pareceu mitigado.
Mas uma coisa interessante ocorreu no caminho para a coroação.
Os democratas-cristãos de Merkel tiveram seus piores resultados eleitorais desde 1949. Os seus parceiros de coalizão política de longa data, os socialdemocratas, se desempenharam ainda pior. E, o pior de tudo, para Merkel, o partido conservador Alternativa para a Alemanha (AfD) teve 5,8 milhões de eleitores e entrou no Bundestag (o Parlamento alemão) pela primeira vez.
Merkel rejeitou imediatamente qualquer aliança com a AfD, visto por muitos como criptofascista, na melhor das hipóteses, em suas visões sociopolíticas. Mas os socialdemocratas (do SDP) também ficaram altamente desconcertados por sua derrota devastadora. Como comentou um observador, “eles precisam de tempo para terapia, em vez de outra oportunidade para se arruinarem no governo.”
Então, Merkel encontrou-se essencialmente entre as versões políticas de Cila e Caríbdis sem uma linha vital para seus aliados padrões no Partido Socialdemocrata (SDP).
Consequentemente, ignorando a AfD, Merkel trabalhou para tentar uma coalizão com os pró-negócios Democratas Livres e os ambientalistas verdes. Cada partido, imaginando que tinham Merkel numa posição frágil pressionaram por demandas máximas, mas, no final, o esforço colapsou, deixando Merkel com várias alternativas desagradáveis, incluindo a tentativa de governar como uma minoria e buscar novas eleições.
Voltando aos socialdemocratas, Merkel conseguiu um acordo, entre outras coisas, prometendo uma cooperação mais estreita com a França para fortalecer a zona do euro e reprimir as vendas de armas para países em zonas de conflito. Mas a aprovação dos democrata-cristãos é apenas metade da batalha, e o SPD ainda deve aprovar o acordo num congresso do partido em 21 de janeiro e novamente por um voto postal dos membros gerais do partido.
Os observadores têm os dedos cruzados. Mas, mesmo que esses obstáculos sejam superados, as projeções para a coalizão assumir o poder não ocorreriam até abril.
Além disso, os problemas enfrentados pela Alemanha não são triviais. O país é o mais próspero da Europa, mas a distribuição da riqueza continua a deixar importantes setores da população de fora, mas de olho. A questão da imigração está longe de ser resolvida e Merkel continua a sofrer com o seu humanitarismo existencial para permitir que outros milhões de refugiados entrem no país. Parece improvável que eles retornem para “casa” no curto prazo, enquanto aproveitam os serviços econômicos e sociais que os alemães menos privilegiados acreditam deveriam ser concentrados neles. Nem é o compromisso de aumentar as despesas de defesa universalmente popular. Lidar com o Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia), o líder russo Vladimir Putin e a Ucrânia – sem falar numa revitalizada economia e políticas dos EUA – será desafiador.
Mas, assumindo que essa interpretação da “grande coalizão” (democratas-cristãos e sociais-democratas) ocorra, também é possível observar que Merkel evitou não apenas uma bala mas um esquadrão de tiro. Parece haver um aumento da fadiga em relação a Merkel (como simbolizado pelo apoio minimalista à outra grande coalizão) e uma pesquisa mostrou que 67% dos alemães pensam que os melhores dias de Merkel como chanceler estão no passado.
Consequentemente, Merkel pode querer manter em mente o exemplo de Thatcher. Também considerada como uma figura monumental impermeável às críticas, tendo ganhado três eleições, Thatcher enfrentou o declínio do apoio de seu partido (e da população em geral) sobre questões de assuntos nacionais e estrangeiros. Desafiada pela liderança do partido em 1990, ela optou por renunciar, em vez de enfrentar uma chance significativa de derrota.
Merkel pode muito bem desejar considerar uma demissão cuidadosamente calculada, deixando tempo para ter uma “vida” e elaborar uma memória política semiautobiográfica padrão de mil páginas. Afinal, o Papa Bento XVI (agora “Papa Emérito”) se aposentou em 2013 para desfrutar de uma vida tranquila de escrita e contemplação, o que não é o pior dos destinos após décadas de intensa atividade.
David T. Jones é um oficial de carreira sênior aposentado do serviço estrangeiro do Departamento de Estado dos Estados Unidos que publicou inúmeros livros, artigos, colunas e análises sobre questões bilaterais estadunidense-canadenses e política externa em geral. Durante sua carreira de mais de 30 anos, seu foco foram questões político-militares, servindo como conselheiro de dois generais do Exército. Entre seus livros, está “Alternative North Americas: What Canada and the United States Can Learn from Each Other”
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