Por Matheus Ferreira Lima, Epoch Times
O mandato de Donald Trump tem sido marcado por uma longa discussão de se o presidente norte-americano conspirou com o governo russo durante a corrida presidencial de 2016. As acusações contra ele se baseiam principalmente em um dossiê redigido pelo ex-espião britânico Christopher Steele e em uma investigação feita sobre a atuação das agências de inteligência da Rússia nas redes sociais.
O assunto é tão controverso, que não só causou a polarização da sociedade norte-americana, como também abalou os alicerces da elite do poder dos Estados Unidos. O que ambos os lados nessa luta não perceberam ainda é que essa situação de caos generalizado favorece a Rússia, tanto geopoliticamente, quanto para fins de propaganda no russkiy mir (expressão ambivalente, que se refere a uma fundação criada pelo governo russo, como instrumento de soft power, e à ideia de um mundo russo, uma pretensa civilização que se atomizou com o fim da União Soviética).
Foi com base nesse argumento, russkiy mir, que o Kremlin legitimou a anexação da Crimeia e a invasão de Donbass em 2014, perante a sua população.
Quanto à veracidade da conspiração entre Donald Trump e Vladimir Putin, passado pouco mais de um ano das eleições, os fatos que emergem das investigações feitas pelo Congresso dos Estados Unidos, por alguns veículos de mídia e por acadêmicos indicam que na verdade a Rússia pegou carona em uma campanha de difamação iniciada por parte da elite norte-americana.
Para buscar um ponto de partida de forma a olhar com racionalidade para a questão, podemos ter em mente o seguinte questionamento: se reuniões que integrantes da campanha de Donald Trump realizaram com os russos é evidência de que o atual presidente conspirou com um poder estrangeiro, o que devemos pensar então da reunião entre o PDT e o Partido Comunista Chinês sobre a candidatura de Ciro Gomes?
Guerra pelo trono
Como noticiado pelo Epoch Times, a investigação sobre a conspiração tem como alicerce o dossiê contra o atual presidente norte-americano. De posse desse documento, o FBI e o Departamento de Justiça obtiveram, junto ao Tribunal de Vigilância de Serviços de Inteligência Estrangeiros, mandados para espionar o comitê eleitoral republicano, antes e depois das eleições.
O que os solicitantes esqueceram de dizer ao tribunal foi a origem de suas suspeitas: Christopher Steele foi contratado pela empresa Fusion GPS para redigir o dossiê. Quem solicitou esse serviço da Fusion GPS foi, nada mais, nada menos, do que o comitê eleitoral de Hillary Clinton e o Comitê Nacional Democrata.
Para complicar ainda mais o cenário, o próprio ex-diretor do FBI James Comey disse, em depoimento ao Congresso dos Estados Unidos, que a conspiração entre Trump e o governo russo, acusação feita no dossiê, não pôde ser confirmada. Além dele, James Clapper, ex-diretor nacional de inteligência do governo Obama, também confirmou não ter encontrado evidências de conspiração entre o comitê eleitoral republicano e o governo da Rússia, em depoimento dado ao Congresso.
James Comey foi diretor do FBI de setembro de 2013 a maio de 2017, quando foi demitido por Donald Trump, após recomendação do Procurador Geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions. Para Sessions e Rod Rosenstein, Vice-Procurador Geral, a conduta de Comey, na condução da investigação sobre os e-mails de Hillary Clinton não foi adequada. Já James Clapper renunciou ao cargo ao final do governo democrata em 2016.
O dossiê e as operações de vigilância sobre a equipe de Donald Trump levaram a uma série de vazamentos de informações para veículos de imprensa, além de declarações públicas feitas por integrantes do alto escalão do governo Obama (instruídos a agir assim pela Casa Branca), jogando ainda mais a opinião pública contra o nova-iorquino.
Olhando o assunto por esse ângulo, fica difícil afastar a suspeita da existência de uma conspiração, iniciada por setores da elite norte-americana, contra o bilionário mais odiado da América.
Os Estados Unidos de Putin
A suposta ajuda russa que a campanha eleitoral do presidente republicano teria recebido é um dos principais argumentos que seus adversários usam contra a sua permanência no cargo. Mas o que dizem os especialistas?
Para Mark Galeotti, especialista em Rússia e coordenador do Center for European Security (CES), e para Vladislav Davidzon, editor-chefe do Odessa Review, o governo russo acreditava na vitória de Hillary Clinton. Os integrantes do governo aos quais Galeotti tem acesso e a análise de Davidzon sobre os e-mails de Hillary que o Kremlin entregou ao Wikileaks, todos apontam nessa direção.
Para Galeotti, toda a guerra de informação empreendida pelo sistema de inteligência de Moscou, para perturbar as eleições norte-americanas de 2016, teve como objetivo enfraquecer o possível exercício do cargo pela candidata democrata, “distraí-la e obstá-la de reunir o consenso político necessário para investir contra os interesses russos […] Causar uma dúzia de incêndios políticos que ela teria que apagar, antes de pensar em política externa”.
Para Davidzon, vazar os e-mails de Hillary também tinha como objetivo minar o início do governo dela. Para o jornalista uzbeque, o fato de o Kremlin não entregar a Julian Assange as correspondências com informações realmente sensíveis, indica que a mensagem de Moscou para a democrata foi a de estar de posse de material verdadeiramente comprometedor, e, por isso, ela deveria tomar cuidado com o que faria no início de seu mandato.
O coordenador do CES também levanta dúvidas quanto à veracidade do dossiê montado por Christopher Steele, já que a última vez que esteve na Rússia foi ao final da década de 1990. Por isso, torna-se discutível que ele tenha tido acesso às várias fontes citadas no documento que redigiu.
Para Galeotti e Davidzon, o dossiê é maskirovka – uma ferramenta de desinformação visando a destruir a reputação de alguém, tornando pública kompromat falsa e implausível. Kompromat é a prática de se reunir informação comprometedora sobre um indivíduo, de forma a chantageá-lo posteriormente.
Outro argumento levantado contra o mandato do bilionário norte-americano, de forma a justificar ad hoc o posicionamento ruidoso de seus adversários, é que sua política externa é pautada no favorecimento dos interesses russos.
Como o editor do Odessa Review ressalta, em muitos aspectos a política externa de Barack Obama esteve alinhada com o desejado pelo Kremlin, favorecendo os moscovitas em pontos cruciais, principalmente quanto à estratégia para o Oriente Médio e para o Leste Europeu. Podemos acrescentar a esso rol a falta de pulso firme para com a Coreia do Norte, país que a Rússia ajuda a burlar as sanções do Conselho de Segurança da ONU.
Então como explicar as reclamações agora, mas o silêncio de aprovação durante o governo Obama?
Dezinformatsiya online
Em 2017, as grandes redes sociais revelaram que agentes russos se utilizaram desses websites para disseminar propaganda durante a corrida presidencial. Segundo o discurso dominante na imprensa estadunidense, essa campanha de desinformação foi um dos fatores que acabou por eleger Donald Trump.
Ano passado, por exemplo, a CNN noticiou sobre a operação ativa (ou medida ativa) que disseminou desinformação online nos estados de Michigan e Wisconsin – regiões cruciais para a vitória do candidato republicano, segundo o jornal. Já o Daily Beast fez um estudo sobre a atuação pró-Trump no Twitter, com base em dados coletados pelo cientista político Chris Albon.
Mas essa operação ativa se limitou a um suposto apoio à candidatura do bilionário? Jonathan Albright, diretor de pesquisa na Universidade de Columbia, parece discordar dessa forma de olhar para a situação.
Ele sustenta que não se deve olhar apenas para as publicações pagas pró-Trump, pois só é possível compreender a campanha russa de desinformação online se observarmos as atividades de todos os perfis falsos controlados por agentes russos durante aquele período.
Tendo essa ideia em mente, Albright descobriu que, no Facebook, os russos possuíam contas falsas para todos os espectros ideológicos possíveis. Ativismo negro e orgulho texano eram as duas maiores. Os russos também faziam agitprop em perfis pró-muçulmanos, de patriotismo estadunidense e, inclusive, em defesa da causa LGBT.
Infelizmente, o Dr. Albright não conseguiu concluir a sua análise sobre o impacto da atuação russa no Facebook, já que essa rede social acabou deletando todas as páginas em análise. No entanto, o acadêmico chegou à conclusão preliminar de que pelo menos 20 milhões de pessoas viram as postagens feitas por esses perfis no período eleitoral – um alcance de aproximadamente 6% da população norte-americana.
A descoberta de John Albright vai ao encontro do afirmado por Mark Galeotti: o objetivo dessa operação ativa russa foi disseminar o caos na sociedade norte-americana, de forma a paralisá-la politicamente. Ou seja, disseminar fake news, tanto à esquerda, quanto à direita, para jogar todos contra todos, criando incêndios políticos.
Essas informações foram confirmadas recentemente pelo Conselheiro Especial Robert Mueller, responsável por chefiar o Conselho de Investigação da Interferência Russa nas Eleições dos Estados Unidos em 2016. No documento em que Mueller acusa 13 cidadãos russos de intervir no pleito, o conselheiro vai além do já sabido, afirmando que o grupo foi responsável por organizar manifestações tanto a favor, como manifestações contra Donald Trump.
Da forma que a questão é abordada, esse tipo de interferência política acaba parecendo exclusividade do governo russo. Mas essa afirmação não faz justiça aos fatos. Infelizmente, é uma prática mais comum do que parece.
Como noticiado pelo Washington Times, o ex-presidente Barack Obama liberou US$ 350 mil para a ONG OneVoice. Segundo a reportagem, o grupo pró-unificação Israel-Palestina usou esse dinheiro para fazer campanha contra a reeleição de Benjamin Netanyahu.
Apesar de integrantes da ONG declararem suas intenções políticas para membros do alto escalão do governo norte-americano, o Departamento de Estado não impôs condições ao grupo, permitindo que usassem o dinheiro como achassem necessário.
Em 2013, a OneVoice também fez campanha durante as eleições, sendo improvável que o governo do 44º presidente desconhecesse o modus operandi do grupo.
Velhos truques, palco novo
Nada do que os russos fizeram em 2016, e muito provavelmente em 2017, é novo. Disseminar informação falsa para direcionar politicamente os rumos dos acontecimentos é prática antiga na nação moscovita.
Suas origens podem ser traçadas à criação da polícia secreta do czar no século XIX, popularmente conhecida por Okhrana. Essa organização trabalhou ativamente em toda a Europa, disseminando desinformação, fazendo agitação política, recrutando agentes e executando operações de assassinato.
De acordo com Amanda Ward, mestra pela Universidade de Ohio, a Inteligência da União Soviética foi herdeira e sucessora da Okhrana. De acordo com o seu estudo, foi a polícia secreta do czar quem inovou na área de inteligência, tendo a Vcheka, a primeira polícia secreta soviética, aperfeiçoado o sistema e elevando-o a níveis de brutalidade que superaram a já brutal monarquia russa.
O atual sistema de inteligência russo, composto por um punhado de agências com atribuições muitas vezes concorrentes, é herdeiro do sistema monolítico soviético. Portanto bebe de uma tradição que remonta a mais de um século de experiência. E foi todo esse conhecimento acumulado que se derramou sobre a eleição norte-americana.
Mas afinal o que são operações ativas, nome dado às operações de inteligência na doutrina russa?
Como Jonh Sipher, ex-agente do serviço clandestino da CIA, nos explica: uma operação ativa é qualquer operação de inteligência, incluindo “propaganda, manipulação da imprensa, desinformação, fraude, falsificação, financiamento a grupos de oposição, disseminação de teorias da conspiração e rumores, ciberataques, espionagem e até mesmo assassinatos”.
Como o próprio espião aposentado ressalta, o método empregado durante as eleições não é novo. Durante a Guerra Fria, a KGB conseguia que uma história falsa fosse publicada em um tabloide na Índia. Em seguida, utilizava de sua rede de agentes, para fazer com que a história fosse publicada em veículos de maior credibilidade, até ser publicada por um jornal de renome na imprensa do Atlântico Norte.
A novidade no método está no uso das redes sociais para transformar informação em arma, burlando a imprensa como intermediária, alcançando diretamente o público. Mas em uma guerra de informação, publicar notícias falsas é apenas o primeiro passo.
Como Peter Pomerantsev e Michael Weiss discutem em sua reportagem especial para o The Interpreter, uma operação de dezinformatsiya não termina com a publicação de uma informação falsa.
Posteriormente, os agentes de influência (como intelectuais, jornalistas e integrantes do governo) e as empresas de relações-públicas e lobby (contratadas como parte da campanha) entram em ação, para dar maior peso e credibilidade ao discurso desenvolvido na operação ativa.
Talvez o ponto crucial das operações ativas de desinformação seja o tipo de mensagem passada adiante. Ao contrário da indústria do entretenimento, que se utiliza das melhores técnicas de publicidade e propaganda para criar e guiar os interesses do grande público, as agências de inteligência russa muitas vezes trabalham em cima de opiniões existentes.
Nesse tipo de operação ativa, os russos dizem exatamente aquilo que você quer ouvir. Por exemplo, se você acha que existe perseguição política, eles colocarão seus agentes de influência para repetir exaustivamente essa afirmação, causando uma impressão que confirma suas suspeitas. Mas se o que o preocupa são os negócios escusos que algum político possui, eles apresentarão uma gravação que, apesar de não provar nada, sugere que a sua preocupação é verdadeira.
Que difícil deve ter sido para um norte-americano conhecer os fatos, estando soterrado por uma avalanche de desinformação, quando a própria elite política e intelectual de seu país contribuiu para a cortina de fumaça que envolveu a verdade.
Entram em cena os engenheiros políticos
Um dos nossos erros ao lidar com a Rússia é achar que, após a queda da União Soviética, Moscou tornou-se uma democracia da maneira que entendemos no Ocidente. Sim, eles possuem eleições e tripartição dos poderes, mas as eleições não são livres. Na realidade, o Kremlin nunca abandonou suas práticas autocráticas.
Alexei Navalny talvez seja o caso mais significativo da farsa da liberdade democrática na Rússia. Tendo entrado com seu pedido de candidatura em 24 de dezembro do ano passado, no dia 25 a Comissão Central Eleitoral já havia lhe negado a participação nas eleições. No dia 28 do mesmo mês, entrou com recurso na Suprema Corte russa, que proferiu seu julgamento no dia 30 de dezembro, com veredito negando a demanda.
Navalny é o nome em torno do qual tem se formado uma oposição independente na Rússia. Segundo Roman Dobrokhotov, editor-chefe do The Insider, ao contrário do que se espera, a liderança do não-candidato deu origem a uma rede descentralizada, capaz de agir sem a coordenação de seus líderes – impedindo que o governo sufoque as manifestações públicas do grupo.
Navalny é um perigo para o putinismo, pois o discurso do advogado e ativista russo tem apelo junto à população e não está sob o controle do Kremlin.
Como Peter Pomerantsev nos mostra em seu artigo sobre Vladislav Surkov: a democracia gerenciada russa é o sistema político onde a retórica democrática se encontra com a intenção autoritária.
Vladislav Surkov é uma das pedras angulares do putinismo. Sua biografia é um pouco obscura, tendo ele, ao longo do tempo, dado informações contraditórias sobre seus pais e sua infância. De qualquer forma, sabemos que, ao final da década de 1980, ele chefiou o departamento de propaganda do banco do milionário russo Mikhail Khodorkovsky.
A partir de 1999, tornou-se o responsável pelas relações públicas do governo russo, assumindo o cargo de Vice Chefe do Gabinete da Administração Presidencial Russa. Para Mark Galeotti, em seu artigo sobre a guerra política de Moscou na Europa, a Administração Presidencial provavelmente é o órgão mais importante do governo moscovita.
Desde então, Vladislav Surkov é um dos principais engenheiros políticos (political technologist) da Rússia, ajudando a manter a autocracia putinista no poder.
Mas não foi Vladimir Putin ou Surkov quem primeiro entendeu a situação em que se encontra a mentalidade do povo russo. Já em 1996, o falecido bilionário Boris Berezovsky, coordenando um grupo de engenheiros políticos, conseguiu reeleger Boriz Yeltsin. O tema da campanha? Um espectro ronda novamente a Rússia, e só Yeltsin é quem poderia livrar o país de cair novamente nas garras do comunismo.
O que os engenheiros políticos russos fazem é se utilizar dos meios de comunicação de massa e de técnicas de engenharia social para vender uma realidade inexistente para a população. O objetivo: entretenimento das massas, para dar legitimidade às políticas governamentais.
Nesse ritual macabro de conjuração de falsas verdades, os engenheiros políticos do Kremlin financiam movimentos de arte, ao mesmo tempo em que incentivam manifestações contra a arte contemporânea; organizam encontros de movimentos separatistas, ao mesmo tempo em que sufocam as mesmas pretensões em seu território. Tudo se tornou relações-públicas. A verdade é irrelevante.
Ao final, destruindo qualquer possibilidade de se entender o que está realmente acontecendo, Moscou consegue vestir de democracia o autoritarismo, legitimando práticas antidemocráticas através de campanhas elaboradas de relações públicas, não dando brechas para que qualquer discurso político surja fora do orquestrado pelo governo.
Assim, uma das mais importantes políticas públicas do governo russo é manter a sua população em um estado de ilusão. Tendo a situação russa em perspectiva, torna-se claro de qual fonte eles beberam para interferir na eleição presidencial norte-americana.
Os fins não justificam os meios
Se o objetivo da campanha contra Donald Trump era o de proteger os Estados Unidos da Rússia, os adversários do bilionário acabaram por entregar as chaves do portão ao Kremlin. Para Mark Galeotti, foi a crença no Dossiê Trump, montado a pedido da campanha democrata, que deu tanta força ao esforço russo.
Lembramos que assim como uma operação ativa de desinformação visa a influenciar os rumos políticos numa certa direção, como era o costume durante a Guerra Fria, ela também pode ter como objetivo deixar as coisas tão caóticas, que se torna impossível distinguir a verdade da mentira.
Essa situação se torna ainda mais preocupante, se levarmos em consideração um estudo realizado em 2013 na Europa, pelo think tank eslovaco Institute for Public Affairs, com o título de “Mentalidade Conspiratória em Época de Mudanças” (Conspiratorial mindset in the age of transition).
O think tank progressista analisou estatisticamente a percepção que a população francesa, húngara e eslovaca tem sobre a independência dos seus respectivos governos nacionais, pedindo para que respondessem se concordavam ou não com a frase: “Na verdade, não é o governo quem controla o país – nós não sabemos quem dá as ordens”.
Posteriormente, pedia ao entrevistado que identificasse os grupos que ele achava que exerciam o poder através dos bastidores, dentre uma seleção de atores previamente definidos.
Como resultado, os pesquisadores encontraram que aproximadamente metade da população dos três países concordam com a afirmação de que os seus representantes não são independentes para governar o país. Nos três países, os entrevistados acreditam que o principal culpado dessa subserviência seria o sistema financeiro internacional.
Por fim, tratando os dados, a pesquisa encontrou que os nacionalistas são mais propensos a acreditar na existência de um poder por trás do trono.
É interessante notar que os países estudados pelo Institute for Public Affairs são países vitimados por operações ativas de desinformação, de acordo com Mark Galeotti.
Infelizmente, os pesquisadores não se aprofundaram no porquê de os nacionalistas europeus desconfiarem mais da independência do governo frente ao sistema financeiro internacional. É uma situação inerente ao ideário nacionalista? É culpa de como a União Europeia lida com a migração africana e do Oriente Médio? É por motivos econômicos? A dúvida fica em aberto.
No entanto, eles ressaltam que de nenhuma maneira essas pessoas estão necessariamente erradas em seu julgamento. O objetivo do estudo não foi julgar a veracidade das teorias da conspiração, mas sim lançar um primeiro olhar ao que faz uma pessoa acreditar nesse tipo de explicação.
É importante ressaltar que, para o estudo, uma teoria da conspiração nada mais é que uma explicação que tem como fundamento algum tipo de maquinação feita nos bastidores por membros da elite do poder.
Sob essa luz é que entendemos o porquê de os acontecimentos ligados às eleições de 2016 nos Estados Unidos serem tão preocupantes para a população daquele país: de acordo com os pesquisadores, a mentalidade conspiratória parece advir da baixa confiança nas instituições públicas e na qualidade da democracia, ligadas a um cenário de mudança cultural, política e econômica.
Pegando carona no Dossiê Trump, os russos conseguiram abalar a confiança nas instituições e na democracia norte-americana, tanto entre os apoiadores do atual presidente, quanto entre aqueles que preferem vê-lo fora da Casa Branca.
E a conclusão desse raciocínio é simples: a campanha de desinformação russa de 2016, ao disseminar a descrença nas instituições, aumentou a propensão dos norte-americanos a serem vitimados pela próxima campanha de desinformação. Os engenheiros políticos em Moscou devem estar em júbilo.
E o Brasil?
Obviamente, o Brasil não tem relação direta com o que se passa atualmente nos Estados Unidos. No entanto, será proveitoso olhar para a situação do nosso país tendo em vista as eleições de 2018.
O principal ponto a se ter em conta é o nível de confiança que o brasileiro tem em seu governo. De acordo com pesquisa realizada pela ONG Latinobarómetro, apenas 13% dos brasileiros estão satisfeitos com um governo democrático.
A coisa fica ainda pior: apenas 6% dos brasileiros aprovam o governo, e somente 11% confiam no Congresso Nacional. Se o Institute for Public Affairs tivesse feito aqui a pergunta de sua pesquisa, quantos brasileiros concordariam com a afirmação de que há alguém ditando as regras nos bastidores?
Talvez possamos aprender com a situação da Finlândia, considerado um dos poucos países europeus a lidar adequadamente com a guerra de informação russa. Suas principais armas são: escolas públicas de qualidade e um governo no qual a população confia. Dessa maneira, os finlandeses conseguem identificar histórias falsas e confiam na mensagem passada pelos seus políticos sobre determinado assunto.
Infelizmente, o Brasil também deixa a desejar quanto à educação de seu povo. De acordo com estudo conduzido pelo Instituto Paulo Montenegro (IPM) e pela ONG Ação Educativa em 2015, apenas 8% da população brasileira está alfabetizada no nível proficiente – esse é o nível que alguém deveria alcançar ao concluir o ensino médio.
A maior parte da população se encontra no nível elementar ou intermediário (65%). Já os 27% restantes fazem parte dos analfabetos (4%) ou do nível rudimentar (23%).
Fugindo do lugar-comum de que investir em mais educação resolverá o problema, a questão talvez esteja mais na qualidade dos professores que as universidades estão formando: ainda de acordo com a pesquisa do IPM, apenas 22% daqueles que alcançam o ensino superior estão no nível proficiente.
É necessário que a elite do poder brasileira e seus agentes de influência tenham em mente essa situação. De que adianta derrotar o adversário, se para isso será necessário abrir as portas para a confusão generalizada? Quantas dificuldades a mais os novos governantes terão numa situação dessas?
Talvez Ayn Rand esteja certa ao afirmar, através de Hank Rearden – personagem do livro “A Revolta de Atlas”: “Os homens ficariam horrorizados, […] se vissem uma ave fêmea arrancando as penas do filhote e depois o empurrando para fora do ninho para que ele lutasse pela sobrevivência […] Munido apenas de frases sem sentido, este rapaz fora lançado na luta pela sobrevivência, havia tateado e cambaleado durante um breve esforço fadado ao fracasso, gritara em protesto, confuso e indignado, e havia perecido na sua primeira tentativa de voar com suas próprias asas”.
Quanto ao Sistema Brasileiro de Inteligência, através da Ouvidoria solicitamos à Abin informações sobre os preparativos para as eleições de 2018. Até o fechamento desta matéria, não obtivemos retorno.