Por Daniel Lacalle, economista-chefe da Tressis Gestión
O recente colapso do peso argentino e outras moedas emergentes é mais do que um sinal de alerta. Pode ser a infame “parada repentina”.
Esse fenômeno ocorre quando o fluxo de dólares americanos baratos para os mercados emergentes se inverte repentinamente e os fundos retornam aos Estados Unidos em busca de ativos mais seguros. O “carry trade“ do banco central com taxas de juros baixas e liquidez abundante foi usado para comprar ativos de “crescimento” em mercados emergentes.
À medida que a evidência de uma desaceleração global aumenta e as taxas de juros nos Estados Unidos aumentam, os mercados emergentes perdem o tsunami de entradas e enfrentam enormes saídas, porque o período da bolha não foi usado para fortalecer as economias desses países, mas para perpetuar seus desequilíbrios.
Estudo de caso da Argentina
O peso argentino perdeu 31% este ano em relação ao dólar e é uma das moedas mais desvalorizadas em 2018.
Já há algum tempo, muitos de nós temos alertado para o erro de aumentar maciçamente a oferta de moeda e usar alta liquidez para evitar reformas estruturais muito necessárias. Na Argentina, o governo de Cristina Fernández de Kirchner deixou um buraco fiscal próximo a 20% do PIB e uma inflação maciça depois de anos tentando cobrir os desequilíbrios estruturais aumentando a oferta monetária em mais de 30% a 35% ao ano.
Infelizmente, como em outros mercados emergentes, as reformas urgentes foram abandonadas e uma fórmula alternativa foi tentada. Emitir grandes quantidades de dívida e continuar financiando uma despesa pública crescente com a impressão do dinheiro do banco central esperando que o crescimento econômico e a dívida barata compensassem o crescente buraco fiscal.
Esse erroneamente chamado “ajuste flexível” foi devido à enorme liquidez nos mercados internacionais e ao apetite pela dívida dos mercados emergentes, impulsionada por estimativas consensuais de um enfraquecimento continuado do dólar norte-americano. Muitas economias latino-americanas e de mercados emergentes caíram na armadilha.
A Argentina chegou a emitir um título de cem anos a uma taxa espetacularmente baixa (8,25%) com uma demanda muito alta, mais de 3,5 vezes o valor da oferta. Aquela emissão de US$ 2,5 bilhões parecia loucura. Um título de cem anos de uma nação que deu calote pelo menos seis vezes nos cem anos anteriores! Pior de tudo, esses fundos (dólares americanos emprestados) foram usados para financiar despesas correntes em moeda local.
Taxas crescentes
A extraordinária demanda por títulos e outros ativos na Argentina ou na Turquia foi justificada pelas expectativas de reformas e por uma mudança que, com o passar do tempo, simplesmente não aconteceu. Os países não conseguiram controlar a inflação, apresentaram um crescimento abaixo do esperado e os desequilíbrios dispararam enquanto os Estados Unidos começaram a ver alguma inflação, as taxas começaram a subir.
De repente, a propagação do rendimento entre a dívida de 10 anos dos EUA e a dívida dos mercados emergentes não era atraente, e a liquidez secou mais rápido que a velocidade da luz, mesmo com uma modesta diminuição do balanço do Federal Reserve (o banco central dos EUA). A liquidez desaparece por causa da contração das apostas extremamente alavancadas num único negócio – um dólar mais fraco, maior crescimento global.
No entanto, outro problema agrava a reação. Um aumento agressivo da base monetária pelo banco central argentino fez a inflação subir acima de 23%.
Com um aumento na base monetária de 28% ao ano, e buscando financiar o excesso de gastos imprimindo dinheiro e aumentando a dívida para “ganhar tempo”, as sementes do desastre foram plantadas. O excesso de liquidez e a fraqueza do dólar americano pararam. Moedas locais e financiamento externo enfrentam risco de colapso.
Parada repentina
A parada repentina. Quando a maioria das economias emergentes entrou em déficits gêmeos – déficits fiscais e comerciais – e o pensamento prevalente (mainstream) elogiou o “crescimento sincronizado”, eles estavam selando seu destino: quando o dólar recupera alguma força, as taxas dos EUA sobem devido a um aumento da inflação, e o fluxo de dinheiro barato para os mercados emergentes é revertido. O crescimento sincronizado com endividamento criou o risco sincronizado de colapso.
O que preocupa a Argentina e muitas outras economias é que elas deveriam ter aprendido com isso depois de décadas de episódios semelhantes. Mas os banqueiros de investimento e os formuladores de políticas sempre dizem que “desta vez é diferente”. Não foi.
Agora, a Argentina elevou as taxas de juros para 40% para impedir o sangramento. Com a inflação galopante e as preocupações com o crescimento econômico, o salto do peso provavelmente será de curta duração. É lamentável que o governo reformista do presidente Macri tenha que recorrer a essas políticas por causa do legado deixado pela gestão Kirchner.
Mas o crescimento maciço da oferta monetária não compra tempo nem disfarça problemas estruturais. Ele simplesmente destrói o poder de compra da moeda e reduz a capacidade do país de atrair investimentos e crescer.
Este é um aviso, e as administrações devem considerar este episódio como um sinal sério antes que o susto se transforme numa crise generalizada nos mercados emergentes.
Nos próximos três anos, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que os fluxos para economias emergentes caiam em até US$ 60 bilhões por ano, o equivalente a 25% dos fluxos recebidos entre 2010 e 2017.
As rachaduras começaram a aparecer nas moedas mais fracas, aqueles nos quais os desequilíbrios monetários eram maiores. Mas outros não devem se sentir aliviados. Este aviso não deve ser usado para atrasar as reformas inevitáveis, mas para acelerá-las. Infelizmente, parece que os planejadores políticos preferem culpar qualquer fator externo, exceto suas desastrosas políticas monetárias e fiscais.
Daniel Lacalle é economista-chefe do fundo de investimentos Tressis e autor de “Escape From the Central Bank Trap”, publicado pela BEP.
As opiniões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times.