Por David T. Jones
Historicamente, o “grande jogo” foi jogado diplomática e militarmente enquanto a Grã-Bretanha manobrava contra a Rússia czarista para frustrar a presença de Moscou (e promover a dominação da Grã-Bretanha) no Sul da Ásia.
Hoje temos a luta clássica no Nordeste da Ásia – a “interface quadrilateral” com a China, Rússia, Japão, Coreia do Norte e do Sul e os Estados Unidos buscando objetivos de segurança que aparentemente são incompatíveis. Vejamos:
Pyongyang, talvez a mais viciosa ditadura do século XXI, busca segurança absoluta contra vizinhos que ela acredita quererem “mudança de regime”. Para prevenir isso, a Coreia do Norte persegue implacavelmente o status de armas nucleares juntamente com a capacidade de lançá-las com mísseis balísticos. Atualmente sua ameaça é regional, mas pode rapidamente tornar seu alcance intercontinental.
Seoul provavelmente preferiria ser deixada quieta para desfrutar de crescente prosperidade e prestígio internacional. Embora fosse politicamente satisfatório terminar oficialmente a Guerra da Coreia (status que ainda é o de “armistício”) e unir a península sob um governo democrático, ninguém desejaria a retomada da guerra, independentemente do resultado.
Mas a Coreia do Sul também está sofrendo de instabilidade quando sua primeira presidente feminina, Park Geun-hye, sofreu impeachment e foi retirada do cargo, e agora responde a acusações de corrupção/extorsão. Uma eleição presidencial especial em 9 de maio pode resultar numa liderança mais amigável em relação a Pyongyang.
Pequim quer paz na península. Historicamente, a China lutou para preservar um regime tampão comunista contra Seul/EUA. Pyongyang tem uma dívida de sangue com Pequim (estima-se que cerca de 500 mil soldados chineses morreram em defesa do regime da Coreia do Norte), além de assistência militar e econômica sem fim.
Embora o líder chinês Xi Jinping e outros altos funcionários de Pequim pareçam frustrados com as ações erráticas do líder norte-coreano Kim Yong-un, eles ainda estão relutantes em implementar uma mudança de regime.
Tóquio está preocupada com as ameaças de Pyongyang, além da hostilidade de longa data, ilustrada, por exemplo, pelo sequestro de cidadãos japoneses para servirem como instrutores de línguas para espiões norte-coreanos. A crescente beligerância de Pyongyang levou o Japão a aumentar os gastos com defesa e a reforçar suas defesas de mísseis.
Moscou optou por ficar de fora. Já não mais um participante significativo no Extremo Oriente, Moscou tem se concentrado em reconstruir a influência/controle sobre a Europa Oriental/Ásia Central e expandir a influência no Oriente Médio (Síria/Irã). No entanto, a Rússia exigiu uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, incluindo a resolução “diplomática” das violações das sanções contra Pyongyang.
Washington, durante décadas, foi o único jogador que poderia ter se afastado. Em vez disso, os Estados Unidos limitaram-se a Tóquio e Seul com garantias nucleares contra a retomada dos ataques do expansionismo de Pyongyang e Pequim. Por mais de 20 anos, Washington e seus aliados enfatizaram cenouras econômicas e sanções político-econômicas para deter o programa nuclear de Pyongyang. Os esforços provaram-se insignificantes. Washington anunciou agora que as negociações falharam e o período de “paciência estratégica” terminou.
Mas a retórica risível de Pyongyang agora tem dentes nucleares; presas que prometem se tornar mais longas, maiores e mais afiadas.
Então, o que vem depois?
Pyongyang acaba de completar uma celebração maciça, com uma grande variedade de mísseis balísticos (incluindo possíveis variantes do míssil balístico intercontinental, ou ICBM), para comemorar o aniversário de 105 anos de Kim Il-sung. A celebração foi seguida do lançamento de um míssil, que embaraçosamente falhou, mas eles não tentaram o alardeado teste nuclear.
Após a reunião do presidente estadunidense Trump com o líder chinês Xi Jinping, parece haver um acordo provisório de que Pequim intervirá no programa nuclear de Pyongyang. Isso poderia ser a razão que levou Pyongyang a não testar outra arma nuclear. Pequim já suspendeu a importação de carvão da Coreia do Norte e ameaçou suspender o fornecimento de petróleo.
De forma complementar, o secretário de Estado estadunidense Tillerson e o vice-presidente Pence emitiram repetidas advertências contra o comportamento “imprudente” de Pyongyang. As forças dos EUA e da Coreia do Sul estão realizando grandes exercícios militares (mas pré-programados). Pyongyang declarou (ritualisticamente) que essas manobras são precursoras de uma invasão e aumentou a intensidade de sua retórica respondona.
Washington parece ter concluído que não pode viver com o programa de mísseis nucleares de Pyongyang. Múltiplos esforços anteriores para dissuadir Pyongyang de prosseguir nesse caminho falharam e Washington rejeitou a “solução israelense” de ação cinética contra programas nucleares de Estados hostis. Pyongyang parece acreditar visceralmente que os Estados que eliminam programas nucleares, por exemplo, Iraque e Líbia, são derrubados por forças ocidentais. Alguns desdobramentos possíveis:
– Pequim persuade Pyongyang a neutralizar seu programa nuclear (isso falhou no passado);
– A percepção da vontade dos Estados Unidos de usar a força militar (mísseis de cruzeiro contra a Síria e a “mãe-de-todas-as-bombas” no Afeganistão) convence Pyongyang a refrear sua retórica, embora eles continuem o desenvolvimento clandestino de armas e mísseis nucleares;
– O governo dos EUA reinstala forças nucleares na Coreia/Japão e/ou oferece assistência aos dois países que desenvolvam rapidamente suas próprias dissuasões nucleares (como fizemos com o Reino Unido);
– O governo dos EUA (combinado, se possível, com outras forças regionais) ataca os programas nuclear e de mísseis de Pyongyang o suficiente para destruí-los. Uma consequência razoável seria uma sangrenta guerra terrestre com grande destruição na Coreia do Sul.
Recordando um velho anúncio de oficina de automóvel, “Você pode me pagar agora ou pagar-me mais tarde.” Nós não pagamos cedo; agora o pagamento será mais caro.
David T. Jones é um funcionário aposentado sênior de carreira do serviço exterior do Departamento de Estado dos EUA. Ele publicou inúmeros livros, artigos, colunas e análises sobre questões bilaterais norte-americanas e política externa. Durante uma carreira de mais de 30 anos, ele se concentrou em questões político-militares, servindo como conselheiro para dois chefes do Estado-Maior do Exército. Entre seus livros está “Alternative North Americas: What Canada and the United States Can Learn from Each Other”